“O que a gente tem que fazer é fazer os militares pensarem o que o Brasil merece, como um país que pode ter um lugar no mundo, meu deus do céu! Que não é um lugar de ser uma subpotência narco-agrária. Não tem condição. É muito pouco para as nossas possibilidades ter esse tipo de pretensão no mundo. Isso demandaria tantas ações em tantos lugares e interlocuções que eu não estou conseguindo vislumbrar. Rezo para estar enganado todo o santo dia e que apareça, de repente, a tal ala nacionalista dos militares, que até agora não encontrei”.
É o que diz ao TUTAMÉIA o antropólogo Piero Leirner, em entrevista em que trata da relação das Forças Armadas com Bolsonaro e com Lula, dos planos de poder do grupo e de suas conexões com os Estados Unidos. Fala das ligações de militares com o Judiciário, a mídia e grupos econômicos (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Professor Titular de Antropologia do Departamento de Ciências Sociais da UFSCAR, pesquisador do CNPQ e autor, entre outros, de “O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida” (Alameda, 2020), Leirner prevê uma relação difícil entre os militares e um eventual governo Lula em 2023.
“Os militares vão estar com o projeto deles na cabeça. Acho que isso não vai ser desmontado. Não vai ter como mexer em toda a rede que está sendo montada no sistema de controle do Estado e na mediação dele com o capital. Não estou vendo o Lula lançar argumentos nesse sentido. A ideia dos militares é não distinguir a defesa interna da externa. Vejo uma relação que vai ser muito difícil, sobretudo em aparar tanta casca ideológica que foi colocada há tantos anos”, diz.
Segundo ele, “a saída de negociação à brasileira aponta para uma linha de continuidade. A gente pode se livrar desse estorvo momentaneamente, mas o que garante que daqui a cinco anos não volte outro? Se é que a gente vai se livrar. Óbvio que não dá para cair no discurso que às vezes você vê um pedaço da esquerda enunciando, de que tem que acabar com as Forças Armadas. Esse é o pior dos cenários. Não tem condição nenhuma de se pensar um negócio desses”
PENTÁGONO TABAJARA
Para o antropólogo, os militares montaram uma “central de comando, controle e inteligência” ao longo dos anos. Ele conta o que ouviu deles em suas pesquisas:
“Em 1992, eles falavam: ‘O Brasil não tem uma elite que conduza o país. Só nós temos competência e conseguimos ligar esse arquipélago de elites que está disperso entre vários interesses. Só que nossa era de protagonismo assumindo cargos políticos acabou. Então a gente precisa montar um projeto nacional, fazendo o papel de articulador dessas diferentes elites”.
Ele segue:
“Era o protoplasma da ideia de que eles vão ser os articuladores de elites, que vão agir terceirizadas em relação a um projeto que eles pretendiam implantar. Essa ideia sempre esteve na cabeça deles. O problema foi a janela de oportunidade para eles entrarem com um projeto mais efetivo. É um projeto de refundação de Estado, não é só de governo”, ressalta.
Na análise de Leirner, a presença de militares no TSE e em outras instâncias é uma espécie de tira-gosto, de uma “estrutura que tem como modelo uma espécie de Pentágono. Aqui seria um pentágono tabajara, de formação de um estado profundo, que, independente do governo, vai estar sempre direcionando as ações do Estado. Isso implica em ter precedência, por exemplo, no ministério das Relações Exteriores, sobre setores da economia”.
REINICIALIZAÇÃO DO ESTADO
Falando sobre o governo Bolsonaro, ele observa: “Vimos não só a consolidação de um Brasil agrário, mas o salto substancial no setor chamado base industrial de defesa, que já representa 4,7% do PIB. Essa base industrial de defesa é um conjunto de empresas que antes estava na mão da Odebrecht e de outras grandes empresas de engenharia nacional. Essa foi uma operação econômica também de reestruturação de um setor que era muito importante”.
Sem arriscar prognósticos para este ano eleitoral, Leirner ressalta a ação dos militares em diferentes esferas.
“Essa narrativa de golpe sendo enunciada pelo Bolsonaro é justamente parte de um metaprocesso, de um conjunto de operações psicológicas que envolvem a ideia de que Bolsonaro é incontrolável e que ele subordina os militares, e não vice-versa”.
Ele segue:
“Nessa operação de reinicialização do Estado está a ideia de que eles precisam apagar o registro de que eles foram os mandantes desse processo, os coordenadores. Vão fazer isso o tempo inteiro”.
Assim, avalia o antropólogo, se insere o fato de Bolsonaro “escalar a narrativa de golpe”, o que ocorre desde 2019. Nesse quadro, em certos momentos, os militares são tomados por personagens que são levados a reboque; em outros, “como os únicos que vão poder conter esse processo”.
Diz Leirner:
“A gente está se tornando refém dessa situação. Bolsonaro é um homem-bomba feito para acionar os bombeiros que vão apagar esse incêndio”.
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