Os jornais noticiaram: Lênin era “espião alemão”, “agente do Kaiser”, “traidor” e tinha sido preso. Depois, fugira. Mais tarde, fora “assassinado em Petrogrado, durante uma rusga entre operários e soldados”. Em outro momento, tinha morrido na Suíça e havia um falso agitador atuando com o seu nome. Havia sido derrotado em fazer a revolução.

Naqueles meses de 1917, a imprensa, reproduzindo despachos internacionais, mentiu e manipulou informações em doses cavalares. É o que aponta o minucioso estudo de Luiz Alberto Moniz Bandeira na nova edição de “”O Ano Vermelho, a Revolução Russa e seus Reflexos no Brasil”.

O livro foi escrito originalmente há 50 anos, com as colaborações de Clóvis Melo e de Aristélio Andrade. Em 1967, Moniz Bandeira (1935-2017) tinha conseguido a revogação de sua prisão preventiva e buscava trabalho. A ideia da obra veio do editor Ênio Silveira, que corajosamente dirigia a Civilização Brasileira.

Empenhado na pesquisa, apesar dos embaraços da ditadura, Moniz foi procurar o historiador Nelson Werneck Sodré. O general de brigada foi cético: achava impossível reunir tantas informações dispersas em tão pouco tempo. Depois, no prefácio do livro, se diz surpreso com a riqueza dos dados compilados.

Com o passar do tempo, Moniz Bandeira se tornou um crítico da publicação. Em meados de 2017, quando preparava a nova edição, me disse que achava o livro confuso e mal feito, precisando uma revisão completíssima. Foi o que ele fez. Em relação ao trabalho de 50 anos atrás, a obra ganhou profundidade, contexto, novas fontes, uma organização mais didática e fácil de ler. De fato, é um novo volume, muito mais completo do que o antigo. “Quem diz que pensa e escreve como há 50 anos envelheceu, está obsoleto”, escreve o autor no prefácio desta quarta edição.

Moniz Bandeira alterna a narrativa dos fatos de 2017 no Brasil e na Rússia, fazendo conexões e também lançando pontes para a atualidade.

Assim, o que hoje muitos definem como “fake news” era coisa rotineira quando se tratava da revolução russa pela ótica dos jornais brasileiros. “As notícias da imprensa quase sempre refletiam posições de classes hegemônicas, seus interesses econômicos e/ou políticos e geopolíticos”, escreve o historiador.

Ele afirma: “Atrás da aparente objetividade, escondem-se fins de propaganda a incutir, nos leitores e na população em geral, a consciência falsa da realidade e do processo histórico, com o objetivo de manipular o volksgeist (espírito do povo). Fundem-se realidade e desejos. Confundem-se o fato e o boato”.

O livro faz uma ampla abordagem sobre a histórica greve de 1917 em São Paulo e de outros movimentos semelhantes que se espalharam pelo Brasil. Por todas as razões, é um obra atualíssima.