Andar cinco mil quilômetros desde Gotemburgo, na Suécia, até Jerusalém, na Palestina, foi a maneira encontrada pelo músico sueco Benjamin Ladraa para denunciar as humilhações e a violência que o povo palestino vem sofrendo. “Caminho pela paz e pelos direitos humanos, por um mundo melhor”, disse o jovem ao TUTAMÉIA em entrevista exclusiva realizada pela internet.

Agora todo encasacado e de gorro para enfrentar o frio, com sua barba escura às vezes pintada de branco por flocos de neve, o sueco de 25 anos, estudante de relações internacionais, caminha por rodovias, estradas e trilhas levando uma bandeira palestina e empurrando um carrinho de supermercado onde guarda roupas e equipamentos.

Sua jornada teve início no dia cinco de agosto passado, sem pompa nem circunstância. Simplesmente saiu de seu apartamento, em Gotemburgo (segunda maior cidade sueca, atrás apenas da capital, Estocolmo), e começou a caminhar. Por algum tempo, teve a companhia de sua agora ex-namorada. Mas logo se despediram.

Quando conversei com ele, no dia 18 de fevereiro último, o peregrino estava na Sérvia, tendo percorrido até então pouco mais de dois mil quilômetros, passando por oito países –até o final, serão uma dúzia.

De modo geral, vem recebendo apoio e acolhida ao longo do percurso, mas é constantemente interpelado pela polícia. O pior incidente até agora foi em Praga, em frente à embaixada de Israel. Tudo acabou bem, pelo menos por enquanto.

Nossa conversa foi assim:

TUTAMÉIA – Qual o objetivo da jornada?

BENJAMIN LADRAA – Quero despertar a consciência das pessoas para o que está acontecendo na Palestina, os abusos contra os direitos humanos cometidos por soldados israelenses contra o povo palestino, que vive sob uma ocupação militar ilegal já por mais de cinquenta anos.

TUTAMÉIA – Você já visitou a Palestina?

BENJAMIN LADRAA – Sim, foi uma das razões que me motivaram a fazer essa peregrinação. Testemunhar a ocupação da Palestina e tudo o que ela envolve foi uma experiência que não vou esquecer jamais. Muros, paredões, soldados, postos de triagem, conversar com as pessoas e ficar sabendo sobre os momentos horríveis que têm vivido é algo muito brutal. Também foi chocante visitar Hebron, ver as áreas tomadas pelos colonos israelenses e os prédios vazios de onde os palestinos viviam.

TUTAMÉIA – Como foi a preparação para a jornada?

BENJAMIN LADRAA – A única preparação foi organizar minhas economias e vender tudo o que eu tinha para conseguir dinheiro. Não sou exatamente uma pessoa em ótima forma física, mas pensei que, se minha decisão fosse forte o suficiente eu conseguiria realizar o projeto. Não fiz nenhum treino especial ou coisa do gênero.

Para me manter na caminhada, conto com minhas economias e com o apoio eventual de pessoas que encontro ao longo da jornada. Também tenho um site que recebe doações on-line (CLIQUE AQUI PARA CONHECER). Podem seguir minha página (CLIQUE AQUI). Eu posto tudo com a hshtag #walktopalestine e também estou no Instagram com o nome walktopalestine. Qualquer doação me deixa muito satisfeito, me ajuda a comprar comida e eventualmente garantir um lugar melhor para dormir.

TUTAMÉIA – Como sua família recebeu o projeto? E como foi o desenho do percurso?

Minha agora ex-namorada não ficou muito satisfeita com a ideia. Minha mãe sempre apoia minhas decisões e meus projetos, mesmo quando ela acha que são um pouco estranhos.

Na minha caminhada devo passar por doze países. Não sei ainda como vai ser no caso da Síria, pois a violência está aumentando por lá e talvez não seja possível. Até agora já passei pela Suécia, de onde saí, Alemanha, República Tcheca, Eslováquia, Áustria, Eslovênia, Croácia e Sérvia. A seguir vou passar por Bulgária e Turquia, e aí decido qual o caminho a fazer para continuar a jornada.

TUTAMÉIA – Você é sueco. Por que viajar com uma bandeira palestina?

BENJAMIN LADRAA – Faço isso para mostrar minha solidariedade e para chamar a atenção das pessoas. Eu percebi, porém, que muita gente na Europa pensa que sou um refugiado, uma vez que estou andando pelas estradas levando uma bandeira “estrangeira”. Mas funciona bem: muita gente para e puxa conversa comigo, pergunta o que estou fazendo.

TUTAMÉIA – Como é sua rotina?

BENJAMIN LADRAA – Basicamente, eu caminho dia todo, o que dá em média trinta quilômetros por dia. Vou empurrando um carrinho de supermercado onde levo minhas coisas; pelo menos, não preciso carregar mochila nas costas.

Minha bagagem é leve. Tem o equipamento para documentar a jornada –câmera, telefone, laptop-, roupas, tablet e um momento de pequenas coisas do dia a dia. Em relação ás roupas, o item mais importante são os calçados, foi no que eu investi mais: calçados de boa qualidade, confortáveis. De resto, é o normal, as roupas que eu tinha.

Quando chove, eu me molho. A chuva não é razão para interromper a caminhada. Sendo sueco, a neve também não é algo que me atrapalha muito. Durmo em qualquer lugar, onde for possível. Às vezes, alguém me convida para sua casa; quando estou muito cansado, tento encontrar uma acomodação barata para ficar.

Já passei por todo o tipo de estrada, de rodovias movimentadas e avenidas nas cidades a estreitas trilhas passando por florestas. Prefiro estradas secundárias, planas, sem muito tráfico, mas nunca sei exatamente por onde vou passar. Até agora [18 de fevereiro], passei por oito países e já caminhei pouco mais de dois mil quilômetros. Estou na Sérvia e devo chegar à Bulgária em alguns dias.

Quando chego a cidades maiores, procuro organizar palestras. Falo sobre direitos humanos e a situação do povo da Palestina. Foco nos crimes que estão sendo cometidos contra a Palestina e chamo as pessoas a participarem de comitês e outras formas de organização de solidariedade, incentivando todos a serem mais ativos na busca de mudanças e na defesa da paz.

Recepção pouco depois de entrar no território da Bulgária — fotos Arquivo pessoal

TUTAMÉIA – Você já sofreu algum tipo de ataque? Não é perigoso caminhar sozinho pelo mundo afora?

BENJAMIN LADRAA – O que for acontecer vai acontecer. Até agora, consegui evitar qualquer problema maior. Mas não me preocupo muito com isso.

TUTAMÉIA – E a polícia?

BENJAMIN LADRAA – Eles me param praticamente todos os dias. Na Áustria, alguém chamou a polícia e disse que eu era um terrorista, então eles apareceram com tudo, de armas na mão, uma cena muito ameaçadora. Em geral, eles acham que sou um refugiado. Ficam surpresos quando descobrem que eu, na verdade, saí da Suécia em direção ao Oriente Médio, e não o contrário.

TUTAMÉIA – Em Praga, houve um encontro mais ameaçador, não?

BENJAMIN LADRAA – Eu estava passando pela embaixada de Israel, no caminho normal que tinha escolhido. Os guardas da embaixada me viram, notaram a bandeira da Palestina, e saíram correndo em minha direção, gritando para eu parar ali mesmo, o que eu fiz na hora, é claro.

Depois fui cercado pela polícia tcheca e pelo pessoal da segurança da embaixada. A polícia pegou meus documentos passou para os israelenses, que fotografaram meu passaporte. O incidente durou cerca de duas horas, e eles chegaram a chamar o esquadrão antibomba para revistar minha bagagem.

Como a República Tcheca é, na Europa, o mais amigo de Israel, eu acabei deixando a história de lado, nem passou pela minha cabeça ir às autoridades para denunciar o incidente. Não acho que eles seriam de muita ajuda…

Encontro com apoiadores em Berlim

TUTAMÉIA – E o oposto: você tem recebido apoio, solidariedade?

BENJAMIN LADRAA – Fico muito feliz quando as pessoas resolvem me acompanhar, ainda que por pouco tempo. Houve uma garota de Zagreb, na Croácia, que caminhou comigo até a Sérvia. Também na Croácia, encontrei um cara de Gaza muito bacana, que caminhou comigo por um certo tempo. Aqui na Sérvia, dois palestinos seguiram comigo por um tempo. Demos muitas risadas juntos; como todos os palestinos, eles têm muitas histórias para contar. Histórias tristes, às vezes, mas também muito inspiradoras

Estou agradecido por tudo que tenho recebido das pessoas, as que me fazem companhia, as que me dão guarida, as que ajudam a organizar as palestras, tudo. Mas a jornada pode se tornar às vezes bem solitária.

TUTAMÉIA – Nesses momentos solitários, o que você pensa ao longo da caminhada?

O pensamento voa, vai de um lado para outro. Um pensamento recorrente é sobre o que eu posso fazer para ajudar a acabar com toda essa loucura que assola nosso mundo. Como seria possível acabar com tanto sofrimento e criar um mundo melhor.

TUTAMÉIA – Você tem medo? Esperança?

BENJAMIN LADRAA – Não tenho muito medo, não. Talvez haja um problema no meu projeto pois grande parte da atenção que venho recebendo é voltada para a minha pessoa, e não para a situação da Palestina, para os problemas que procuro denunciar. Mas eu tenho, sim, esperança no futuro, espero que um dia todas as guerras tenham fim.

Ladraa em uma estrada da Sérvia, onde estava quando concedeu entrevista ao TUTAMÉIA

TUTAMÉIA – E sobre sua jornada, o que acontece se os israelenses proibirem sua entrada na Palestina?

BENJAMIN LADRAA – Estou contando com isso (risos). Se me proibirem mesmo, vou ficar alguns dias na Jordânia, relaxando um pouco e pensando no que fazer, planejando o futuro. Também vou denunciar o fato na mídia internacional, mostrando o absurdo que é impedir uma pessoa que caminhou desde a Suécia de atingir seu objetivo.

TUTAMÉIA – O que você espera conseguir com tudo isso?

BENJAMIN LADRAA – Espero conseguir deixar mais gente mais informada sobre a situação da Palestina e talvez inspirar alguns a terem uma participação mais ativa na luta pela mudança.

TUTAMÉIA – Quando você espera chegar e o que pretende fazer depois?

BENJAMIN LADRAA – Pretendo chegar à Palestina em meados deste ano. E quero iniciar alguns projetos assim que chegar lá. Pretendo aprender árabe e aprender a editar filmes. Talvez visitar o Saara ocidental e divulgar a história deles. Toda esta jornada é apenas um pequeno passo em busca de um mundo melhor; eu pretendo investir mais tempo construindo outros passos nessa direção.