Até o Natal deve sair o primeiro tomo do livro que Fernando Morais está escrevendo sobre Lula. A obra começa na prisão do ex-presidente em 2018 e faz um recuo histórico até 1980,  na ditadura militar, quando o então líder sindical do ABC foi para a cadeia com outras lideranças grevistas. Trará histórias inéditas, avaliações e bastidores políticos colhidos pelo jornalista em diferentes momentos da trajetória de Lula.
Na entrevista ao TUTAMÉIA que você pode acompanhar no vídeo acima, Fernando Morais conta mais detalhes sobre a produção do livro. Autor de “A Ilha” (1976), “Olga” (1985) e “Chatô” (1994), entre outros, Morais atuou em jornais e revistas, recebeu diversos prêmios como jornalista, foi deputado estadual, secretário da Cultura e da Educação do Estado de São Paulo. Hoje, faz o blog “Nocaute” e está mergulhado na elaboração do livro. Espera aprontar o segundo tomo em meados do ano que vem.
Desde agosto de 2011 Morais colhe depoimentos de Lula. Até a prisão do ex-presidente, em abril do ano passado, esteve com ele em viagens, palestras, encontros políticos –“um privilégio, uma maravilha. O livro vai se encontrar com a história de hoje”, diz o escritor.
Morais fala do golpe, das mudanças tectônicas na política nacional e internacional, do papel da mídia –e do impacto de tudo isso em Lula. “Esse processo todo, vagarosamente, foi produzindo uma conversão do Lula a temas, questões que ele talvez antes achasse que fossem bandeiras de gente que estava muito à esquerda dele, que fossem um pouco exageradas.”
E faz uma avaliação:
“O período que vai do início do golpe contra a Dilma até a prisão dele acabou produzindo um amadurecimento político no Lula que provavelmente ele não tenha tido nas décadas anteriores como presidente da República ou como líder sindical, ativista político. Estou convencido disso. Foi uma coisa homeopática; tem um dia que ele deu uma sacudida”.

Lula durante entrevista ao TUTAMÉIA e ao DCM na sede da PF em Curitiba, em junho último – Foto Rodolfo Lucena

Para Morais, a mídia é inimiga de classe de Lula. “Lula custou para se convencer [disso] e aprendeu vendo com os olhos dele o poder que essa gente tem para de fato governar o Brasil”.
E afirma: “O governo Lula começou a tocar nessa ferida. Sentiu na carne que estava com os olhos sendo comido pelos corvos que ele havia alimentado (cria cuervos, que ellos te comerán los ojos), que foram eles que derrubaram a Dilma, que foram eles que botaram o Lula na cadeia. Ele hoje sabe disso. Não eles sozinhos, mas foram o esteio do golpe. “Veja” deu setenta capas contra o Lula. Lula fez as contas das horas que JN deu de pau nele. Lula se deu conta e tem falado nisso, com absoluta clareza, mesmo antes de ter sido preso. Eu sei o dia –e vou contar no livro—que ele percebeu que os grandes veículos de comunicação eram inimigos deles. Eu estava do lado dele, e percebi. Sei que dia que foi, e o que foi a gota d’água. Vou contar no livro”.

Do convívio com Lula, às vezes por muitas horas, especialmente em viagens, Morais lembra que “falava coisas que vinham a cabeça, às vezes batia boca com ele. Eu abusei de um privilégio que é seguinte: não sou filiado ao PT, a partido nenhum”.
Na entrevista ao TUTAMÉIA, Morais traça um diagnóstico da mídia, que, na sua visão, faz um jornalismo “pedestre, vagabundo”. “Tudo caminha contra eles, a começar por eles próprios, que fizeram, ao longo desse tempo, mau jornalismo, perderam a credibilidade, e aí vem a internet e passa por cima deles que nem um trator. A divulgação do “The Intercept” gerou uma crise de credibilidade para os jornalões, porque o que eles estavam afirmando ao longo desse tempo todo –que era um processo correto, que era isso, que era aquilo—está sendo desmentido agora pela internet”.
Cuba, Venezuela, Irã, América Latina são outros temas da conversa com Morais, que nos deu a entrevista no dia em que completou 73 anos –a segunda-feira, 22 de julho. Tratou também de suas experiências em redações, da morte de Vladimir Herzog, das perseguições no tempo da ditadura. Contou como concebeu “A Ilha” –seu icônico livro sobre Cuba na década de 1970– e falou sobre o filme “WASP Network”, baseado em seu livro “Os últimos soldados da Guerra Fria: A história dos agentes secretos infiltrados por Cuba em organizações de extrema direita dos Estados Unidos”. Com a participação de Wagner Moura, a fita concorre no Festival de Veneza.
Ao final da entrevista, a mensagem: “Não se deprimam, não percam a capacidade de resistir. Nós somos maioria. Não se informem pela grande mídia, mas pela internet”.