“Quis resgatar a história de uma pessoa que é responsável por a gente hoje viver em um país democrático. São várias histórias, uma colcha de retalhos, de várias vidas que foram perdidas para que a gente tivesse esse privilégio, que é viver numa democracia. Eu sempre tento enaltecer todos eles, os que eu conheci, os que eu não conheci, porque acho que essa história da militância, do pessoal que enfrentou a ditadura militar, passou muito por pessoas que tiveram um sonho incomum, um desejo incomum, por condições melhores, por um país melhor. Temos de aprender a conhecer a história, enaltecer cada um. Para entender o país que a gente vive hoje, a gente tem de olhar para trás.”

Assim fala a jornalista Vanessa Gonçalves, biógrafa de Eduardo Leite, o Bacuri, assassinado pela ditadura militar em 8 de dezembro de 1970 depois de mais de três meses sob tortura. Ela falou ao TUTAMÉIA no exato dia em que se completaram cinquenta anos da morte daquele militante, que teve destacado papel na resistência armada ao regime militar.

“Bacuri foi um jovem que ousou lutar contra a ditadura. Não era uma pessoa ligada ao movimento estudantil, era um operário, que veio de Minas para morar em São Paulo e aí conheceu o Partido Comunista, conheceu alguns militantes da Polop, foi se identificando com a luta e entrou nas organizações para atuar nessa militância contra a ditadura militar. Teve uma militância intensa, mas curta, só três anos. Morreu muito jovem, aos 25 anos, de uma maneira brutal. Ele é o caso mais longo de tortura no Brasil, no período militar: foram 109 dias de torturas ininterruptas. Uma situação que é difícil alguém suportar tanto tempo e, ainda assim, diante de todo esse quadro, tentar reagir, tentar fugir”, resume a jornalista (clique no vídeo acima para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Na entrevista, ela conta um pouco da trajetória de Bacuri, fala sobre episódios da luta armada, comenta os debates políticos que se desenrolavam naquela época –final dos anos 1960, início dos anos 1970— entre as organizações.

Destaca que o jovem Eduardo Leite, muito lembrado por seu espírito aguerrido, sempre disposto ao combate, também procurava pensar o mundo e buscava opções para a resistência à ditadura, como destaca Hilda Fadiga, de codinome Sônia, militante citada na biografia de Bacuri:

“Ele era uma pessoa da ação que pensava. Para ele cada ação tinha uma razão de ser. Ele não era franco-atirador, pois sabia que cada ação que estava fazendo tinha um papel, como se fosse uma peça de teatro. Ele não era bobinho. Bobinho era quem estava lá sem saber muito bem por quê. Talvez ele não soubesse descrever a economia, a filosofia, mas sabia muito bem onde queria chegar e as prioridades que deveriam existir. Ele tinha isso muito claro, por essa razão, acho que continuava na luta, pois sabia qual era seu papel dentro desse todo. E o papel dele não era solto”.

Suas ações, porém, diz Gonçalves, é que levaram Bacuri a se tornar um dos mais odiados pela ditadura militar, um dos mais procurados militantes na época –participou, por exemplo, dos sequestros dos embaixadores do Japão e da Alemanha.

As ações foram lembradas pela jornalista durante a conversa com TUTAMÉIA, em que também não faltaram histórias de amor –o encontro com Denise Crispim, paixão de sua vida—e curiosidades: por exemplo, a origem do apelido de Eduardo Leite, revista na entrevista e assim contada no livro:

“Fava conta que o responsável pelo codinome Bacuri foi Onofre Pinto. “Depois da saída do Exército, íamos trabalhar na alfaiataria com os negócios de telefone e comer ali na Liberdade.  Nesse período, o Eduardo começou a engordar e a ficar com uma barriguinha. Um dia o Onofre falou: ‘Eduardo você está gordinho, parece um bacuri’. Todo mundo achou engraçado,  gostou e o codinome pegou”. Para quem não sabe, no interior de São Paulo e do Paraná,  Bacuri é o nome dado  a  um  porquinho,  muito  gordinho,  engraçado  e  bonitinho.”

Ao lado das curiosidades, dos registros documentais e das entrevistas de militantes da democracia, Vanessa Gonçalves exerce no livro um papel didático, apresentando minibiografias de pessoas citadas e breves informações sobre organizações e eventos, tornando mais fácil a compreensão daquele momento da vida do país.

Como diz Paulo Vannuchi, ministro dos Direitos Humanos no governo Lula, que escreve a apresentação do livro:

“A história de Bacuri e esse livro se voltam inteiramente para o futuro. Para a construção de um Brasil em que não se torture mais, onde as ditaduras não tenham qualquer possibilidade de retorno, onde nenhuma luta pela liberdade, pela igualdade, pela democracia e pelos Direitos Humanos seja reprimida. Enfim, o Brasil onde um jovem com elevados sentimentos de justiça social possa se mudar do interior de Minas para uma metrópole qualquer. E nela trabalhar, estudar, criar, manifestar livremente suas ideias, participar da vida política. Conhecer Denise, amar e ter Eduarda no colo. Sem ser jamais impelido a empunhar armas contra a opressão. E muito menos ser executado covardemente ao fim de um calvário de 109 dias de bestiais torturas.”

PS.: Muita gente tem nos consultado sobre o acesso ao livro, que está esgotado, sendo encontrado apenas em raras livrarias de livros usados. A autora, nossa entrevistada, informou que pode passar o PDF da obra para eventuais interessados, Quem quiser pode entrar em contato com ela diretamente por e-mail . O e-mail dela é vangoncalves@gmail.com.