“O SUS e os seus profissionais da saúde são os heróis da pandemia”. A avaliação é do médico Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, em entrevista ao TUTAMÉIA onde examina a evolução da covid 19 no Brasil e os seus próximos desdobramentos, a resposta do SUS e os conceitos por trás da disputa entre os que pretendem privatizar a saúde pública no país e os que defendem que saúde é direito –como está na Constituição–, não mercadoria.
Mestre em medicina Social e doutor honoris causa pela Universidade Federal da Bahia, Guimarães é professor do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada à Saúde (NUBEA/UFRJ). Foi secretário de ciência, tecnologia e insumos estratégicos do Ministério da Saúde (2007-2010) e vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da Fundação Oswaldo Cruz (2005-2006). Nesta entrevista (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV), ele afirma que os números de descenso da doença no país estão muito longe de significar que a pandemia esteja perto do seu fim. Trata da necropolítica de Bolsonaro, da ganância do setor privado no processo, da batalha pelo uso de máscaras, da reabertura das escolas e das perspectivas para a vacina. “A vacina não será bala de prata”, declara.
“Na sucessão de derrotas [para a saúde e para a ciência] e interrogações que persistem, o presidente da República tem uma enorme responsabilidade –nas derrotas. Ele, no seu isolacionismo, na sua cumplicidade com o vírus fez com que o próprio sistema de saúde se fragmentasse mais do que ele já está fragmentado. O presidente rompeu com os secretários estaduais, militarizou e humilhou o Ministério da Saúde, que é o gestor federal do SUS. A gente não pode dizer que ele é louco, porque os loucos são inimputáveis, e eu acho que em algum momento da história ele será imputado por esse comportamento criminoso que vem tendo desde março deste ano”, defende o professor.
Guimarães avalia que o país está bem posicionado, com o Butantã, com o Bio-Manguinhos e com o Programa Nacional de Imunizações no SUS para enfrentar os desafios da vacina. “Mas não estamos tão bem com a capacidade desse conjunto de instituições funcionar a 100% da sua carga e da sua competência em função de entraves de caráter político, como a gente já está vendo o presidente fazer. O Programa Nacional de Imunização tem uma enorme experiência com logística. Trabalha com 30 mil, 40 mil salas de vacinação nas campanhas nacionais. Sabe fazer isso. Quem pode atrapalhar? Mais uma vez, o presidente da República”.
O médico discorre sobre as origens do SUS e compara o sistema brasileiro com o da Grã Bretanha. Criado no pós-guerra, este teve décadas para se firmar como instituição até começar a ser enfraquecido a partir do governo de Margaret Thatcher, nos anos 1980. Já o SUS, concebido na Constituição de 1988, que estabeleceu que a saúde é um direito da população e um dever do Estado, enfrentou desde o seu início um movimento de cortes de financiamento e uma campanha de ataques, promovida pelas elites, para desconstruí-lo.
Agora, em plena pandemia, Bolsonaro ataca o SUS anunciando a ideia de privatização. Esse movimento, na visão do médico, ocorre justamente porque o SUS está recuperando a sua imagem, demonstrando ser crucial para a saúde dos brasileiros, apesar das suas falhas. Assim, o embate entre o público e o privado, volta ao centro. Para Guimarães, a privatização fere o conceito básico do SUS.
“Para os planos de saúde e para os grandes grupos internacionais, que estão no Brasil e cada vez mais dominam a cena da saúde no país, a saúde não é um direito. A saúde é uma mercadoria, a saúde é para dar lucro. Essa é a questão básica, que está na raiz de toda a diferença. Saúde como direito significa que a quantidade e a qualidade da prestação de serviço da saúde não dependem da capacidade de cada um pagar por isso. Foi isso que inspirou os construtores da ideia do SUS. Por isso que essa ideia de modernização não é uma ideia, como essa posta por esses mesmos grupos, não é uma ideia que reforce a ideia de saúde como direito”, afirma.
Diz Guimarães: “Não podemos nos curvar nem à pandemia nem ao negacionismo. É preciso enfrentar os dois, que é uma mesma luta. Desejo que a gente possa construir alternativas políticas tanto gerais quanto de saúde –essas no sentido do aperfeiçoamento do SUS– para que o SUS não seja considerado heroico apenas em situações de pandemia”.
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