Quilombolas sofrendo com doenças de pele, populações ribeirinhas sem peixe para pescar, rios de águas vermelhas inundando as margens de destruição, pó de gesso destruindo pulmões e sufocando as plantações, mata saqueada, mortes, desemprego, miséria.

Em voz nordestina, em brado feminino, em fala arrastada, em canto indígena, as denúncias se sucedem nas plenárias, grupos de trabalho, reuniões grandes e pequenas realizadas ao longo dos quatro dias do Primeiro Encontro Nacional do MAM -Movimento pela Soberania Popular na Mineração, em meados de maio, em Parauapebas, no Pará.

É a região de Carajás, marco da riqueza da terra brasileira e das mazelas provocadas pela exploração desordenada dos intestinos do país, com regulamentação insuficiente e débil retorno à população em forma de investimentos. Basta dizer, como afirma o MAM, que “o Brasil é o país que cobra menos royalties da mineração, o que significa maior lucro para as empresas”.

Os números impressionam: enquanto o Brasil cobra 1,5% de royalties pela exploração no ouro, a China impõe taxa duas vezes maior e ainda com folga: 4%.  Em outros minérios, a diferença é ainda mais gritante: no cobre, a taxa brasileira é de 2%, enquanto o Chile chega a índice de 20%; no diamante, a cobrança local é também de 2%, contra nada menos que 7,5% na Austrália.

Mais que os números, a exploração das riquezas minerais deixa marcas de brutalidade sobre as populações do entorno das cavas –e há revolta e levante e mobilização.  Há também aprendizado e produção de conhecimento, que precisa ser disseminado –exemplo disso é a produção do “Dicionário Crítico da Mineração”, lançado durante o encontro (assista ao vídeo abaixo).

Foi assim que, exatamente na região de Grande Carajás, nasceu há cerca de seis anos o MAM, que então se chamava Movimento dos Atingidos pela Mineração (conheça mais sobre a história do movimento e suas lutas no vídeo com Maria Júlia de Andrade, da coordenação nacional do MAM).

Surgiu apoiado por forças como o MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Mas, ao longo dos anos, foi desenvolvendo musculatura e construindo sua personalidade, redefinindo e reorientando suas bandeiras de luta, o que acabou provocando a mudança do nome, ainda que a sigla fosse mantida.

O que, exatamente, é a “soberania popular na mineração” ainda está em definição. É um processo, como diz Charles Trocate, outro pioneiro do MAM. Nas batalhas, o movimento vai aprendendo a lutar e a construir parcerias e alianças –inclusive com as prefeituras locais, como atesta a presença de dirigentes municipais no encontro (vídeo abaixo).

Conforme a situação encontrada, o movimento tem orientações específicas: resistência à implantação de projetos em novos territórios (o direito de dizer não à mineração), luta contra a expansão e pela superação da mineração onde a conjuntura permitir, e luta pelo controle social dos bens naturais minerários do país.

Nas campanhas e mobilizações, é notável a presença de jovens, também marcante no encontro em Parauapebas –mais da metade dos participantes aparentava ter menos de trinta anos. Apresentam cantos, danças, peças de teatro e deram o tom na agitação, animando as plenárias com a batucada do Levante Popular da Juventude (saiba mais no vídeo abaixo).

Apesar do entusiasmo, os dirigentes do movimento não perdem o pé no chão. Ainda que defendam a mobilização como principal forma de luta, afirmam que outros caminhos também são possíveis –às vezes, necessários. “Simplesmente dizer ‘não à mineração’ não abarca a complexidade dos setores com os quais o MAM dialoga”, diz Trocate. “Mas há lugares – como Parauapebas – onde não conseguimos evitar a mineração.”

Talvez por isso mesmo, o movimento também apresenta bandeiras de luta dentro dos marcos institucionais:  a luta pelo aumento do valor da CFEM  (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, ou royalties da mineração) e o fim da Lei Kandir, que  isenta de pagamento de ICMS produtos e serviços destinados à exportação.

Esses foram alguns dos itens apresentados na Carta de Carajás, o documento aprovado no encontro nacional do MAM, que teve a participação de mais de setecentas pessoas oriundas de dezesseis estados. Eis o texto.

Concentração para a marcha de encerramento do Encontra Nacional do MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração

CARTA DE CARAJÁS – POR SOBERANIA POPULAR NA MINERAÇÃO

Comprometidos com a luta pela transformação profunda da realidade a partir dos conflitos que a mineração impõe aos povos do mundo, cerca de mil pessoas, homens e mulheres – jovens, indígenas, ribeirinhos, quilombolas – de 16 estados brasileiros e organizações da Colômbia, Peru, África do Sul, Guatemala e Equador, participaram do I Encontro Nacional do MAM – Movimento pela Soberania Popular na Mineração, realizado na cidade de Parauapebas no Pará, nos dias 18 a 21 de maio de 2018.

A região de Carajás é um símbolo importante para os lutadores e as lutadoras do povo, marcada por grandes conflitos impostos pelo capital mineral, como resultado da falta de participação popular na elaboração, construção e implantação da legislação mineral para que o povo possa decidir os rumos da mineração no país.

Vivemos um momento delicado na conjuntura brasileira, num cenário de aprofundamento do golpe que teve como objetivo fragilizar as organizações de esquerda e populares; entregar os bens naturais, como os nossos minérios e acabar com os direitos sociais – garantidos com muita luta e resistência do povo. A prisão do Presidente Lula demonstra que a direita brasileira não aceita que a classe trabalhadora possa ter alguma melhora nas condições de vida e sua representação à frente do comando do país.

Por isso, nos comprometemos em:

1- Onde houver mineração, lutarmos pela não ampliação dos empreendimentos minerários; pelo pagamento, aumento e democratização da CFEM aos interesses populares e pelo fim da Lei Kandir.

2- Onde houver especulação para tomada dos territórios (indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, camponesas e ribeirinhas) pelas mineradoras, faremos o que for necessário para enfrentar esse modelo mineral que está colocado – seja cava, ferrovia, barragem de rejeito, mineroduto ou porto.

3- Denunciar e combater as práticas de evasão de divisas utilizadas pelas mineradoras nos paraísos fiscais.

4- Denunciar e combater as contaminações que são fruto da exploração mineral – da água, do solo e do povo que vive no entorno dos projetos.

5- Contribuir com os trabalhadores mineiros nas pautas relacionadas ao direito à saúde e segurança dos trabalhadores.

6- Contribuir na Construção da Frente Brasil Popular e do Congresso do Povo nos municípios em que estamos presentes.

7- Continuar a construção do feminismo enquanto princípio de uma nova sociedade, que luta pela libertação de homens e mulheres, no combate ao machismo e na violência contra as mulheres. Assim, como deliberado nas Assembleias de Homens e Mulheres ocorridas no I Encontro Nacional.

Sabemos que esses compromissos necessitam de muito esforço e unidade com diversos setores progressistas da sociedade para que sejam cumpridos e dessa forma apontar o programa de soberania popular na mineração. Somente dessa forma poderemos fazer com que o povo brasileiro possa colocar em cheque esse modelo predatório de sociedade e assim apontar a construção do Projeto Popular para o Brasil.

Por um país soberano e sério, contra o saque dos nossos minérios!

Parauapebas, 21 de maio de 2018.

Movimento pela Soberania Popular na Mineração