“A gente não defende um liberou geral. A gente não quer que drogas sejam vendidas como se vende álcool para pessoas com menos de 18 anos sem qualquer controle. A gente quer que drogas sejam legalizadas e reguladas, com uma forte regulação do Estado”.

É o que afirma a socióloga Julita Lemgruber ao TUTAMÉIA. Diretora do Departamento do Sistema Prisional do Rio de Janeiro (1991-1994), ouvidora da polícia (1999-2000), Julita é coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes.

Seu projeto mais recente, lançado há pouco dias, é a pesquisa “Drogas: Quanto Custa Proibir”, que contabiliza gastos de São Paulo e Rio de Janeiro na manutenção da política proibicionista inócua, importada dos EUA, que gera encarceramento em massa, atingindo preferencialmente os jovens negros das periferias. “A legislação é hipócrita e marcadamente racista”, define.

Nesta entrevista (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV), a socióloga fala da pandemia, da política de drogas no Brasil e no mundo, da situação das prisões, de violência, do governo Bolsonaro e da ascensão das milícias: “Elas têm um projeto de poder e são um fenômeno nacional”.

Julita lembra que o Brasil é o terceiro país do mundo em número de encarcerados, com 35% dos presos respondendo por tráfico de drogas. “O perfil de quem está preso é o do jovem, negro, pobre, que mora nas periferias e favelas. A lei é perfeita para expressar o racismo desse país”. Ela segue:

“É perfeita para permitir que os juízes ajam de forma a agudizar essa distância enorme entre o jovem que faz tráfico, mas que é branco, de classe média e mora na zona sul do Rio ou nos Jardins em São Paulo, e o jovem negro, pobre, que mora nas favelas e trabalha no varejo das drogas”.

A socióloga aponta a mudança na legislação sobre drogas, em 2006, como um ponto de inflexão. “A partir daí é que explodiu a quantidade de presos nesse país. Ela diz que o juiz pode distinguir o usuário do traficante de acordo com as suas circunstâncias sociais e pessoais. É a porta escancarada para o juiz funcionar a partir de um arcabouço que vem de séculos, que é marcado pelo racismo estrutural e que leva jovens negros e pobres para as cadeias, enquanto jovens brancos e de classe média, que também estão fazendo trafico, jamais serão encarcerados”.

Para Julita, “a legislação é feita para estigmatizar uma classe e um grupo social”.

Ao TUTAMÉIA, Julita fala da evolução da chamada luta antidrogas. “Na origem da política de drogas está o racismo. É uma estratégia de exterminar minorias, encarcerar minorias”, declara.

A socióloga analisa a afirmação, muito frequente, de que a política para drogas deve ser tratada como questão de saúde pública, não como de segurança.

“Até alguns anos atrás eu até acreditava nisso também. Hoje, com a quantidade enorme de pesquisas que temos, está muito claro. A gente não está falando de saúde pública porque a gente está falando de um número muito pequeno de pessoas que acabam por fazer uso problemático dessas drogas”.

De acordo com vários estudos, aponta Julita, o percentual de usuários de drogas que fazem uso problemático delas, desenvolvendo dependência, é de 10% a 30%.

“Isso mesmo com drogas como heroína, cocaína, seja lá o que for. Em outras drogas, há menos de 10% de pessoas que fazem uso problemático. No entanto, a maneira como os Estados Unidos lideraram esse processo no mundo inteiro levou vários países a incorporar essa estratégia equivocada de lidar com a questão das drogas”, assinala. Ela enfatiza:

“Quando a gente fala de saúde pública, a gente fala de percentuais muito maiores na população. Álcool é um problema de saúde pública certamente. No entanto, ninguém fala. É a droga que mais causa dano ao usuário e ao seu entorno. No entanto, os interesses em torno do álcool são de tal ordem que a gente tem propaganda de cerveja na novela da TV”.

A razão? “Tem uma combinação de interesses muito poderosa que faz com que a gente conviva com essa droga e a gente naturaliza. No entanto o álcool mata muito mais do que várias dessas outras drogas”.

Julita diz esperar que o país evolua no sentido da legalização de todas as drogas, um processo que já acontece nesse momento nos EUA. “Quando a gente olha para os Estados Unidos é absolutamente impressionante. O país que levou o mundo a essa tal de guerra às drogas é o pais onde tudo isso está sendo revertido a cada dia”

Ela cita o caso do estado de Oregon, que acaba de descriminalizar, por referendo popular, o uso de qualquer droga: maconha, cocaína, cogumelos, heroína, opioides. “É um primeiro passo extraordinário. Está acontecendo em vários estados americanos”.

Ela lembra:

“Tinha uma época que a gente falava do uso da maconha para fins recreacionais. Hoje o que se discute é o uso adulto. É tirar essa ideia de: ‘Vamos fumar um baseado na hora do recreio’. O que a gente defende é que o uso de drogas seja descriminalizado para uso adulto, adultos responsáveis. A maior parte das pessoas que usa droga, desde o álcool até a heroína, passando pela cocaína, pela maconha, seja a droga que for, estão usando isso com responsabilidade, como adultos responsáveis”.

E ressalta:

“Não me venham dizer que a gente está protegendo a saúde das pessoas. A gente não está. A gente está protegendo interesses. Vamos deixar a hipocrisia de lado e vamos pensar numa política de drogas que realmente proteja a saúde, que não agrave a insegurança e a violência nas grandes cidades”.

Clique no link a seguir para ler um resumo da pesquisa realizada por Julita Lemgruber e seu grupo.

Sumario Executivo_Um Tiro no Pe_FINAL 25 mar 2021