“Já foram trinta e sete assassinatos. Só na minha cidade, Barranquilla, de uma noite parta outra, sete desaparecimentos; no país, mais de oitenta. Mais de mil e quinhentas denúncias de violações de direitos humanos, onze violações sexuais comprovadas, cometidas por integrantes da força pública. Existe uma autorização do Estado para quem as Forças Armadas possam agir dessa maneira. Estão agindo impunemente.”
Esse é o balanço incompleto dos crimes das forças repressoras colombianas contra as manifestações populares que há duas semanas sacodem o país, conforme conta ao TUTAMÉIA Pietro Alarcón, da direção nacional da Unión Patriótica, partido oposicionista criado em 1984, depois do acordo de paz entre as FARC e o governo da Colômbia.
Professor na PUC de São Paulo e professor convidado na Universidad Libre do Atlântico, na Colômbia, Alarcón apresentou na entrevista um quadro das manifestações populares e dos atentados aos direitos humanos no país (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“O estopim foi a questão da reforma tributária, que prejudicaria ainda mais os trabalhadores. Mas também houve proposta aumento de impostos de valor agregado, o que significa aumento dos serviços: água, luz, telefone, internet, toda a parte referente à cesta básica, tudo isso aumentaria 19%. Mas a agenda do Comitê Nacional de Greve é muito mais ampla”, diz o professor.
O pano de fundo que dá origem às mobilizações é assim traçado por ele:
“Hoje, na Colômbia, há entre 14% e 15% de desempregados. Mais de seis milhões de pessoas na economia informal. E não há vacinas nem perspectivas de ter, porque o país está quebrado: quem tomou a primeira dose não vai tomar a segunda; quem não tomou não tem perspectivas. Isso gera uma situação insustentável. O governo não cumpriu os acordos de paz. Fez uma reforma tributária para beneficiar as corporações e o capital financeiro e quer agora repetir a dose. Há 5,4 milhões de desempregados, seis milhões de pessoas na economia informal. Não há vacinas. O quadro é extremamente complexo. O povo saiu indignado para uma luta completamente legítima. Mais do que legítima: necessária. É preciso forçar o governo a fazer uma reorientação do gasto público. É preciso retirar essa reforma tributária, é preciso criar novas possibilidades de obtenção de recursos –que não seja retirando dos trabalhadores, e é preciso gerar uma nova situação. Isso não se soluciona rapidamente porque o governo não tem proposta, ele precisa de tempo para conversar com o capital financeiro internacional, com as corporações, com o Banco Mundial, para ver até quanto ele pode ceder, a que ele pode se comprometer. O governo hoje não é dono, não tem autonomia suficiente. Sem capacidade de diálogo, sem capacidade de negociação, sem autonomia para negociar, porque depende do que digam as agências internacionais, o governo escolheu a opção mais irresponsável e condenável, que foi utilizar as Forças Armadas e a Polícia Nacional para conter o legítimo protesto popular.”
Ações que acabaram por gerar revolta ainda maior:
“A mobilização popular na Colômbia é uma mobilização que surge entre o espontaneísmo, a necessidade, o aumento da subjetividade e as organizações de base. É uma mistura de vários elementos. Há muito de indignação. Há muito de espontaneidade. Há organizações que já vêm trabalhando, bairro por bairro, e dizem que é preciso fazer alguma coisa. E há também o Comitê Nacional de Greve.”
Os povos originários também se somam ao movimento: “Os indígenas não tinham se mobilizado. Decidiram neste último sábado. São 127 autoridades indígenas. Eles formam sua passeata, que vai pelos campos, trocam seus instrumentos de trabalho no campo por bastões. Montam a guarda indígena, que são pessoas que integram uma instituição para cuidar da segurança dessas passeatas e avançam até Bogotá, para apresentar suas reivindicações”.
Alarcón destaca ainda a denúncia internacional da ação do governo colombiano: “Há um protesto internacional. Há nove milhões de colombianos fora do país. É uma nação. Saíram em Atenas, em Dubai, na Austrália, em Paris, em Barcelona, em Roma, em Madri, no México, ontem aqui em São Paulo, em Buenos Aires. Essa é uma questão com a qual o governo nunca tinha se deparado: há uma comoção internacional, dizendo isso não pode acontecer. Tem a União Europeia, tem declaração da OEA, tem declaração do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos”.
Os grupos oposicionistas pretendem ampliar esse processo. O dirigente da Unión Patriótica conta que está sendo esperada a chegada a Bogotá de uma missão da Comissão interamericana de Direitos Humanos, que vai investigar as denúncias de assassinatos, desaparecimentos e outros atentados contra os direitos humanos cometidos pelo governo ou com apoio e incentivo do governo. Isso também deve ser um dos elementos para embasar processo que as oposições pretendem apresentar ao Tribunal Internacional de Direitos Humanos.
Enquanto isso, a mobilização no país não para. Depois que o governo afirmou que não quer conversa com o povo, novas marchas foram convocadas para esta quarta-feira, 12.5. O objetivo imediato é abrir negociação ao mesmo tempo em que buscam ampliar o apoio recebido (veja ao final panfleto distribuído pelas organizações oposicionistas).
Além disso, as forças democráticas estão atentas ao calendário eleitoral: está prevista para março próximo a realização de eleições presidenciais. Pensando nelas e na articulação política dos vários grupos antiuribistas (Álvaro Uribe, ex-presidente do país, é apontado como a eminência por trás do poder, mentor do atual presidente, Ivan Duque), foi formado há cerca de dois meses o Pacto Histórico, espécie de frente que reúne o movimento Colômbia Humana, o partido Unión Patriótica e o Polo Democrático Alternativo, PDA. A esse núcleo, diz Alarcón, vêm se somando outros grupos, como a Aliança Social Independente, setores do movimento popular, desprendimentos do Partido Liberal.
“Estamos trabalhando para tentar ir aglutinando forças. Nós precisamos mostrar que esse esforço do Pacto Histórico é uma opção de poder e que é possível uma vitória eleitoral. Se nós mantivermos a vigilância política, o controle republicano, se conseguimos ampliar o cenário de democracia deliberativa, participativa, é possível concretizar os acordos de paz e concretizar muitas das questões que colocadas pelos setores sociais”, conclui ele.
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