“O governo federal demonstra um desprezo total pela população brasileira. É um retrocesso bárbaro em termos de direitos. É uma política de agressão a direitos e às conquistas da Constituição de 1988. É um desastre, pais e mães de família estão morrendo nas favelas.  Não houve conjuntura igual a essa que estamos vivendo nos 30 anos de democracia”. As palavras são de Paulo Sérgio Pinheiro ao TUTAMÉIA. Secretário de Direitos Humanos no governo FHC e integrante da Comissão da Verdade instaurada pelo governo Dilma, ele é relator da ONU e um dos fundadores da Comissão Arns.

Nesta entrevista, ele trata das violações de direitos no Brasil, fala dos riscos de genocídio para os povos indígenas, aponta o descalabro nas prisões durante a pandemia e condena o novo avanço ilegal israelense sobre os palestinos. “A anexação será um desastre vai aprofundar mais as violações de direitos humanos e enterrar a negociação por dois estados”, declara (veja a íntegra no link acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Na visão de Pinheiro, a pandemia do Covid 19 “desvendou a pandemia da pobreza e da desigualdade. Nunca foram tão claras as evidências do que é a concentração de renda no Brasil, a desigualdade, o acesso à água, a esgoto. É uma revelação total e em cores plenas da situação terrível da maioria da população. Esse governo federal tem uma responsabilidade imensa a respeito disso. É uma responsabilidade extraordinária. Temer também tem responsabilidade pelo congelamento das despesas, que quase levou à desmontagem do SUS”.

Na área de direitos humanos é uma situação inédita, avalia o diplomata. “Todos os presidentes [após a ditadura militar], desde Sarney até Dilma, cada um deu sua contribuição”. Ele lembra que Sarney, em 1985, assinou a Convenção contra a Tortura, sendo um dos primeiros países a aderir ao acordo. Também assinou o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que a ditadura tinha se recusado a assinar. Pinheiro destaca que, nos 30 anos da redemocratização, o Brasil construiu uma reputação de negociador confiável, reconhecendo as violações de direitos humanos.

“Nunca fomos negacionistas. Fico deprimidíssimo. O Brasil está perdendo esse poder leve, esse soft power, isso que foi construído a duras penas. Collor, em discurso, afirmou que a soberania não pode ser um escudo para as violações de direitos humanos. É isso que esse governo está invocando. Estamos enterrando o que nós construímos governos democráticos, de Sarney a Dilma, na política externa e de direitos humanos”.

Pinheiro fala da sequência de ataques aos indígenas promovida pelo governo, das queimadas, dos desmatamentos, das ações dos garimpos. Relata a iniciativa da Comissão Arns junto ao Tribunal Penal Internacional apontando atos de Bolsonaro que podem “induzir ao genocídio”.

Em relação a uma aparição recente de Bolsonaro, desabafa: “Eu gostaria que eu tivesse morrido antes do que ver essa cena de um presidente da República como se fosse o Jim Jones, carregando, como se fosse um benzedor, uma caixinha de cloroquina. Coisa horrorosa! É uma demonstração de desprezo total por esses mortos, por esses dois milhões de infectados. É uma instalação kitsch de desrespeito à vida dos brasileiros. Se estávamos numa enrascada política, a pior possível em termos de direito à vida e à saúde, nós temos uma enrascada que vai ter consequências horríveis por anos que virão”.

Na conversa, ele comenta a hipótese de formação de uma comissão da verdade sobre os crimes do governo praticados durante a pandemia. Segundo Pinheiro, no cenário pós-pandemia não haverá um “hino de solidariedade entre as classes. Os mais pobres vão sair da crise muito mais lesados. O governo só pensa no andar de cima, na camada mais alta, no Café Society, na elite branca”.

Ao TUTAMÉIA, Pinheiro fala dos direitos humanos pelo mundo, das manifestações por direitos civis e contra o racismo nos EUA e da questão Palestina. O governo israelense anunciou novo movimento para a anexação ilegal de parcela da Cisjordânia. Para o diplomata, a situação é um apartheid em pleno século 21, com um acúmulo de violações a direitos humanos.

Os palestinos sofrem ataques de colonos, são vítimas de confisco de recursos naturais, têm sua mão de obra explorada, sofrem sem liberdade de expressão. E nas prisões militares israelense há crianças! Atualmente, ele diz que três crianças estão em solitária em Israel e há centenas de crianças presas em detenções militares.

E, no Brasil, ele enfatiza, há um “silêncio extraordinário” em torno da ocupação ilegal que já dura 53 anos e segue se ampliando. Todo o dia há protestos em Israel contra as políticas do governo e não se vê nada sobre isso no Brasil, anota o diplomata.