“Temos que ter duas frentes, uma mais ampla que a outra: a frente pela vida e pela democracia, que vai da esquerda até a centro direita, e uma frente progressistas, que quer uma democracia aprofundada, com maior justiça social, solidariedade, com maior participação do estado na economia para evitar esse poder absurdo do capital financeiro absurdo, para evitar que os interesses do lucro predominem sobre interesses do ser humano. A gente tem que ser capaz de articular essas duas frentes”.
A visão é de Celso Amorim em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV). Ministro das relações exteriores, com Lula, e da defesa, com Dilma, ele avalia o papel dos militares no governo Bolsonaro. Para ele, a chegada do general Braga Netto à Casa Civil, vindo do posto de chefe do estado maior do Exército, deu a leitura de que havia uma tentativa de limitar ou tutelar o governo. Mas, no último domingo, com o discurso de Bolsonaro em Brasília em manifestação pró AI-5, houve um fato novo:
“Acho que eles devem ter percebido que eles se meteram numa arapuca. Porque o Bolsonaro é intutelável. Isso chegou ao paroxismo agora. Não acho que eles venham a tirar o Bolsonaro. Não haverá golpe; Bolsonaro também não vai cair. Vai haver uma tentativa de, seja pelo Congresso, seja pelo Supremo, seja pelas Forças Armadas, de limitá-lo, de limitar as loucuras. Ao mesmo tempo, ele vai usar essas tentativas de limitação com o eleitorado básico dele para dizer: Eu queria fazer, e eles não me deixaram”, diz Amorim.
Na análise do ex-ministro, a oposição “deveria se concentrar menos no Bolsonaro e mais no bolsonarismo e no Guedes. Na área econômica as maldades continuam sendo encaminhadas. O antipetismo, o antiprogressismo está cedendo aos poucos, pelas bordas. É preciso se concentrar muito nas questões concretas. E apoiar governadores que estão tomando medidas certas”. Amorim elogia a iniciativa do consórcio de governadores do Nordeste, que criou um comitê de assessoramento científico com a coordenação do ex-ministro Sérgio Rezende e do premiado cientista Miguel Nicolelis.


Ao TUTAMÉIA, Amorim fez uma análise da situação internacional em tempos de pandemia.
“Mudanças vão ocorrer e vai se criar um novo panorama internacional. As forças conservadoras vão querer fazer mudancinhas só cosméticas, mas vai haver uma mudança bastante profunda dos organismos internacionais. O comércio e a finança não poderão mais ser encarados de forma separada de outras questões, sobretudo as sociais. A influência da China nessa reordenação vai ser muito maior. O jogo de forças vai ser outro porque a presença da China vai ser muito forte”. E acrescenta:
“O coronavirus não vai mudar tudo, mas ele vai acelerar tendências que já existiam. Uma delas é a ultrapassagem dos EUA pela China. A capacidade de reação econômica da China foi muito melhor. Os chineses também estão buscando aproveitar as possibilidades de cooperação, demonstrando ter uma ação mais cooperativa. Os EUA perdem poder de atração. Acho errado dizer que a União Europeia acabou. A União Europeia vai passar por um período difícil, mas vai se recompor”.
Sempre enfatizando que a situação é muito volátil e avessa a prognósticos definitivos, o diplomata afirma que os efeitos políticos da pandemia que pode provocar profundas perturbações sociais devem variar de país a país, podendo pender para democracias ou autoritarismos. Mas arrisca uma possibilidade maior:
“Tendencialmente, vai haver um reforço da democracia. Porque haverá uma demanda de participação. Há um desgosto em relação ao capital financeiro. Vai se acentuar uma reação, que já existia, contra a globalização desenfreada”.