“A movimentação teve o mérito de inverter a pauta. Aqueles que estavam agredindo as instituições passaram a jogar na defensiva a partir da Carta. Mudou o eixo. Os que estavam na ofensiva passaram a se defender. Talvez isso tenha irritado alguns que se esmeraram em desqualificar a Carta. Pode até ser ‘cartinha’, mas tem muita gente preocupada com ela; está tendo que se defender da ‘cartinha’. Eu fico muito feliz com isso”.

Palavras de Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito da USP, ao TUTAMÉIA. Articulador da “Carta às Brasileira e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito”, nesta entrevista ele conta os bastidores da elaboração do documento, que aglutina intelectuais, sindicalistas, artistas, empresários e profissionais de múltiplas áreas.

Perto de alcançar um milhão de signatários, a Carta será lida em ato neste 11 de Agosto na Faculdade de Direito, em São Paulo (e em outros tantos locais espalhados pelo Brasil afora), relembrando o movimento de 1977, que, também nas Arcadas, defendeu a volta da democracia no país.

Ao TUTAMÉIA, Campilongo avalia a situação política do país e os desdobramentos da Carta para além do dia 11 de Agosto (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV). Para ele, o Brasil vive uma situação de “democracia sitiada, sob ameaça”, e o movimento que gerou o documento pode vir a ser “o gérmen de um fórum permanente em defesa da democracia”.

Relatando as diversas articulações políticas que convergiram para as Arcadas, Campilongo afirma que as tentativas de desqualificar a Carta apenas demonstraram a sua força.

“As pessoas [que atacam a Carta] acusaram o golpe. Essa é a grande novidade. As agressões estavam pautando um pouco o debate. Diziam que as urnas não valem nada, os militares têm que fazer a fiscalização das urnas, o nosso sistema eleitoral não vale coisa nenhuma. Nós estávamos acuados por uma pauta que não era definida por valores democráticos, mas sim por ameaças à democracia. A movimentação teve o mérito de inverter a pauta”, declara.

Todavia, ele adverte que o sucesso da adesão ao documento em defesa da democracia não afasta o risco de golpe no país.

“Temos que continuar muito vigilantes e muito atentos em relação a isso. As ameaças são críveis, são ameaças sérias. Nós vimos o que aconteceu até mesmo em democracias sólidas, como nos EUA, com a invasão do Capitólio; coisas muito perigosas. Manifestações desse tipo continuaram a ocorrer entre nós, instigando a população a se rebelar contra o resultado das urnas, contra o resultado legítimo das eleições. Não podemos baixar a guarda. O momento exige essa mobilização e a continuidade da mobilização”.

 

CARTA ÀS BRASILEIRAS E AOS BRASILEIROS

EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO!

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.

Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.

Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o País sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.

A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.

Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um País de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.

Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando a convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.

Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.

Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.

Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito. Aqui, também não terão.

Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.

No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.

Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:

Estado Democrático de Direito Sempre!!!!

 

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