“Voltou a ter um tipo de mendigo que não se via há séculos, que é o que bate à porta para pedir esmola. É a fome batendo na tua porta de novo, dizendo tô aqui, voltei”.
Esse é o recado que dona Maria do Socorro manda lá do interior do Ceará para o filho, o jornalista e escritor Xico Sá, que conversou com TUTAMÉIA sobre jornalismo, imprensa, o Brasil de hoje e a sanidade geral ameaçada pelo Planalto.
Xico Sá lembra as reportagens que fez sobre a fome no Nordeste nos anos 1990. Descobriu, no interior de Pernambuco, o “homem gabiru”, aquele que não conseguia crescer em razão pela fome crônica. “O homem gabiru era símbolo das décadas perdidas. Hoje volta a ser pauta uma matéria sobre fome. A gente volta à manchete do arrocho. O que está acontecendo com o Bolsa Família é criminoso”, afirma ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima).
A entrevista ocorre horas depois que o presidente da República, na saída do Alvorada, acompanhou um humorista que oferecia bananas aos repórteres. Xico, que cobriu a rotina de vários presidentes, em Brasília e em outras paragens, se confessa deprimido.
“Não tem cena mais deprimente. É desumano. Quantos cercadinhos [o lugar destinado aos jornalistas em coberturas] já não enfrentei? Mesmo com o pior dos piores presidentes eu recebia tratamento civilizado. Com Sarney, o máximo que ele reclamou foi no dia que fiz uma matéria desagradável para ele sobre domicílio eleitoral no Amapá. E o máximo que ele me xingou foi: ‘Ah, um Xico com X’. O máximo de xingamento. Para você ver o nível de civilização”.
Na entrevista, Xico avalia a cobertura da mídia na eleição de Bolsonaro e do cenário político. Ele, que acompanhou a prisão de PC Farias, prevê turbulências pela frente para o governo, com fraturas dentro do centro do poder. “Há vários Pedro Collor no horizonte”, diz.
Também fala de literatura, de futebol, da precarização do trabalho e das crônicas que escreve –uma penca delas está em “Crônicas para Ler em Qualquer Lugar”, livro que divide com Gregorio Duvivier e Maria Ribeiro, lançado há pouco.
“Você vai se embrutecendo. Nosso plantão com essa realidade maluca vai deixando a gente embrutecido. É depressão, indignação. Os fatos são muitos e nos tiram do sério, do lugar. É preciso não perder a sanidade nessa guerra maluca. Com bom jornalismo se combate essa crônica pesada que a gente está vivendo”.
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