“O atual presidente da República não cometeu um crime de responsabilidade. Ele cometeu a lei 1079 inteira, ele comete o Código Penal inteiro. O presidente da República não tinha mais de ser julgado pelo Congresso, por crime de responsabilidade, ele tem de ser julgado pelo Tribunal de Haia”.

Assim fala o senador Randolfe Rodrigues, autor da proposta da CPI da pandemia, em entrevista ao TUTAMÉIA em que defende a necessidade da investigação das ações do governo federal na crise e comenta os ataques que vem sofrendo por parte do presidente da República. Bolsonaro vem esperneando contra a CPI e reclamando do que considera intervenção do STF no Congresso.

“Intervenção há quando o presidente da República liga para um eventual investigador, que é um senador, e diz para ele o que é que a CPI tem de fazer. E mais: diz para ele que ele, a serviço do presidente, vai ter de interferir na atuação do Supremo Tribunal Federal. Isso, sim, é intervenção”, diz Rodrigues (Rede-AP), líder da Oposição no Senado.

Para ele, a conversa entre Bolsonaro e o senador Jorge Kajuru, gravada por este último com o conhecimento do presidente da República, “apenas revelou mais dois crimes de responsabilidade do presidente da República, que têm de se somar e se tornar o centésimo décimo pedido de impeachment. Centésimo décimo!.”

Os crimes são os seguintes, na interpretação do senador: “Na conversa com o senador Kajuru, diretamente, Bolsonaro incorreu em crimes no artigo 60, da lei 1079, que estabelece claramente que não pode um dos poderes fazer intervenção na atuação de outro. Ele o fez duas vezes: primeiro, falando com um senador da República, que pode ser um eventual investigador dele próprio, e, segundo, pedindo uma intervenção no Supremo Tribunal Federal. O artigo segunda da Constituição também foi infringido: os poderes são independentes e harmônicos. Ele ofendeu de cabo a rabo. Naquele telefone, ele estuprou o artigo segundo, violentou o artigo segundo, ele cometeu todos os tipos de violência possíveis”.

CPI DA PANDEMIA

A tal conversa é uma das manobras para adiar, enfraquecer e mudar os rumos da CPI, se não for possível impedir sua instalação. Randolfe Rodrigues considera a investigação necessária e aponta suas razões (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV):

“Nós nos tornamos epicentro global da pandemia, e não nos tornamos epicentro global à toa. Para vocês terem uma ideia: o número de mortes no Brasil, em um dia na semana passada, foi superior ao número de mortes ocorridas em toda a pandemia no Paraguai. Nessa semana, de cada dez humanos que morreram de covid 19 no mundo, três são brasileiros.

“Isso está ocorrendo porque, em agosto do ano passado, o presidente da República deixou de comprar 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que poderia desde dezembro estar vacinando brasileiros.

“Isso está acontecendo porque o governo federal resolveu, por achar que a OMS era uma organização globalista chinesa, não aderir ao consórcio da Covax no ano passado. Isso está acontecendo porque o governo obstruiu o quanto pode o registro da Coronavac; obstruindo o registro da coronavac, deixamos de ter essa vacina em dezembro, que foi acusada pelo governo de vacina chinesa.

“Isso está acontecendo porque em dezembro, quando o governo do Amazonas buscou ter medidas restritivas para impedir a propagação do vírus, quando se ampliava no Amazonas o nível de contágio, o governo federal e seus áulicos começaram a incendiar os cidadãos contras as medidas restritivas no Amazonas. O descontrole da pandemia no Amazonas, duas semanas depois, deu surgimento a uma nova cepa, que se disseminou pelo Brasil, criando várias outras. A ausência de uma política nacional de enfrentamento à pandemia transformou o país numa espécie de laboratório de cepas.

“Tudo isso nos transformou, eu repito, no epicentro global da pandemia. Dessas mortes ocorridas de janeiro para cá, pelo menos oitenta por cento delas poderiam ter sido evitadas. Repito: o senhor Bolsonaro não tinha de sofrer impeachment, não. Ele tinha de ser julgado em Haia.”

CAI APOIO DO PIB

Rodrigues também comentou o recente encontro de Bolsonaro com um grupo de empresários: “Não é o geral dos empresários brasileiros. Há um setor que o apoia, mas hoje ele já não tem a maioria. Boa parte do PIB não o apoia. Tem um setor menos iluminista, mais feudal que capitalista, que mantém apoio. Mas ainda há muitos empresários conscientes, que sabem que até para os negócios deles a atuação do presidente da República pontua contra. Não acredito que alguém possa auferir lucros a partir de cadáveres. Só aqueles que acham que se pode auferir lucros a partir de cadáveres é que podem ainda apoiar o atual presidente da República.

REFÉM DE CORRUPTOS

Na visão de Rodrigues, também no Congresso a posição de Bolsonaro está enfraquecida: “Ele se tornou uma presa fácil dos segmentos mais corruptos da política, que sempre que veem governos fragilizados, resolvem extrair tudo que é possível da coisa pública. O governo de Jair Bolsonaro é refém, agora, de um núcleo tradicionalmente corrupto, conhecido como centrão, que manda em Brasília há muito tempo. Ele se tornou cada vez mais refém desse grupo”.

PORRADA

O senador Kajuru apresentou hoje novo trechos da gravação de sua conversa com o presidente da República. Nele, Bolsonaro se refere especificamente ao senador Randolfe Rodrigues, conforme texto publicado no “Blog do Datena”, que divulgou a fala com exclusividade.

No trecho, Kajuru faz objeções a participar da CPI, a depender de sua orientação. Ao que Bolsonaro responde: “Se você não participa, a canalhada do Randolfe Rodrigues vai participar. E vai começar a encher o saco. Aí vou ter que sair na porrada com um bosta desse”.

Ao que o líder da Oposição no senado respondeu, em post no Twitter: “A violência costuma ser uma saída para os covardes que têm muito a esconder. Não irão nos intimidar! Especialmente porque sabemos que a fraqueza desse governo está em todos os âmbitos. Nossa única briga será pelo povo! Pela vacina e por comida na mesa!”