“O que fez esse setor da classe dominante que está governando o Brasil foi retirar qualquer papel importante do povo organizado de influir na vida do país, de exercer a pressão, a cobrança, de se mobilizar, de propor. Não: foi destruindo por dentro da máquina pública toda e qualquer oportunidade de o povo acompanhar por ali, fiscalizar por ali, acompanhar a execução, de onde vem o dinheiro, para onde dever, onde está chegando… Tudo isso foi neutralizado, destruído até, e precisa o povo retomar a sua caminhada. E não é dependendo de favor da autoridade local ou estadual, é ir retomando aos pouquinhos.”

Palavras de Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul, um dos mais combativos líderes sindicais durante a ditadura militar. Aos oitenta anos, segue firme em defesa da democracia, apontando que o caminho do progresso passa pelo povo ser protagonista da história, como diz ao TUTAMÉIA na véspera do aniversário de 250 anos de Porto Alegre, cidade que dirigiu de 1989 a 1992:

“De baixo para cima, há que ter uma reação. É nisso que eu estou apostando. Nossa proposta tem de ser sempre o resgate da democracia e a busca de qualificá-la permanentemente, e não de cima para baixo. Isso significa protagonismo do povo, significa fortalecer as organizações populares –sindicatos, associações—e combater todo e qualquer preconceito, toda e qualquer visão estreita. É fundamental que tenhamos um governo que não despreze, que não ignore, que não secundarize, que não desrespeite a cultura e os seus criadores, os seus instigadores.”

Na conversa, o ministro das Cidades no primeiro governo Lula lembrou um pouco de sua trajetória, falou dos problemas do Rio Grande do Sul, defendeu a pré-candidatura de Edegar Pretto ao governo e destacou que o trabalho político deve ser amplo e de construção de alianças –como a que pode levar Manuela D´Ávila a ser candidata ao Senado (clique no vídeo para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Amante da cultura e entusiasta da poesia gauchesca, não deixa de trazer à baila uma quadrinha de Mário Quintana  –também lembra como surgiu o apelido de Galo Missioneiro, que o acompanha há décadas. Mas centra sua fala na avaliação do momento político, que considera grave, alertando que o governo Bolsonaro não está derrotado:

“Esse governo que está aí está perdendo significativamente sua base de apoio. Mas ele ainda tem ferramentas para tentar reduzir a perda de apoio. Está fazendo agora algumas medidas: dá um auxiliozinho aqui, uma coisinha lá, mantendo o fundamental da estrutura neofascista do estado brasileiro. Então é preciso debulhar bem isso no embate e no debate e na boa luta política.”

E segue:

“Esse cidadão vai ter sempre um núcleo em volta dele. Empregou familiares, amigos dos familiares, facilitou negócios dos grupos econômicos, de setores de algumas igrejas, é evidente que ele tem por ali algum acesso, alguma faixa do povo brasileiro que não tem acesso ainda à informação mais variada, diversificada, mais formativa, informativa, e isso tem de ser trabalhado.”

O que acontece, avalia Olívio Dutra, “é um processo nesse país em que o pensamento democrático foi sendo aprisionado por um neofascismo, dentro do neoliberalismo”.

O que não significa que vai continuar para sempre:

“Acho que essa eleição vai possibilitar um ressurgir, um retomar de um pensamento de interpretação do Brasil que faça essa relação, não estreite essa visão, mas que a alargue e a enriqueça com a participação de milhares de pessoas da classe trabalhadora, de suas entidades e de seus movimentos, no campo e na cidade.”

E propõe:

“Precisamos construir alternativas que afirmem a necessidade do desenvolvimento economicamente viável, ecologicamente sustentável e socialmente justo. Isso é fundamental. Todos os que tiverem esse pensamento são oposição à estrutura do capitalismo neoliberal, que não tem essa visão, do desenvolvimento economicamente viável, que não seja o desenvolvimento do capital, assegurar o lucro maior possível no menor prazo. O desenvolvimento precisa ser sustentável, o que significa que precisa também distribuir. Desenvolver e ir distribuindo a renda. Tudo isso é uma construção. E é um pensar que não pode ser apenas nas universidades ou na cabeça das melhores pessoas; isso tem de se espraiar, tem de chegar ao povo mais simples, mas sábio, que com esse material pode influir em como fazer as coisas acontecerem para o bem da maioria.”