“Nós estamos, cada vez mais, reféns de um sistema financeiro que praticamente domina a imprensa brasileira. Ou seja, a questão do déficit fiscal aparece na primeira página, segunda página, na terceira página. Ou seja, ninguém fala da taxa de juros, de 10,25%, em um país com inflação de 4%. Ninguém fala. Pelo contrário, faz uma festa para o presidente do Banco Central, em São Paulo. Normalmente, os que foram na festa devem estar ganhando dinheiro com a taxa de juros.”

Assim falou o presidente Lula em entrevista coletiva concedida depois de sua participação em reunião da Organização Internacional do Trabalho e na Cúpula do G7, em 15 de junho. O presidente respondia a uma pergunta sobre a questão fiscal e os gastos do governo, quando também afirmou:

“Vou dizer em alto e bom som: a gente não vai fazer ajuste em cima dos pobres. Porque os que ficam criticando o déficit fiscal, os que ficam criticando o gasto do governo são os mesmos que foram para o Senado e aprovaram a desoneração de 17 grupos empresariais. São os mesmos. E que ficaram de fazer uma compensação para suprir o dinheiro da desoneração e não quiseram fazer. Então, eu disse para o Haddad: “Haddad, não é problema mais do governo, o problema agora é deles”. A decisão da Suprema Corte diz que, dentro de 45 dias, se não tiver o acordo, está válido o meu veto. Aí não vai ter a desoneração. Então, agora, os empresários se reúnam, discutam e apresentem para o ministro da Fazenda uma proposta de compensação.”

E ainda:

“Mas deixa eu te falar uma coisa, eu às vezes fico incomodado, porque eu não sou presidente de um ano. Eu já vivi isso muitas vezes. Acontece que nós estamos, cada vez mais, reféns de um sistema financeiro que praticamente domina a imprensa brasileira. Ou seja, a questão do déficit fiscal aparece na primeira página, segunda página, na terceira página. Ou seja, ninguém fala da taxa de juros, de 10,25%, em um país com inflação de 4%. Ninguém fala. Pelo contrário, faz uma festa para o presidente do Banco Central, em São Paulo. Normalmente, os que foram na festa devem estar ganhando dinheiro com a taxa de juros. Normalmente. Então, eu acho que a discussão econômica é muito séria. Ela é mais séria. Nós temos que sentar e eu sento na mesa com todos os meus ministros para discutir com seriedade o que a gente tem que fazer. Agora, achar que nós temos que piorar a saúde, que nós temos que piorar a educação para melhorar, isso é feito há 500 anos no Brasil. Há 500 anos. Há 500 anos o povo brasileiro não participava do Orçamento.

E completou:

“O povo pobre ficou esquecido. Se não tem dinheiro, vamos deixar o pobre para lá. Não, gente, não é possível. Eu quero acabar com a pobreza nesse país. Eu quero criar um país de classe média baixa, onde todas as pessoas possam trabalhar, estudar, comer e almoçar. Ir no restaurante no final de semana e ainda passear com a sua família. É possível construir esse país. E eu vou repetir uma máxima que muitos não gostam que eu fale: tem muito dinheiro na mão de poucos e pouco dinheiro na mão de muitos. Quando a gente reverter isso, você vai perceber como o Brasil vai melhorar de forma extraordinária. Todas as estabilidades — jurídica, política, social, econômica e fiscal. É isso.”

Ao longo da entrevista, o presidente da República tratou de assuntos como o genocídio que Israel comete em Gaza, tentando arrasar o povo palestino, e a guerra dos Estados Unidos e da Otan contra a Rússia, por meio da Ucrânia. Também abordou questões internas do Brasil, como a situação econômica do país e o projeto de lei que equipara aborto a homicídio. Leia a seguir destaques das afirmações de Lula sobre esses temas.

GENOCÍDIO EM GAZA

O que eu falei na primeira entrevista que eu dei, na União Africana, sobre o que acontecia em Israel, eu mantenho 150% do que eu falei. Mantenho 150%. E aconteceu, porque o primeiro-ministro de Israel não quer resolver o problema, ele quer aniquilar os palestinos. Isso está possível em cada gesto dele, em cada ato dele. Vamos ver se ele vai cumprir a decisão do Tribunal Internacional. Vamos ver se ele vai cumprir a decisão tirada da ONU agora. Então, é por isso que nós defendemos uma mudança na ONU. Porque, quando a ONU tomar uma decisão, ela precisa ser cumprida. E eu quero dizer em alto e bom som: só será resolvido os conflitos no Oriente Médio, entre o governo de Israel e o povo palestino, no dia que a ONU tiver força para implementar a decisão que demarcou o território, em 1967. E deixar os palestinos construírem sua pátria livremente. E viver harmonicamente com o povo judeu. É isso que eu quero. É isso que eu sonho e é por isso que eu vou brigar a vida inteira. Não dá para a gente deixar de enxergar o que está acontecendo lá. Não dá. É efetivamente um genocídio contra mulheres e crianças o que está acontecendo. É triste, mas o tempo se encarregou de provar que eu tinha razão quando fiz a crítica no primeiro momento.

PAZ NA UCRÂNIA

A presidenta da Suíça, presidenta Viola (presidenta da Confederação Suíça, Viola Amherd), ela foi a Genebra conversar comigo, em um gesto de gentileza dela, pegou um avião e foi a Genebra, porque ela queria nos convidar para participar da reunião que está havendo, neste final de semana, para discutir a questão da paz. E eu disse para ela que o Brasil tinha tomado a decisão de não ir, porque o Brasil só participará de reunião para discutir a paz quando os dois lados em conflito estiverem sentados na mesa. Porque não é possível você ter uma briga entre dois e você achar que se reunindo só com um, você resolve o problema.

Como ainda há muita resistência, tanto do Zelensky (Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia), quanto do Putin (Vladimir Putin, presidente da Rússia), de conversar sobre paz, cada um tem a paz na sua cabeça, do jeito que quer, e nós estamos, depois de um documento assinado com a China, pelo Celso Amorim e pelo representante do Xi Jinping, nós estamos propondo que haja uma negociação efetiva. Que a gente coloque, definitivamente, a Rússia na mesa, o Zelensky na mesa, e vamos ver se é possível convencê-los de que a paz vai trazer melhor resultado do que a guerra. Na paz, ninguém precisa morrer, não precisa destruir nada. Não precisa vitimar soldados inocentes, sobretudo jovens, e pode haver um acordo. Quando os dois tiverem disposição, nós estamos prontos para discutir.

CRECIMENTO ECONÔMICO, IMPOSTOS E TAXA DE JUROS

O que eu posso te dizer é o seguinte: nunca antes na história do país houve um presidente da República que tivesse a preocupação de cuidar do povo. E eu sei que isso incomoda. Os nossos cuidados com as trabalhadoras domésticas incomodam. O nosso trabalho do Bolsa Família, garantindo que as pessoas tenham mais, incomoda. O nosso trabalho de diminuir o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 — que é o que nós vamos fazer antes de terminar o meu mandato — incomoda. Nesse país, a Petrobras acaba de pagar R$ 45 bilhões para os acionistas como dividendos e não ficou R$ 1 de Imposto de Renda. Um real. O cidadão que tem uma herança paga menos Imposto de Renda do que o cara que ganha três salários mínimos. Então, é preciso fazer uma reversão, que a gente está tentando fazer. E a gente tem resistência, mas nós somos teimosos.

Então, eu vou continuar trabalhando para que haja uma ascensão social nesse país, capaz de a gente dar um salto de qualidade na vida do nosso povo. Eu vou provar isso. Então, tem gente que fala: “o Lula agora teve esse processo contra ele e acabou, agora é o fim dele”. E eu voltei. Voltei. E não me provoque mais, não me provoque mais. Porque o que eu quero é terminar o meu mandato com a maior decência possível, quero levar a economia brasileira para ser a sexta economia do mundo até o final do meu mandato. Presta atenção no que estou falando: quero fazer a economia voltar a ser a sexta economia do mundo. Nós chegamos a ser a sexta, em 2011. Agora, voltamos para a 12ª e agora estamos na 8ª. Eu, quando vejo as páginas dos jornais, “PIB vai crescer 0,8%”, “PIB vai crescer 0,7%.” E aí, quando cresce mais, as pessoas ficam com vergonha de publicar. Quando dá muito emprego, sabe, foram 2,2 milhões de empregos em 15 meses. E as coisas vão continuar acontecendo, presta atenção no que eu vou dizer para vocês. Presta atenção: a nossa economia vai crescer mais do que todas as previsões negativas, nós vamos continuar gerando emprego. O governo vai continuar fazendo parceria com o setor privado para fazer investimento, a gente vai continuar investindo em educação, a gente vai continuar investindo em saúde, porque a saúde não é uma coisa qualquer. A minha briga com a saúde é porque nós precisamos dar ao povo o respeito que o povo merece.

Nós precisamos garantir ao povo os direitos elementares que ele tem direito. E eu acho que é possível fazer isso. É engraçado, porque eu vou repetir uma coisa que eu falo todo dia: a única coisa que não é tratada como gasto é o dinheiro que a gente paga de juros de uma dívida, por conta da alta da taxa de juros. Isso é gasto. Quanto de dinheiro a gente paga, todo ano, de juros, que poderia estar sendo investido em saúde, em educação, em mais universidades, em mais emprego, em mais desenvolvimento, em mais ferrovia, em mais rodovia.

ABORTO, QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA

A gente precisa tratar o aborto como uma questão de saúde pública. E eu acho que é insanidade alguém querer punir uma mulher com uma pena maior que o criminoso que fez o estupro. É, no mínimo, uma insanidade isso. Eu, sinceramente, a distância, não acompanhei os debates muito intensos no Brasil. Quando eu voltar, vou tomar ciência disso. Eu tenho certeza que o que tem na lei já garante que a gente aja de forma civilizada para tratar com respeito, para tratar com rigor, o estuprador. E para tratar com respeito a vítima. É isso que precisa ser feito. Quando alguém apresenta uma proposta de que a vítima tem que ser punida com mais rigor do que o estuprador, não é sério. Sinceramente, não é sério.