“Não houve nenhum momento, desde 1989, em que as Forças Armadas tivessem tanta unidade interna como agora. Elas estão unificadas num projeto entreguista, antidesenvolvimentista, conservador, reacionário”.

A avaliação é de Roberto Amaral, falando ao TUTAMÉIA. Ministro da Ciência e Tecnologia no governo Lula, ele classifica a situação atual como um “processo de golpe continuado”. “Se depender da vontade exclusiva do capitão, nós não teremos eleições Se depender da vontade dos generais, dos almirantes e dos brigadeiros, nós não teremos eleições”.

Para ele, o desfile militar no dia da votação sobre o voto impresso tem um caráter didático. “Mostra que é muito fútil pensar que o capitão está isolado nas Forças Armadas, ou que ele não encerra um consenso nas Forças Armadas. Há um consenso nas Forças Armadas em torno desse projeto. O capitão é um elemento contingente desse processo. Era o cavalo que passou selado a frente dos generais. Foi o instrumento de retomar o governo –e eles retomaram”.

Advogado, jornalista, professor, Amaral, 81, tem uma longa trajetória política. Atuou na campanha em defesa da Petrobras, nos anos 1950, foi líder estudantil, militou no PCB, no PCBR. Foi presidente do PSB, do qual se desligou após o partido optar por Aécio na disputa eleitoral.

Para ele, será difícil ocorrer uma ruptura maior neste momento. “Eles demoraram na urdidura do processo, e começa a haver a reação da chamada sociedade civil organizada. Não há nenhum exemplo no país de um golpe dado contra a Casa Grande. A Casa Grande, que hoje é a Faria Lima, acabou de dizer que não concorda com a ruptura do processo eleitoral. Ela está preocupada com os seus interesses. O capitão e as Forças Armadas estão encontrando resistência que considero inédita no Supremo. O TSE teve um papel importante na defesa da licitude, da legitimidade do processo eleitoral”.

Diz Amaral:

“O capitão não tem a menor preocupação em relação ao voto impresso. Isso é um pretexto para criar um caos, para criar a dúvida. E ele vai levar isso até o final do processo, para tentar deslegitimar as próximas eleições e o seu adversário, que deve ganhar as eleições. Com isso, ele cria um clima de instabilidade, e o presidente que lhe suceder, se conseguir tomar posse, governará com fragilidade. O modelo não é novo. É de 1950” –quando a direita atuou de forma constante para inviabilizar o governo de Getúlio Vargas.

Para Roberto Amaral, “o Exército não tem tradição legalista, não tem tradição democrática e não tem tradição de defesa dos interesses nacionais. A tradição do Exército é golpista”.

Nesta entrevista, o político discorre sobre a história dos golpes no Brasil e do alinhamento, no século 20, aos EUA (clique no vídeo para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“Acabou a guerra fria, mas nós continuamos a serviço dos interesses dos Estados Unidos, do imperialismo americano no mundo. As Forças Armadas optaram por se transformar nos gendarmes do que eles chamam ‘da ordem e da lei’. Esse não é papel das Forças Armadas, isso é papel da polícia. Não temos Forças Armadas capazes de fazer a defesa do território nacional”.

EUA E LULA

Amaral lembra da política externa altiva e ativa dos governos de esquerda, que buscou a integração sul-americana, contornando o histórico poderio estadunidense na região.

Agora, com a possibilidade de eleição de Lula, o que os EUA podem fazer?

“Os Estados Unidos não farão nada ostensivo contra a eventual eleição do Lula. Mas farão todo o possível para que haja uma alternativa a Lula. Tudo que for possível. Nunca tivemos na história republicana um governo tão pró-americano quanto esse de agora. Por que os EUA vão se voltar contra isso?”, pergunta.

Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, Amaral analisa as dissidências no bloco de poder, a disputa eleitoral e os desafios para a esquerda. Ele ressalta que o quadro é bem mais complexo do que o de 2002, quando Lula foi eleito. “Naquele momento, não tínhamos o quadro político-militar que temos hoje”.

FRENTE AMPLA E MAIS AMPLA

Na visão do jornalista, é preciso fazer “a grande frente para derrotar o que aí está”:

“Não vai ser fácil. É muito poder. Temos que ter competência para receber todos os dissidentes e avançar. Como fizemos em 1985, para conseguir a Constituição de 88. Tivemos que compor com a dissidência da ditadura, Aureliano Chaves, Sarney e outros. Nós agora temos que ter os braços abertos para acolher todos aqueles que estiverem contra o que aí está”.

Ele segue:

“Para a Faria Lima, Lula –ou quem quer que represente o que que Lula representa –é a última opção. Quem bem reflete isso é FHC. Eles querem uma alternativa a Bolsonaro que não seja Lula. Uma forma [de buscar esse objetivo] é inviabilizar a candidatura do Lula. A outra, é criação de uma candidatura viável. Esse é o ponto fraco deles: não conseguiram nem organização de forças nem um nome. Eles têm presente o fiasco de Alckmin”.

Sobre Lula, ele afirma:

“Ele vai tentar ampliar e vai precisar ampliar. Ele terá que ampliar ainda mais para tomar posse. Vai ter que ampliar na campanha e ampliar ainda mais para poder governar”.

“Lula vai encontrar, se for eleito, um clima com as Forças Armadas acuadas, politizadas, partidarizadas. Interesses do capital interno e internacional em face das privatizações e a falência da burguesia nacional, que hoje faz parte do monopólio financeiro internacional. Um quadro difícil”.

A saída, aponta Amaral, está na organização popular. “Precisamos fortalecer a organização. As dificuldades são claras, a crise dos partidos, do sindicalismo, da sociedade civil organizada, da universidade brasileira. Há a pandemia. Mas estamos aos poucos  retomando o nosso papel de agentes da política”.