Paulo Sérgio Pinheiro, Fábio Konder Comparato, Maria Victória Benevides e André Singer são alguns dos intelectuais e acadêmicos que assinam manifesto de protesto contra a condução coercitiva do reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Jaime Arturo Ramírez, e da vice-reitora, Sandra Regina Goulart Almeida, pela Polícia Federal no âmbito da operação “Esperança Equilibrista”. A presidenta eleita Dilma Rousseff e seu ministro da Defesa, Celso Amorim, também divulgaram textos denunciando o ataque à universidade.

A operação investiga suposto desvio de recursos destinados à construção e implantação do Memorial da Anistia Política do Brasil, financiado pelo Ministério da Justiça e executado pela UFMG.

Além do reitor e da vice-reitora, o presidente da Fundação de Desenvolvimento e Pesquisa (Fundep), Alfredo Gontijo de Oliveira, também foi conduzido coercitivamente. A Polícia Federal não esclareceu o motivo das conduções coercitivas ou os indícios de eventual participação dos dirigentes da universidade no caso.

A comunidade acadêmica da Minas se reuniu na tarde desta quarta-feira em frente ao prédio da reitoria da UFMG para manifestar solidariedade aos professores atacados.

Já então liberado, o próprio reitor participou do ato (foto do alto, ao lado da vice-reitora – Divulgação). “A UFMG nunca se curvou e nunca se curvará ao arbítrio. Vamos resistir sempre”, disse Jaime Ramírez, que agradeceu o apoio da comunidade universitária e de diversas entidades –como os sindicatos de servidores e diretórios estudantis.

Ana Lúcia Gazzolla, reitora na gestão 2002-2006, mencionou nota assinada por ex-reitores e vice-reitores em “repúdio à brutalidade cometida contra representantes da UFMG” e lembrou a postura de dirigentes que resistiram à ditadura militar, nas décadas de 1960 e 70. “A UFMG e seus dirigentes são nosso patrimônio. Qualquer ataque a seus dirigentes é um ataque à Universidade, e contra isso estaremos juntos. Tenho certeza de que a UFMG vai responder a essa ação com altivez e serenidade, agindo com relação à Justiça com o respeito que não tiveram conosco hoje”, afirmou.

Manifestação na UFMG em solidariedade aos professores violentados pela Polícia Federal – fotos Divulgação

 

A nota divulgada por Dilma é a seguinte:

“A Polícia Federal deflagrou nesta quarta-feira, 6, mais uma operação espalhafatosa, dessa vez para apurar suspeitas sobre o Memorial da Anistia, obra da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) feita com recursos do governo federal.

Batizada perversamente de “Esperança equilibrista” – uma referência traiçoeira à imortal obra de Aldir Blanc e João Bosco que é simboliza o Hino da Anistia – a operação da PF é uma bofetada nos anistiados e um desrespeito à memória dos torturados e dos que tombaram na luta contra a ditadura.

Isso ocorre meses depois da infundada operação desencadeada na Universidade Federal de Santa Catarina que provocou o suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier.

Novamente, de maneira injustificada, extrapola-se o limite do bom-senso e monta-se uma operação policial que joga para a plateia, ao envolver mais de 80 policiais para fazer conduções coercitivas.

É lamentável que a sombra do Estado de Exceção continue a se projetar sobre as instituições brasileiras”.

 

O ex-ministro da Defesa, Celso Amorim escreveu a seu amigo Clelio Campolina, reitor da UFMG na gestão 2010-2014:

“Receba minha total solidariedade em relação à ação truculenta desencadeada hoje contra você e outros dirigentes e professores da UFMG. Como Ministro da Defesa, encarregado da segurança por ocasião da Copa das Confederações, em 2013, pude apreciar a firmeza de sua atitude democrática, que contribuiu decisivamente para o desfecho positivo e pacífico de uma situação complexa, que poderia ter caminhado para um perigoso e desnecessário confronto. Mais tarde, testemunhei a maneira sensata e equilibrada como você, já ministro da ciência e tecnologia, conduziu assuntos delicados como o acordo espacial com a Ucrânia. Intelectualmente, muito ganhei com nosso convívio e foi com alegria que recentemente compartilhei com você uma mesa de debate sobre o futuro do Brasil na grande instituição que você tão bem dirigiu. Por tudo isso e pelo alto conceito dos seus colegas igualmente atingidos por essa ação intempestiva, fiquei muito chocado ao tomar conhecimento da condução coercitiva a que foram submetidos, totalmente injusta e descabida.”

O texto dos intelectuais é o seguinte:

MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL

Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de 2017.

O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal tem se tornado rotina no país.

Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.

É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.

Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.

A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.

Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.

Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.

Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.

 

Assinam:

Paulo Sérgio Pinheiro (ex-ministro da secretaria de estado de direitos humanos)

Boaventura de Sousa Santos (professor catedrático da Universidade de Coimbra)

André Singer (professor titular de ciência política usp e ex-secretário de imprensa da presidência)

Ennio Candotti  ex-presidente e presidente de honra da SBPC)

Newton Bignotto (professor do Departamento de Filosofia da UFMG)

Leonardo Avritzer (ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)

Fabiano Guilherme dos Santos (presidente da ANPOCS)

Maria Victória Benevides (professora titular da Faculdade de Educação da USP)

Roberto Schwarz (professor titular de Literatura da Unicamp)

Renato Perissinoto (presidente Associação Brasileira de Ciência Política)

Fábio Wanderley Reis. (Professor Emérito da UFMG)

Cícero Araújo (Professor do Departamento de Ciência Política da USP)

Sérgio Cardoso (Professor do Departamento de Filosofia da USP)

Marilena de Souza Chauí (Professora titular do Departamento de Filosofia da USP)

Fábio Konder Comparato (Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP)

Ângela Alonso (professora do Departamento de Sociologia da USP)

Juarez Guimarães (professor do Departamento de Ciência Política da UFMG)

Michel Löwy (Pesquisador do CNRS, França)

Adauto Novaes (Arte e Pensamento)

Maria Rita Kehl (psicanalista)

Thomás Bustamante (Professor da Faculdade de Direito da UFMG)

Lilia Moritz Schwarcz (Professora do Departamento de Antropologia da USP)

Gabriel Cohn (ex-diretor da Faculdade de Filosofia da USP)

Marcelo Cattoni (professor da Faculdade de Direito da UFMG)

Amélia Cohn (professora do Departamento de  Medicina Preventiva da USP)

Dulce Pandolfi (Historiadores pela Democracia)

Oscar Vilhena Vieira (Diretor e professor a Faculdade de Direito da FGV-SP)