Os golpistas promovem um ataque ao Brasil. Há uma destruição da democracia, das bases econômicas e da própria vida da população: o aumento da mortalidade infantil é exemplo e prova disso. A velocidade da deterioração do país é semelhante à que acontece numa guerra. Para enfrentar esse processo, é preciso construir uma frente pela reconquista da democracia, que passa por garantir o direito do presidente Lula de participar nas eleições.

Esse é o retrato do país em que vivemos hoje, segundo o quadro pintado pela jornalista Eleonora de Lucena, copresidente de TUTAMÉIA, na abertura do “Fórum Nacional: por um projeto para as cidades do Brasil”, na manhã desta quarta-feira em São Paulo.

Organizado pelo BR Cidades, o encontro busca “avançar no diagnóstico sobre as contradições urbanas recentes, mas também apontar possibilidades, abrir pautas para um novo ciclo de democratização das cidades e retomar o protagonismo dessas na cena política brasileira”.

A seguir, a fala de Eleonora, que integra o grupo que organizou o Projeto Brasil Nação (o vídeo está no alto da página).

Laura Carvalho, João Pedro Stedile, Tainá de Paula, Ermínia Maricato, Eleonora de Lucena e Márcio Pochmann

LULA É O EMBLEMA DA DEFESA DA DEMOCRACIA

Trago aqui reflexões que fizemos no âmbito do Projeto Brasil Nação, que se trata de um grupo de pessoas que resolveu se reunir, em dezembro de 2016, aflitos, angustiados, perplexos com o que estava acontecendo no Brasil.

E o que estava acontecendo no Brasil era um ataque. Estamos sob um ataque.

Essa crise pega as bases da nação brasileira. É um momento sem precedentes na história brasileira.

Está inserido no contexto maior, da crise internacional capitalista, que teve sua face evidenciada em 2008, há dez anos. E há dez anos estamos vivendo estamos vivendo essa crise, que coloca em xeque a própria hegemonia norte-americana no controle do capitalismo mundial.

O que acontece em 2008 é que os Estados Unidos não conseguem administrar essa crise da acumulação capitalista e por isso fazem uma brutal socialização de prejuízos, nunca dantes vista na face da terra. A transferência de dinheiro para o mercado financeiro foi imensa.

Isso acontece num momento em que a China avança e, com um projeto nacional, ela se coloca,  a partir da crise de 2008, de forma mais clara, em uma posição de tentar superar uma certa simbiose que existia entre o capitalismo norte-americano e a China.

Vamos lembrar que, em 1980, China e Brasil estava praticamente pau a pau. E olha o que a China construiu desde lá. Então a China começa a ganhar esse espaço.

Há o renascimento da Rússia que, na geopolítica mundial, tem um peso importante.

São dois projetos nacionais importantes que, de certa maneira, relativizam a hegemonia total norte-americana que vigora desde a Queda do Muro de Berlim.

Temos os BRICS, que refletem um pouco essa ascensão chinesa e essa ascensão russa, onde entra o Brasil, onde entra a Índia –é uma articulação que certamente vai de encontro aos interesses norte-americanos.

Ao mesmo tempo, tem naquele mesmo período, pouco antes da crise de 2008, a descoberta do pré-sal. Hoje um analista estrangeiro da área do petróleo dizia que a fronteira de fornecimento de petróleo no mundo está nas Américas. E demonstrava muito preocupação com a eleição no México, onde vai ter um candidato de oposição que anuncia que pretende rever os acertos com as petroleiras norte-americanas e europeias.

E o Brasil, evidentemente. Não é à toa que, logo depois do golpe, uma das primeiras medidas é a questão da venda da Petrobras.

Antes há indícios de que esse ataque está vindo: as escutas na Petrobras, aquele roubo dos computadores com os mapas do pré-sal…

Havia um integração sul-americana inédita. O Brasil vinha fazendo reuniões com os países sul-americanos sem a presença dos Estados Unidos –coisa que não tinha acontecido ainda na história das Américas. Nunca antes na história das Américas os países tinham feito reuniões sem a presença norte-americana.

O Brasil sistematicamente estava votando contra os interesses norte-americanos nas Nações Unidas, fazendo articulações fora da órbita de Washington e desenvolvendo políticas –sobre as quais há críticas de vários matizes—de inclusão social. Por exemplo, o projeto Ciência Sem Fronteiras levou cem mil jovens para o mundo.

E havia um investimento em pesquisa. O cientista Miguel Nicolelis deu um dado que eu não tinha percebido: o orçamento da Finep, em algum momento na década de 200, no governo Lula, chegou a ser superior ao da Darpa, que é a agência norte-americana de desenvolvimento militar, tecnológico e científico, onde foi criada a internet. Ou seja: chegamos a ter, aqui no Brasil investimento científico que se ombreou a esse investimento norte-americano.

Vem o golpe em 2016.

“Que golpe é esse?”, pergunta o Levante.

Com o golpe, se instaura um governo antinacional, antipopular, ilegítimo. O golpe acontece num quadro que começa a mudar também no mundo. Quem ganha as eleições nos Estados Unidos é o Donald Trump, o que deixa os organizadores do golpe no Brasil desorganizados, um pouco sem sentido, como mostram as trapalhadas que aconteceram.

Mas os golpistas têm uma pauta muito bem definida, com três pilares:

destruição da democracia brasileira, que é o que nós estamos vendo aqui. As instituições brasileiras estão esfareladas, para dizer pouco, e todos os dias temos demonstração disso. Em todas as esferas, estamos enfrentando um processo de destruição da democracia;
destruição das bases do desenvolvimento brasileiro construídas no século 20. Estamos vendo a destruição da Petrobras. Essa venda de ativos, todo esse projeto de destruição está de fato acabando com a força da Petrobras. Temos agora a proposta de venda da Eletrobrás, o que é gravíssimo, porque afeta não só o sistema elétrico como também todo o sistema de gerenciamento de água no país; é um golpe contra a soberania do país. A própria venda da Embraer –por mais que hoje esteja em mãos privadas, ela significa uma base importante de desenvolvimento científico, de engenharia. Já foi dito que a venda da Embraer vai significar um baque fundamental contra a indústria brasileira.
Ataque à sociedade. Não preciso falar aqui de todas as medidas regressivas que estão acontecendo, em todas as áreas, é uma lista infindável. Vi esses dias um dado que me chocou tremendamente: a mortalidade infantil voltou a crescer no Brasil. É uma coisa inacreditável, um efeito dessa magnitude na vida dos brasileiros. A mortalidade infantil cresceu 11%, dado de 2016, e as previsões eram de que iria aumentar mais em 2017. Havia uma curva de queda constante na mortalidade infantil por conta de programas sociais, emprego, melhoria de renda, tudo isso que interfere na vida e na saúde das pessoas. Aumentou a desnutrição no Brasil, aumentou o uso de lenha nas casas –1,2 milhão de lares passaram a usar lenha porque as famílias não conseguem comprar gás. Abandono da faculdade pelos mais pobres. E aumento da violência, a intervenção no Rio, a morte da Marielle, isso tudo está nesse quadro de degradação acelerada (na foto no destaque, na primeira página, deputados do PSOL abrem faixa cobrando resultados na investigação da morte da vereadora Marielle Franco – foto Wilson Dias/ AG Brasil).
É um ataque à nação brasileira. Visa destruir as bases do Estado brasileiro, as bases nacionais.

O objetivo é transferir para o rentismo a renda do país, retroceder o Brasil a uma situação de colônia, com o retrocesso na base econômica mesmo, redução da indústria e aumento da base agrícola, uma privatização do Estado, concentração e um quadro que só acelera as diferenças sociais, o fosso social que a gente já conhece muito bem. Mas a velocidade de deterioração parece que estamos em uma guerra. E de fato estamos sob ataques, vivemos um período como se fosse um período de guerra.

Tem reação. Houve a greve geral, greves estão pipocando aí –amanhã mesmo os professores das escolas privadas vão parar.

E, apesar de tudo o que foi feito, os golpistas não têm alternativa eleitoral.

Como eles estão minando as bases da democracia, a gente sempre fica preocupado com o que vai acontecer com o processo eleitoral. Por isso, o Projeto Brasil Nação, em setembro do ano passado, lançou um manifesto falando de nossa preocupação de que as eleições não fossem, de fato, irrestritas, com a participação de todos.

A prisão do presidente Lula mostra que, se ele não puder concorrer, as eleições estão comprometidas. Por isso também o Projeto Brasil Nação fez uma carta de solidariedade ao presidente Lula, condenando a prisão e denunciando o processo fraudulento que ocorreu no Judiciário. Dizia o manifesto que defender hoje a liberdade e a candidatura do presidente Lula não tem a ver com o PT, não tem a ver com nenhuma posição política, mas sim tem a ver com a defesa da democracia. Hoje o presidente Lula é o emblema da defesa da democracia. Votando nele ou não votando, a recuperação da democracia passa pela liberdade de Lula, que ele possa concorrer.

Defendemos também, para isso, a urgência de uma frente democrática antifascista. Estamos vivendo hoje um crescente movimento  –no futuro os historiadores terão de ver as origens do financiamento disso, algumas estão bem claras. Existe, na sociedade, um preocupante movimento fascista acontecendo.

Por isso, urge discutir a formação dessa frente, que passa pela realização de eleições irrestritas, com a participação de todos, especialmente o presidente Lula.

O Projeto Brasil Nação não chegou a discutir sobre as cidades. Discutimos questões mais genéricas, não houve um debate específico sobre cidades.

Este encontro vai ter oportunidade de debater esse tema, e eu gostaria de colocar três pontos: a) defesa do espaço público –estamos vivendo uma privatização crescente de tudo, inclusive do espaço público das cidades–, b) investimentos e criação de uma infraestrutura de mobilidade e c) a questão da propriedade, que acho que é o cerne desse debate; a função social da propriedade, que precisa de uma vez por todas ser encarada.

É nas cidades onde tudo o que a gente está discutindo aqui está concentrado, elas são o palco desse embate.

Estamos em um momento decisivo da história do Brasil, num golpe e numa crise que não tem precedentes, o que exige dos democratas de todos os matizes uma unidade que a gente não teve ainda, para que a gente reconquiste a democracia no Brasil.

Lula livre!