“A reforma que nós defendemos, que caberia ser feita no Brasil agora, é a reforma agrária popular. Não é mais a reforma agrária camponesa, que apenas divide o latifúndio. Uma reforma agrária popular significa que ela interessa a todo o povo, porque muda os paradigmas. Agora nós queremos uma reforma agrária para, em primeiro lugar, produzir alimentos para o povo. Note: antes, em primeiro lugar era terra para quem nela trabalha. Agora nós queremos terra, mas a terra é um meio, não é um fim. A terra é um meio para produzir alimentos para todo o povo, para o mercado interno.”

Assim fala João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, falando ao programa “Se Expresse”, da editora Expressão Popular, com retransmissão ao vivo pelo TUTAMÉIA.

Explicando a proposta do MST com mais detalhes (clique no vídeo para ver a íntegra do depoimento e se inscreva no TUTAMÉIA TV), ele afirmou: “As pessoas não se dão conta: setenta por cento dos brasileiros não comem queijo nem comem iogurte. Você imagine se o Brasil resolve dar queijo e iogurte todos os dias na merenda escolar? Vai faltar vaca! É este o sentido agora: produzir alimentos. Claro, distribuir a terra para garantir trabalho e futuro para as famílias camponesas.”

E segue falando sobre os novos paradigmas da reforma agrária popular: “Produzir na forma agroecológica. De que adianta produzir feijão com veneno? Daí o cara pega câncer! O MST é um dos maiores produtores mundiais de arroz orgânico, só perdemos para os chineses e para os indianos, somos os maiores da América. Porque temos uma responsabilidade: produzir alimentos saudáveis para o povo”.

Outras características fundamentais: “O equilíbrio com a natureza. É preciso respeitar. Por isso aderimos à campanha de plantar árvores, que é para proteger a natureza, proteger a água, e aderimos à tese do Greenpeace, desmatamento zero. Nós podemos alimentar todo o nosso povo sem derrubar mais nenhuma árvore. Ao contrário, fizemos um plano para plantar cem milhões de árvores em dez anos. Também temos de levar a agroindústria para os assentamentos, para o trabalhar rural transformar as frutas em suco, para poder beneficiar o leite. Tem de beneficiar para quem chegue às grandes cidades. A agroindústria tem de ser dos camponeses”.

E conclui: “Também é preciso democratizar o acesso à educação e às escolas formais. De que adianta o cara produzir alimentos se ele não sabe ler nem escrever. A educação faz parte, agora, da reforma agrária. Em todos os níveis: desde combater o analfabetismo até garantir que os filhos de camponeses entrem na universidade. Por último, faz parte da reforma agrária a defesa da cultura, das nossas músicas, da culinária. Isso faz parte da vida, dos territórios. As pessoas que moram lá no interior têm de ter vida culta, ter acesso a livros, a festivais de música –como os que nós fazemos–, têm de ter teatro. Enfim, cultivar a vida, que é o sentido maior da nossa existência.

EXPERIÊNCIAS DE REFORMA AGRÁRIA NO MUNDO

A entrevista de Stedile foi o ato do segundo volume da coleção EXPERIÊNCIAS HISTÓRIAS DE REFORMA AGRÁRIA NO MUNDO, organizado por ele, com textos de Ana Prestes, Anatoli Vassilievitch Lunatcharski, André Guichaoua, Celso Furtado, Francesco Santopolo, Joachim Wahl, João Pedro Stedile, Lucas Bezerra, Marvin Ortega, Ramón Fógel, Samir Amin, Serge Aberdam, Vicente Unzer de Almeida e Zoia Prestes.

A sinopse do livro é a seguinte, segundo divulgado pela editora Expressão Popular:

“Este volume da coleção “Experiências históricas de reforma agrária no mundo” traz, de forma objetiva, sintetizada e sistematizada didaticamente as experiências de diversos países que promoveram a democratização da propriedade da terra. No volume I, lançado em abril de 2019, apresentamos a experiência de países como Estados Unidos, Japão, Egito, Bolívia, México, China, Vietnã e Cuba. Agora, trazemos as experiências ocorridas em Taiwan, México, Bolívia, Peru, Chile, Itália, Argélia, Nicarágua, Paraguai e Etiópia. Além das experiências socialistas da Rússia e da antiga Alemanha Oriental.

Seus 13 capítulos expõem a atualidade do debate da reforma agrária – uma ferida aberta em muitos lugares do mundo – a partir de conceitos que constroem uma tipologia para analisar as experiências históricas: clássicas, burguesas, reformistas, radicais, populares, de libertação nacional, socialistas. O conteúdo está estruturado em cinco partes.

Na primeira, encontram-se textos sobre as reformas agrárias clássicas: Tratam das transformações provocadas pela Revolução Francesa de 1789 e da relação revolução com a reforma agrária. Segue a experiência ocorrida em Taiwan no segundo pós-guerra.

A segunda parte trata das reformas agrárias reformistas: uma visão panorâmica da reforma agrária na América Latina, em especial as raízes dos movimentos “agraristas” e as experiências ocorridas no México, na Bolívia, no Peru e no Chile. Seguem reflexões sobre o caso peruano, país que experimentou uma reforma agrária decorrente do golpe militar de 1968; e da Itália recuperando elementos centrais da formação social italiana para discutir as lutas camponesas e a reforma agrária ocorrida pós-1945.

A terceira apresenta as reformas agrárias populares a partir das experiências da Argélia e da Nicarágua: sobretudo após o processo revolucionário de luta pela libertação do país, que se concretizou em 1965, analisando as políticas agrárias estabelecidas pelo governo socialista da Argélia; e da Nicarágua, como foco a relação entre a Revolução Sandinista, triunfante em 1979 e a reforma agrária dela resultante.

A quarta parte trata das reformas agrárias de libertação nacional a partir do caso do Paraguai e da Etiópia. O Paraguai levou a cabo a luta anticolonial, entre 1814 e 1840, e desenvolveu uma experiência de reforma agrária durante o governo de Rodríguez de Francia; da Etiópia o registro do salto qualitativo promovido pela reforma agrária aplicada a partir do êxito do movimento revolucionário que derrotou o regime monárquico.

A quinta é dedicada às reformas agrárias socialistas: a experiência soviética dos colcozes, situando as contradições da questão agrária russa no período tsarista e as profundas mudanças levadas a efeito pela revolução triunfante em outubro de 1917; e a experiência socialista da antiga Alemanha Oriental sobre as tendências assumidas pela agricultura durante a vigência
da República Democrática Alemã.

Um livro que se destina especialmente a estudantes, militantes dos movimentos populares e pesquisadores interessados em obter uma visão geral a propósito da reforma agrária no mundo. Sua leitura atenta certamente possibilitará uma apreensão mais completa da questão agrária no capitalismo e das alternativas à concentração de terras, podendo, ademais, fornecer pistas para pensar a reforma agrária no Brasil.”