No centro da histórica São Borja, ao som do Hino Nacional cantado por centenas de pessoas, Lula homenageou Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola e prometeu recuperar direitos derrubados pelo governo golpista. Respondeu aos protestos que enfrenta durante o trajeto da caravana pelo Sul atacando a elite e os arrozeiros. E anunciou que pretende, se eleito, federalizar o ensino médio e isentar de Imposto de Renda quem ganha até cinco salários mínimos.

O discurso ocorreu na Praça 15 de Novembro na tarde desta quarta-feira, 21 de março. O lugar estava lotado de apoiadores entusiasmados: jovens, famílias inteiras, militantes da CUT e do MST.

Olhar atento à ação no palanque onde estava Lula, na praça XV

Fora do quarteirão, um grupo de seguidores de Jair Bolsonaro escutou o comício. Durante o caminho desse terceiro dia da caravana de Lula pelo Sul, houve protestos direitistas em alguns pontos.

Grupinho de provocadores ficou isolado nos arredores da praça

Arrozeiros, ruralistas, membros da elite local são apontados como organizadores das manifestações contra o presidente. As tentativas de interromper o curso dos ônibus foram frustradas. Pedras e ovos jogados contra a comitiva não provocaram danos. Colocada na pista para tentar impedir a passagem da caravana de Lula em São Vicente, uma máquina agrícola foi logo desviada para o acostamento.

“Se eu tivesse medo de arrozeiro não saía de casa”, disse Lula, classificando as manifestações de “ódio ao PT” de ignorância. “O único medo que eu tenho é o de trair os interesses do povo”, declarou, reafirmando que vai voltar ao governo pelo voto popular e revogar medidas do governo golpista.

O arroz é a base da economia da região, controlada por poucas famílias. Logo na entrada da cidade, silos imensos simbolizam a riqueza agrícola do lugar. Lula contou que conhecia arrozeiros; citou os gaúchos que se estabeleceram em Roraima e que disputaram terras com indígenas, no contencioso da Raposa Serra do Sol. Disse que quando os ruralistas ganham atribuem a si próprios o sucesso. Mas, quando têm prejuízo, culpam o governo por suas perdas.

Jovem subiu em árvore para acompanhar ato político em São Borja

Lula disse que o ódio da elite foi provocado pela implantação de políticas públicas que “fizeram os mais pobres subir um degrau na escada da ascensão”. Para ele, a elite brasileira não se importa com o futuro do filho do trabalhador.

Lula defendeu sua inocência e honestidade. Referindo-se aos processos na Justiça, afirmou:

“Se preparem porque eu estou disposto a brigar. Estão mexendo com um homem que tem caráter e eu vou brigar. Aprendi a andar de cabeça erguida “, declarou, acrescentando que não aceitará ser colocado numa cangalha. “Eu nasci pobre, mas não quero ser tratado como cidadão de segunda categoria”, declarou.

Público no auditório do Instituto Federal Farroupilha, em São Vicente, primeira parada de Lula nesta quarta-feira

Parte do discurso de Lula –e de Dilma Rousseff e de Olívio Dutra, que também integram a caravana—enfatizou a homenagem a Getúlio, Jango e Brizola feita ali em São Borja. Cidade de força latifundiária, nela nasceram Getúlio e Jango; Brizola também teve laços com o lugar. Casado com a irmã de Jango, o ex-governador gaúcho fez questão de voltar do exílio, na anistia de 1979, pela cidade histórica gaúcha, berço do trabalhismo.

As falas centraram força em Getúlio, que enfrentou golpistas e acabou se suicidando em 1954, após fazer uma revolução para implantar o Estado brasileiro como hoje o conhecemos. Jango, derrubado por um golpe de estado, foi ministro do trabalho de Getúlio e presidente. Morreu no exílio em 1976, e seu corpo entrou no Brasil por São Borja, provocando uma grande manifestação popular contra a ditadura. Brizola, também sepultado em São Borja, liderou a resistência à tentativa de golpe em 1961, com a campanha da Legalidade, e ao golpe militar de 1964.

Getúlio foi muito lembrado pela criação das leis trabalhistas implantadas a partir de 1932 –e agora destroçadas pelo governo golpistas. Lula, que no passado foi crítico da legislação getulista, elogiou as conquistas contidas naquele conjunto de leis. Taxou de “vergonha e de falta de caráter” o extermínio de direitos em curso.

“FHC disse que iria acabar com a era Vargas, mas não teve coragem. Coisa que agora faz o governo golpista por causa dos “interesses empresariais”, disse.

Durante quase todo o tempo em que permaneceu no palanque, Lula usou um lenço vermelho em volta do pescoço, como fez Getúlio quando liderou a Revolução de 30. Na época, simbolizou a pacificação e unificação das forças que, no Rio Grande do Sul, se enfrentaram na guerra civil de 1923.

Getúlio era herdeiro político de Borges de Medeiros, o chimango-mor, cujo símbolo era o lenço branco. Pelearam contra os maragatos, conservadores, que portavam lenços vermelhos.

Conta a história que, pouco antes da Revolução de 1930, Getúlio foi a enterro de um correligionário. Deixou no caixão o seu lenço branco. Recebeu, na saída, de um maragato, um lenço maragato –que colocou no pescoço imediatamente. O gesto passou a simbolizar a pacificação definitiva entre as forças políticas rivais no Estado. Um chimango usando lenço maragato.

O lenço vermelho, como o usado por Lula em São Borja, foi adotado pelos gaúchos pacificados e, mais tarde, pelos trabalhistas de Leonel Brizola.

Uma caravana pacífica, para conhecer o Brasil e chamar a atenção para a importância de garantir aos mais pobres o acesso à educação, é o que prega Lula nesta jornada.

Movimentos de ódio e intolerância, articulados por latifundiários, tentam romper esse espírito, fechar estradas e paralisar a andança do maior líder político brasileiro da atualidade. Até agora, seus intentos têm sido derrotados, e os apoiadores de Lula seguem garantindo a paz. A caravana vai em frente.