“1970 foi inigualável! Cada gol que se faz é uma emoção a mais, entendeu? Fazer um gol em Copa do Mundo é justamente o caminho para a sua realização. Isso é que me tornou o que eu sou hoje: o “Furacão da Copa”, pela minha grande performance e meus gols, que foram gols maravilhosos.”

Palavras de Jair Ventura Filho, o Jairzinho, em entrevista exclusiva para este repórter já lá se vão mais de 15 anos. Foi por telefone, e o atleta tinha acabada de sair de uma sessão de fisioterapia para tratar sequelas de lesão ocorrida no ano seguinte ao da gloriosa Copa.

O motivo da conversa, realizada no início de 2003, era relembrar fatos ainda mais antigos, os Jogos Pan-Americanos de 1963, os primeiros realizados no Brasil, onde aconteceu a estreia do ponta direita na seleção brasileira.

Agora, quando o Brasil flexiona seus músculos e o gogó para a Copa do Mundo da Rússia, TUTAMÉIA entra oficialmente no ritmo do “que bonito é”, iniciando a publicação de uma série de reportagens e artigos boleiros.

Como a gente já passou dos sessenta, torcemos e reportamos ao longo de muitas copas, haverá muita lembrança, muita saudade. E muita vida nova: rever e retrabalhar textos de antanho é quase como realizar a reportagem novamente (ué, não há quem diga que recordar é viver?).

Bem, sem mais delongas, segue a entrevista, que foi publicada originalmente na então Folha Online, em 2003, como parte do especial OURO NO PAN, totalmente produzido por mim. Tratava-se de uma série de entrevistas com os brasileiros e brasileiras que, quarenta anos antes, tinham sido campeões em suas modalidades no primeiro –e, até então–, único Pan realizado no Brasil. O retrato do alto é obra de Fernando Carvall.

Estátua de Jairzinho inaugurada em 2010 em frente ao Engenhão, no Rio de Janeiro

TUTAMÉIA: Sua estreia na seleção foi no Pan, certo?

JAIRZINHO: Comecei a jogar no Botafogo de Futebol e Regatas, na categoria juvenil, em 1961. Fui tricampeão no juvenil e campeão pan-americano. Minha primeira oportunidade vestindo a camisa da seleção brasileira foi nesse Pan-Americano inesquecível, onde nós conseguimos a medalha de ouro. O jogo era a final contra o Uruguai, que ostentava o título.

No Botafogo eu joguei 17 anos, tenho diversos títulos: além de tricampeão juvenil, sou tricampeão também do Torneio Rio-São Paulo da época, de 64 a 66. Sou bicampeão carioca, tanto da Taça Guanabara como do Campeonato Carioca de 67 e 68. Tenho diversos títulos fora do Brasil, torneios no México, na Tchecoslováquia, na Iugoslávia, na Argentina, na Bolívia e em outros países, isso tudo com o Botafogo e também tenho o título maior da minha carreira, que foi o tricampeonato mundial de 1970, no México, onde eu fui considerado, pela imprensa, o “Furacão da Copa” pela minha grande performance na seleção.

Sou o único jogador até hoje na história das Copas a ter feito gol em todos os jogos. Sou também pentacampeão mineiro com o Cruzeiro. Também ganhei a Libertadores da América em 76, com o próprio Cruzeiro, além do vice-campeão mundial nesse mesmo ano –derrota para o Bayern de Munique.

TUTAMÉIA: Voltando para o Pan: você lembra dos jogos, dos adversários? Vocês ficaram concentrados quase um mês, isso não é uma tortura para um juvenil?

JAIRZINHO: Não, eu acho que, bom, a pessoa que pensa dessa forma não pode alcançar o seu objetivo, entendeu? Eu sou muito feliz de ter ficado um mês, eu ficaria até dois para ser campeão pan-americano outra vez, como eu fiquei três meses para ser campeão do mundo, entendeu?

A gente tem de entender qual é a infraestrutura administrativa de cultura esportiva do homem brasileiro, entendeu? Principalmente o garoto. Você tem que entender que o Brasil é um país tropical, o Brasil é um país de muita liberdade até excessiva no aspecto sexual, entendeu? Então, se você não segurar o garoto e der a ele o embasamento de conhecimento da responsabilidade dele, mesmo como atleta, da responsabilidade de conjunto, da responsabilidade de defender o nome do seu país, e deixá-lo avulsamente, evidentemente que ele vai ser corrompido pelo assédio maciço, que existe hoje e sempre existiu, das mulheres brasileiras. Até por motivo de elas serem em número maior, a carência de homem fica maior para elas, numa série de situações.

TUTAMÉIA: Então, você acha que é supercerto fazer a concentração?

JAIRZINHO: Supercerto, supercerto, eu sou treinador e quando eu pego meu time eu concentro. Se eu puder concentrar mais uns dias, eu vou concentrar, porque, além de ser treinador. eu sou ex-jogador, eu conheço muito bem o comportamento do homem. O cara, quanto mais atleta ele é, ele muito mais, vamos dizer, excitado ele fica, se é assim que pode dizer.

TUTAMÉIA: Na época, vocês tentavam fugir?

JAIRZINHO: Não, o que é isso? É o que eu estou te falando. Nós ficamos no Morumbi. O Morumbi estava ainda em construção. Estavam começando a construir o estádio. Então, pelo que eu estou te falando, você já vê que isso não passava e nem passa na minha cabeça, porque era o Brasil, rapaz. Era o Brasil, eu estava vestindo pela primeira vez a camisa da seleção brasileira. É que vocês, que não jogam, vocês não têm noção do que seja isso, entendeu?

TUTAMÉIA: Você lembra dos principais adversários?

JAIRZINHO: Ah, demos de 16 ou 17 a 0 nos Estados Unidos [NR: foi 10 a 0] e ganhamos bem, ganhamos de quatro na final dos uruguaios. O restante dos adversários, puxa, isso foi em 1963. Tem 40 anos.

TUTAMÉIA: E da sua carreira, qual você diria que foi o momento mais emocionante?

JAIRZINHO: Na minha carreira, o principal momento foi em 1970, pô, inigualável. Eu sou um jogador que em um Campeonato do Mundo ganhou quatro títulos. Num só título, fiz quatro: eu fui considerado o “Furacão da Copa”, como eu te falei. Eu sou o único jogador que fez gol em todos as partidas, como eu te falei. Eu fui considerado o melhor preparo físico, junto com o Brito –já são três. E, junto com meus companheiros, nós ganhamos definitivamente a Jules Rimet, pronto, quer mais? Quer mais título do que isso?

TUTAMÉIA: E dos gols da Copa, qual você acha mais legal?

JAIRZINHO: Não, todos eles foram importantes na minha vida e muito importantes para o Brasil.

Cada gol que se faz é uma emoção a mais, entendeu? Fazer um gol em Copa do Mundo é justamente o caminho para a sua realização. Isso é que me tornou o que eu sou hoje: o “Furacão da Copa”, pela minha grande performance e meus gols, que foram gols maravilhosos, para mim todos eles têm a mesma importância.

TUTAMÉIA: Hoje, como você está com o futebol?

JAIRZINHO: Eu sou treinador e também sou indicador de jogadores.

TUTAMÉIA: Conte um pouco de seu trabalho como treinador.

JAIRZINHO: Ah, eu trabalhei no próprio Botafogo, no Rio, na categoria juniores. Trabalhei na Venezuela, no primeiro time, que é a Portuguesa de Aquarigua, onde fui campeão venezuelano e classifiquei o time para a fase semifinal da Libertadores, sendo o primeiro clube venezuelano a passar da primeira fase. Fui também treinador na Bolívia, no Jorge Wilstermann. Treinei o Londrina, treinei o Calamata, na Grécia, treinei na Arábia Saudita o Aueda e Hiderrach. Fui campeão com o São Cristovão, do Rio de Janeiro, da segunda divisão, e treinei também o Bonsucesso, segunda divisão, e o Mesquita, no ano passado.

TUTAMÉIA: E os momentos tristes, desagradáveis, como jogador ou como técnico?

JAIRZINHO: Como técnico, a gente sabe que é uma normalidade você ganhar e perder. Como é também como jogador. Só que o técnico, por ser a principal figura, o comandante, ele recebe uma carga muito mais pesada, como a gente fala, uma cobrança maior. Nem sempre a gente consegue o objetivo, porque não depende só de você ter conhecimento tático, de você saber fazer um programa de treinamento, de fazer um cronograma de um próprio programa para você e, numa temporada, executar todo seu planejamento. Se você não tem bons jogadores, se você não tem um jogador inteligente que entenda toda a sua filosofia e que também faça a diferença na hora dos jogos. Isso foi tudo o que o Jair fez. Você precisa ter todos esses aparatos para você justamente chegar ao sucesso, porque jogar todo mundo joga, agora, saber jogar é bem diferente. Programa de treinamento todo mundo faz. Fazer tática todo mundo faz. Fazer jogadas ensaiadas todo mundo faz, agora o saber jogar aqui faz a diferença é o jogador mesmo, entendeu?

TUTAMÉIA: Como jogador, você traz ainda alguma mágoa?

JAIRZINHO: Não, eu só lamento que a minha carreira foi interditada com violência por três vezes. Em 1966, o Oldair, que era lateral-esquerdo do Vasco, quebrou meu pé, o quarto ou quinto metatarsiano do pé esquerdo. Depois eu tive refratura, depois eu fui o primeiro jogador do mundo a fazer enxerto ósseo. Aí voltei, fui para a Copa do Mundo de 70 e tive aquela performance. Imagine se eu não tivesse, heim? Depois, em 71, também esfacelou um músculo da perna esquerda mesmo, eu fiquei quase dois anos sem jogar e eu quase fiquei inutilizado. Esses são os dois pontos mais tristes da minha carreira, que me interditaram muito e quase não voltei a jogar.

TUTAMÉIA: Você ainda tem sequela e é por isso que você está fazendo fisioterapia ainda hoje?

JAIRZINHO: Essa é a sequela justamente dessa operação de 32 anos atrás. Rompi outra vez o músculo. Tive de fazer outra cirurgia e estou agora me recuperando.

TUTAMÉIA: Com o futebol, o que você ganhou do ponto de vista financeiro? Você ficou rico com o futebol?

JAIRZINHO: Com o futebol, eu ganhei tudo o que eu sonhei, eu me realizei. Ser um grande jogador, ser campeão de todas as categorias possíveis, ser campeão em quase todos os times que joguei. Consegui tudo isso. E o maior ganho disso tudo é eu até hoje ser reconhecido nas ruas e viver com muita felicidade porque as pessoas só me amam, só passo para elas bons fluidos.

Hoje tenho a minha tranquilidade de viver sem nenhuma dificuldade. Eu tenho a minha residência, tenho as minhas atividades particulares e estou muito feliz.

Sou casado já há 28 anos com a minha esposa Cristina. Meus filhos: a Janaína é a mais velha, é professora de jiu-jitsu, faixa preta, e o Jair está dentro também do futebol, está aí tentando um espaço.

E agradeça todo dia a Deus que você está vivo, que você pode olhar, pode andar, pode comer. Seja agradecido a Deus. Não peça nada. Agradeça. Essa é a minha mensagem.