“A pandemia do coronavírus vai nos ajudar a conscientizar a sociedade brasileira da inviabilidade do agronegócio. Vai mostrar que precisamos recuperar o conceito de soberania alimentar. Essa crise já derrotou a ideologia neoliberal de que o mercado resolve tudo. Derrotou a ideologia do egoísmo, do individualismo e do consumismo. A solidariedade emergiu como um valor da sociedade brasileira. Hoje o que está salvando o povo brasileiro é o próprio povo”.
A análise é de João Pedro Stedile ao TUTAMÉIA (acompanhe a entrevista no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Para o líder do MST, ficou claro que o modelo que prioriza a produção de commodities para exportação “não nos protege do ponto de vista da saúde humana e das condições objetivas da vida”. Ele fala de ensaios científicos que ligam o surgimento de vírus à destruição da natureza e à produção industrial de animais com o surgimento de vírus. Cita os ataques à biodiversidade e o uso intensivo de agrotóxicos –15 litros de veneno por hectare, lembra– como fatores importantes que provocam desequilíbrios que resultam no surgimento de enfermidades.
“Nós precisamos recuperar o conceito de soberania alimentar, que é diferente do da segurança alimentar. No conceito de segurança alimentar cabe aos governos garantir que sua população se alimente, não passe fome, mas não diz como. Agora fica evidenciado o acerto da tese dos movimentos camponeses, dos cientistas e do papa Francisco: é necessário desenvolver a soberania alimentar. Ou seja: que o Estado e o governo induzam políticas públicas para que se produzam os alimentos no próprio território. E que o comercio internacional seja feito apenas com os excedentes de cada país”, afirma.
Na sua visão, “vamos sair desse período com uma consciência maior entre a população de que o modelo do agronegócio não resolve o problema da agricultura e nem da produção de alimentos sadios. Assim, adquire uma função social muito mais importante o agricultor familiar. E também fica clara a necessidade de dar outra destinação à terra. O tema da reforma agrária, que havia sido esquecido nas universidades, na imprensa e até por setores da esquerda iludidos com o agronegócio, agora vai ressurgir com muito mais força”.
Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, Stedile fala de “Experiências Históricas da Reforma Agrária no Mundo, Volume 1”, livro que organizou e que está sendo lançado nesta semana pela Expressão Popular. Trata da correlação de forças políticas e das propostas elaboradas pelos movimentos populares, pela Frente Brasil Popular e pela Frente Povo Sem Medo para enfrentar a crise sem precedentes que estamos vivendo. “São propostas de como salvar o povo brasileiro e a economia”, declara. Dizem respeito à destinação dos recursos do orçamento, à taxação dos mais ricos, à prioridade aos mais pobres.
Ideias que, para o líder do MST, não sensibilizam o governo Bolsonaro, de características neofascistas. “Todo o governo autoritário tem muro nos ouvidos”, afirma.
Stedile discorre sobre os desafios da oposição num momento em que não é possível fazer manifestações públicas. “Política de massas é ir para as ruas. Agora, nós só podemos ir para as janelas. O equilíbrio que existe agora é provocado contraditoriamente pelo próprio coronavírus. Ele ajudou a desmascarar o governo Bolsonaro e, ao mesmo tempo, impede que haja um movimento de massas que o derrube. Mas ele não tem mais condições políticas. Faz um discurso permanente fascista e de ódio. Ele já não agrega forças suficientes para representar a sociedade brasileira. O governo já acabou. O problema é como vamos substituí-lo”, opina.
Para o líder do MST, Bolsonaro, com sua mente fascista, não renuncia sem a pressão dos militares. Esses, na sua análise, estão mostrando cautela e certo distanciamento. Ao TUTAMÉIA, Stedile desenha algumas possibilidades de saída para a crise, descarta a hipótese de caos social, lembra das iniciativas de entrega de alimentos aos mais pobres e se declara otimista:
“Haverá mudanças. A sociedade brasileira não tem mais como aguentar mais três anos desse governo. Veja como se criou uma imensa rede de solidariedade no povo. O que está salvado o povo brasileiro é o próprio povo. A solidariedade emergiu como um valor da sociedade brasileira. Terminada a crise do coronavírus essa solidariedade vai nos levara a fazer manifestações muito maiores contra o governo, para derrubá-lo. Sairemos melhores. A crise vai ajudar a expurgar os nossos defeitos, vamos sair mais conscientes. Não é possível mais a sociedade se organizar em torno do lucro, do mercado, ficando refém de governos neofascistas autoritários. Vai crescer a visão de uma nova sociedade mais justa, mas fraterna, que debate a construção de outros valores”.