“Eles não admitiam que a gente era preso político. Essa foi a grande batalha. Porque atribuía, forçados pela Marinha, que fôssemos apenas indisciplinados. O marinheiro era proibido de casar, antes de tantos anos de cabo. No teu dia de licença, de folga, não podia usar roupas de civil. Se o oficial canalha passasse, te encontrasse na rua fora de farda te prendia, essa era coisa que acontecia naquela época na Marinha. E a gente brigando contra essas coisas. Depois queria dizer que não tinha nada de política, que era só indisciplina.”
É o depoimento do marinheiro-jornalista Pedro Viegas, que atuou na redação do “Tribuna do Mar”, jornal da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil, no período imediatamente anterior ao golpe.
Viegas estava havia vários anos na Marinha quando conheceu a organização, conta ele ao TUTAMÉIA nesta entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2024. Convidado por um amigo, um dia apareceu na sede, na rua São José, no Rio de Janeiro:
“Aí foi a flecha que penetra no seu coração. Vi aquele grupo de marujos preocupado com o ensino, com os problemas na Marinha. Aí foi onde eu optei e fiquei direto, eu e o Moacir Almeida de Oliveira, um pernambucano, a gente se matava para fazer o tal de jornal. Era um tabloide mensal. Teve uma matéria terminei sendo condenado com base na minha participação no movimento e com agravante de ter contribuído com o jornal. O último artigo que eu escrevi no jornal Tribuna do Mar denunciava as prisões. Eu já tinha certeza de que seira expulso da Marinha”, diz ele.
“Perseguição e onde de prisão na associação fuzinauta” foi a manchete da edição de janeiro/fevereiro de 1964. Complementando o título, seguia-se o texto, em letras maiúsculas: “Pressão com perspectivas de fechar a Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil – Diretoria sob a mira de Tribunal Militar – O nosso crime foi promover a integração social das praças da Marinha marginalizadas – As autoridades nunca quiseram nos ajudar – (…) Perseguições, expulsões, pressões visam intimidar evolução social e cultural das praças da Marinha, É um fato clarividente advindo do aparecimento da Associação (…)”
Afirmando sua legitimidade e o grande apoio entre os marinheiros, a Associação faz uma grande festa para comemorar seus dois anos de existência. O auditório do Sindicato dos Metalúrgicos, cedido para o encontro, estava abarrotado naquele 25 de março de 1964, conta Viegas que, depois do golpe, participou da resistência armada à ditadura. Preso e torturado, foi um dos 70 presos políticos libertados em troca do embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher, capturado em 7 de dezembro de 1970.
Por considerar a festa insubordinação, o comando da Marinha tentou acabar com a reunião, o que acabou provocando o que ficou conhecido como a Rebelião dos Marinheiros. Uma companhia de fuzileiros navais foi mandada para reprimir, mas acabaram se bandeado para o lado dos marinheiros. Houve outras tentativas de avanço contra o grupo:
“Antes da chegada dos fuzileiros já tinha aparecido lá um grupo de oficiais com metralhadoras, coisa de intimidação”, lembra Viegas, que tinha então 26 anos.
Não intimidou ninguém: “Nesse meio tempo, o pessoal que estava a bordo, em solidariedade àquele encontro, o pessoal que estava de licença, marchou em direção à saída do Ministério. E ali, os oficiais que estavam acantonados no ministério, que era a saída para a rua, na verdade, disparam armas e feriram algumas pessoas. Um deles, meu grande amigo Adeíldo Ramos”.
Um dos marujos do grupo atacado pelos oficiais foge, se atira no mar, escapa a nado e consegue chegar mais tarde à sede do sindicato:
“Chegou à assembleia molhado como um pinto. Relatou essa questão do tiroteio, essa coisa toda. E ali começou a rebelião. Porque ninguém podia aceitar esse tipo de postura da Marinha.”
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
Inscreva-se no TUTAMÉIA TV e visite o site TUTAMÉIA, https://tutameia.jor.br, serviço jornalístico criado por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena.