“Os índios começaram a revelar pelos desenhos e pela fala as diversas mortes. Aqui, morreram eletrocutados; ali foram mortos a tiro. Perguntaram o que era o pó que era jogado do ar pelos brancos e que matava sem deixar sinal. Eram remanescentes de aldeias bombardeadas com napalm provavelmente”.
Assim, o indigenista Egydio Schwade relata uma série de crimes cometidos contra a população indígena durante os anos da ditadura militar. Fundador do Conselho Indigenista missionário, aos 87 anos ele fala ao TUTAMÉIA diretamente de Presidente Figueiredo, cidade localizada a 107 km ao norte de Manaus.
No dia do golpe militar de 1964, Egydio morava em Diamantino (no Mato Grosso, 200 km ao norte de Cuiabá). Estudara filosofia no Rio Grande do Sul e tinha resolvido trabalhar voluntariamente com os indígenas no noroeste do Mato Grosso.
“Naquele primeiro de abril, sentimos que os militares estavam muito bem organizados. Dois sujeitos andaram o dia todo caminhando lentamente, observando a cidade, para saber se haveria alguma reação. Era gente estranha”.
Acompanhando durante décadas a luta dos indígenas contra os avanços dos militares e das empresas na Amazônia e em outras paragens, Egydio fala ao TUTAMÉIA sobre os diversos genocídios que se sucederam e trata da perseguição que sofreu.
Ele lembra:
“Estradas foram rasgadas como se ninguém vivesse ali. A ditadura usou principalmente dois instrumentos: construção de estradas e construção de hidrelétricas. A construção da BR-163, Cuiabá-Santarém, custou a vida quase total do povo panará, na época conhecidos como os índios gigantes”.
“A Transamazônica custou a vida dos parakanã — praticamente foram quase extintos. Antônio Cotrim Neto, um dos funcionários da Funai na época, se demitiu dizendo que não tinha vocação para ser coveiro de índio. Foi um protesto contra a ditadura militar”.
“Um dos piores genocídios foi na construção da Transamazônica entre Jacareacanga e Humaitá, onde até hoje os índios exigem indenização”.
Schwade destaca que a ditadura provocou depredação do ambiente, mas hoje, apesar de programas muito positivos, a depredação continua.
“Enquanto não mudarmos essa visão colonialista frente aos povos que apontam para caminhos novos, enquanto não respeitamos os caminhos, ficamos atolados no mercado, no dinheiro”.
“Temos que mudar o sistema educacional, olhar com novos olhos para esses povos indígenas. Estou convencido de que a escuta e a integração, principalmente nossa, no modelo no paradigma desses povos é que vai trazer a felicidade e o bem viver de que nós precisamos hoje para superar todo esse impasse em que está a humanidade”.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que completa sessenta anos.
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