“Essa guerra não vai crescer no campo de batalha. Ela vai crescer no mundo. E já está crescendo e está se transformando em mundial na economia. Porque o imperialismo não pode perder… Na verdade, o imperialismo perde, mas ele disfarça bem. Perdeu no Iraque, de onde teve de sair, saiu correndo do Afeganistão, saiu correndo do Vietnã… Mas são países pequenos. Agora resolveu lutar contra um grande país, destruir um grande país, que é a Rússia. Se não consegue, aí é uma derrota, é uma derrota séria.”

Essa é a avaliação do jornalista e ex-senador italiano José Luiz Del Roio, falando ao TUTAMÉIA vinte dias depois do início da ação militar especial da Rússia para impedir a tentativa norte-americana de continuar a progressiva expansão da Otan até suas fronteiras. Na conversa, ele aponta o cinismo e a hipocrisia dos Estados Unidos e da União Europeia, fala da propaganda russofóbica e lembra negociações e encontros de que participou quando atuava no Assembleia Parlamentar da Europa em Estrasburgo (clique no vídeo acima para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Exemplo mais brutal desse cinismo são os ataques de grupos neonazistas da Ucrânia durante os períodos de trégua para que refugiados aproveitem os chamados corredores humanitários: “O governo Zelensky é cercado de neonazistas. Eles têm de mostrar que os russos massacram. Se a população recua, os russos não massacram. Então eles têm de fazer tudo para a população ser massacrada. É um cinismo monstruoso, perigoso, criminoso. É evidente que o poder militar russo é muito superior. E os russos têm todo o interesse em não massacrar. É uma guerra que vai ter um fim daqui um mês, dois meses, por que fazer morrer civil? Os russos insistindo em criar corredores humanitários, enquanto grupos neonazistas atacam os corredores humanitários”.

BLOQUEIO ECONÔMICO

Del Roi também avalia o que se conhece dos projetos de Vladimir Putin: “A Rússia deixou claro o que ela quer: um país neutro, o que seria ótimo, não veja nada de mal em um país ser neutro. Desejo profundamente que a Ucrânia seja um país neutro, não tenha essas bases militares da Otan e outras coisas. Obviamente [a Ucrânia] vai acabar perdendo as zonas russas. Pode-se talvez chegar a algum tipo de acordo”.

O problema é que, pelo menos no momento atual, as forças dos EUA e da Otan parecem mais interessas em continuar o conflito do que em fazer acordos, segundo avalia o jornalista:

“Eles não podem usar as armas atômicas. Não vão usar. Usam as armas econômicas. Então a guerra se espalha pela economia. Há poucas horas, o presidente Biden bloqueou a compra do petróleo da Rússia  –por isso, os Estados Unidos foram falar com Maduro e vão falar também com o Irã. Vão lá também porque um poder mais alto se alevanta: têm de fazer a guerra da energia. Com isso, os preços do petróleo vão aumentar mais ainda. Pode ser que não chegue aos 300 dólares, mas aos 150 dólares vai chegar. E isso já é um drama, também para o Brasil.”

NEOLIBERALISMO E FOME

A consequência do bloqueio dos EUA e da Otan sobre a Rússia pode ter como consequência o aumento da fome no planeta, diz Del Roio:

“Segundo a ONU, oitocentos milhões de pessoas estão à beira da fome no planeta. Por quê? Porque o neoliberalismo é destrutivo. É um vendaval, destrói tudo. Ainda tivemos a covid, problemas climáticos –que vão aumentar. Boa parte da produção de alimentos é do Brasil –mas aqui é um pouco específica, é soja–, mas o trigo, o trigo não tem substituto, o trigo é ele, as populações do mundo comem trigo. Grande parte vem da Ucrânia, que vai sentir obviamente, na sua produção, e vem da Rússia. Se bloqueiam a Rússia, a Itália vai ficar sem pizza, mas as populações islâmicas, de todo o norte da África, eles vivem de pão. E, quando não tem pão, tem a revolta do pão. Ali vai ser um problema muito sério. Estamos muito perto disso, isso vai ser nas portas da Europa. As consequências políticas e sociais são muito sérias. Isso vai atingir o Brasil também”.

LULA

Afinal, aponta ele, “não estamos em uma guerra na Ucrânia, estamos em uma guerra mundial. A nossa guerra mundial, nossa, aqui no Brasil, é ter um governo que consiga governar nesse mar de tempestades. Precisamos ter um governo competente. E nós temos um líder, que é respeitado. Nós temos o Lula. É um dos poucos líderes mundiais que temos por aí. Nós precisamos de um governo altamente competente para o período que vem. Se não, a situação aqui vai ficar ainda pior. Já estamos muito fragilizados. Veja: um grande país do petróleo, como o Brasil, estamos nas mãos dos ventos do petróleo. Nós poderíamos pesar na questão energética mundial. Se tivéssemos um governo decente neste momento, capaz, competente, e a Petrobras existisse, hoje nós estaríamos sendo um dos grandes articulares da economia mundial.”

PARA ONDE VAMOS

Del Roio analisa as motivações mais profundas do conflito e aponta:

“Os Estados Unidos erraram estrategicamente. Resolveram atacar a Rússia para enfraquecer a China. Mas a consequência óbvia foi que a Rússia se ligou muito mais à China. Está aí a declaração chinesa de anteontem: “A Aliança China-Rússia é forte como uma rocha”. E assim todas as operações de cerco financeiro vão por água abaixo. O povo russo vai sofrer, mas vão por água abaixo, porque [a Rússia] tem a maior economia do mundo por trás. Não querem deixar a Rússia vender gás? A China compra tudo. A China precisa dessa energia. Para ela, é uma maravilha, porque assim não fica cercada. Para a Rússia também. A Rússia não pode ser cercada economicamente.”

E assim prossegue o conflito: “A guerra vai se desenvolver assim, na matéria-prima, na diplomacia, na política. E é uma transformação. Se os Estados Unidos e a União Europeia sofrem a derrota que está se desenhando, o mundo entra em uma nova etapa. Mas vai passar por um longo período de desestabilização”.