São Paulo amanheceu neste sábado, 21 de novembro, protestando contra o racismo: às cinco da manhã os artistas do coletivo Arte 1 terminaram a pintura, em letras gigantescas, da frase #VIDAS PRETAS IMPORTAM” no asfalto da avenida Paulista. A inscrição foi feita no chão em frente ao Masp, no mesmo quarteirão em que ontem se reuniu uma multidão na Marcha da Consciência Negra, transformada em protesto, ato de luta e luta contra o assassinato de JOÃO ALBERTO SILVEIRA FREITAS, 40, homem negro espancado até a morte por dois seguranças de uma loja do supermercado Carrefour em Porto Alegre.
O crime ocorreu na noite de quinta-feira, quando João Alberto e a esposa foram comprar comida para o jantar. Depois de um desentendimento com uma fiscal da loja, ele foi agarrado dois seguranças do supermercado, que o levaram até o estacionamento, onde ocorreu o linchamento. Por cinco minutos, à frente de várias pessoas, o policial militar Giovane Gaspar da Silva, de 24 anos, e o segurança Magno Braz Borges, de 30, deram uma sequência de golpes brutais, e Beto não resistiu –as análises iniciais da perícia dão asfixia como causa da morte.
O crime foi filmado, e o vídeo chocou o Brasil desde as primeiras horas de ontem. Já pela manhã, manifestações improvisadas levantavam a raiva e a indignação contra o assassinato, que em tudo lembra a execução por policiais de George Floyd, nos Estados Unidos. As celebrações do Dia da Consciência Negra se transformaram em marchas de luto e luta, muitas delas realizadas em frente ou mesmo dentro de lojas do Carrefour. São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Brasília, Santa Maria foram algumas das cidades onde ocorreram protestos.
Em Porto Alegre, as manifestações começaram logo cedo, com um breve ato realizado em frente à loja onde ocorreu o crime, na zona norte da cidade. A concentração ficou para o final da tarde, quando centenas de pessoas se reuniram novamente em frente ao Carrefour e, depois saíram em marcha até o estádio do clube São José, o Zequinha, do qual João Alberto era torcedor.
Depois disso, algumas dezenas de manifestantes voltaram até o Carrefour, onde encontraram um batalhão do grupo de choque da Brigada Militar entrincheirado no estacionamento do supermercado, escancarando a essência da sociedade em que vivemos: o Estado usando sua força e violência para proteger a propriedade dos barões, enquanto é incapaz de defender os mais pobres.
Espalhados ou em pequenos grupos, os manifestantes foram recebidos com saraivadas de balas de borracha e bombas de gás. A intenção da polícia de provocar confusão era evidente para qualquer observador. Um deles era Emir Silva, liderança histórica do Movimento Negro Unificado do Rio Grande do Sul, que só saiu do palco de protesto para dar uma emocionante e emocionada entrevista ao TUTAMÉIA.
Emir trouxe mais informações sobre o crime e sobre João Alberto, que trabalhava como no soldador na oficina do pai, vivia com a mulher numa comunidade na Vila Farrapos, na zona norte de Porto Alegre, e deixa quatro filhos de casamentos anteriores, além de uma enteada. O dirigente do movimento negro também contou sobre as manifestações e a violência policial –durante a entrevista, dava para ouvir sirenes de carros da Brigada (veja a íntegra da entrevista no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Contou ainda sobre a história do movimento negro no Rio Grande do Sul, os ataques sofridos e as conquistas. Lembrou que é o estado de maior desigualdade racial no Brasil –apenas 18% da população é negra, em alto contrate com a média do país, onde pretos e pardos são maioria (55%). Apesar disso, as lutas avançam e, nas recentes eleições municipais, Porto Alegre –que é ainda mais díspar na composição racial—elegeu o maior número de vereadores negros em sua história. Karen Santos (PSOL), Bruna Rodrigues (PCdoB), Daiana Santos (PCdoB), Laura Sito (PT) e Matheus Gomes (PSOL) tiveram, somados, mais de 40 mil votos; com 15.702 votos, a professora de educação física Karen Santos, 32, foi a mais votada na capital gaúcha.
Com mais de trinta anos de luta nas trincheiras do movimento contra o racismo, Emir analisou ainda os impactos políticos do assassinato de João Alberto e possíveis desdobramentos –como boicote ao Carrefour, proposta que ganhou as redes sociais desde as primeiros horas desta sexta-feira. Denunciou a política racista do presidente Bolsonaro, cujas palavras e atos se constituem também num aval à violência, ao desprezo e à discriminação contra o povo negro. E afirmou que, mais cedo ou mais tarde, ele será derrotado.
OUTRAS MANIFESTAÇÕES
Ao longo de todo o dia de ontem, dirigentes partidários e de movimentos populares e sindicais se manifestaram também em protesto contra o assassinato de João Alberto, denunciando o racismo e as políticas antipovo do governo Bolsonaro. O ex-presidente Lula fez um pronunciamento à Nação em que afirmou:
“O governo genocida atual está totalmente empenhado em negar o papel da escravidão na formação do Brasil, o racismo estrutural que define profundamente nossa sociedade e, sobretudo, a luta da população negra contra sua opressão histórica. Temos um presidente que afirma que os quilombolas têm de ser pesados em arrobas, como gado, e que esses descendentes dos combatentes contra a escravidão não servem nem para procriar. Temos um governo que defende as velhas e falsas ideias de que a escravidão não foi tão ruim assim para os negros, de que os povos africanos foram responsáveis pela escravidão e de que não há racismo no Brasil.”
Disse ainda:
“Amanhecemos transtornados com as cenas brutais de agressão contra João Alberto Freitas, um homem negro, espancado até a morte no Carrefour. O racismo é a origem de todos os abismos desse país. É urgente interrompermos esse ciclo. Para se reconstruir e transformar o Brasil, como desejamos, precisamos de uma democracia que se assuma antirracista. Precisamos de uma sociedade antirracista. Em nome da vida, da vida de todas e todos, precisamos superar o racismo”.
A Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns também se manifestou em nota que diz: “Exigimos que a vida perdida de João Alberto não vire estatística. Que a sua morte seja apurada com o rigor que a gravidade impõe. Que se apure a responsabilidade do estabelecimento comercial pela contratação de empresa de segurança adepta de práticas abusivas e tratamento desumano. Que os perpetradores do crime sejam investigados, julgados e respondam por seus atos. E que o mundo empresarial brasileiro incorpore, de uma vez para sempre, o respeito aos direitos humanos no seu dia a dia. Não podemos tolerar tanta injustiça. Basta!”
E o PROJETO BRASIL NAÇÃO divulgou documento que reproduzimos a seguir, na íntegra.
PROJETO BRASIL NAÇÃO REPUDIA ASSASSINATO DE JOÃO ALBERTO
A cena do espancamento até à morte do cidadão brasileiro negro, João Alberto de Freitas causa indignação e revolta. É o sintoma trágico de uma sociedade doente que despreza o ser humano e valoriza a violência. Pior: é o sinal de como o racismo está entranhado em grande parte da nossa população. É necessária uma punição exemplar aos autores desse crime, aí incluídos os responsáveis diretos e indiretos pela administração do grande conglomerado comercial onde ocorreu o assassinato brutal. Chega de condescendência com o racismo! Não à violência contra a população pobre deste país! Não à barbárie contra nossos irmãos e irmãs negros e negras!
São Paulo, 20 de novembro de 2020
Projeto Brasil Nação
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Celso Amorim
Paulo Sérgio Pinheiro
Maria Victoria Benevides
Fernando Morais
Luiz Gonzaga Belluzzo
Luciano Coutinho
Paulo Nogueira Batista Júnior
Maria Auxiliadora Arantes
Maria Aparecida de Aquino
Antônio Elpídio da Silva
William Nozaki
Paulo Kliass
Benedito Tadeu César
Maria Noemi Araújo
Henri Gervaiseau
Ennio Candotti
Mario Vitor Santos
Alberto Carlos Almeida
Eduardo Fagnani
Rodolfo Lucena
Eleonora de Lucena
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