“Quando a notícia chegou, era uma coisa muito surrealista. A gente estava esperando enfrentamento militar e, de repente, tem uma manobra no Congresso. Começaram a chegar pelo eixo central os soldados de Minas. Mas eles vêm em ônibus municipais confiscados ou requisitados. Vinham com o fuzil entre as pernas muito mal acomodados ali naqueles ônibus urbanos. Dava um sentimento um pouco de gozação, de ridículo”.
Memórias que o historiador Luiz Felipe de Alencastro traz ao TUTAMÉIA sobre o dia do golpe militar em 1964. Então estudante da recém-criada UnB, ele fala das disputas políticas daquele momento, do período de exílio e da conjuntura atual:
“Acho que a gente está blindado contra esses desastres todos. Porque a sociedade brasileira é muito forte e estruturada. Não se deixará de novo envolver em manobras como as que a gente sofreu”, afirma.
Autor de “O Trato dos Viventes”, professor aposentado da Sorbonne, Alencastro militava no movimento estudantil naquele março/abril de 1964.
“Estávamos na UnB e alguém disse: ‘Olha, o Congresso está se reunindo, é um golpe, está se preparando alguma coisa’. Nós fomos para o Congresso, para a Câmara, assistir, mas eu dormi. Porque eu estava tão transtornado, já há duas noites com essa agitação. Cheguei lá, aquela coisa de veludo, eu cochilei. Anos depois, o Paulo Henrique Amorim, que estava lá, escreveu que eu estava lá também. Então eu dormi, porque eu não vi nada”, conta.
Analisando o jogo político do pós-golpe, o historiador avalia que muitos ainda acreditavam que os militares logo devolveriam o país à sua trilha institucional, mantendo as eleições presidências previstas para 1965.
“Quando Juscelino votou com o Castelo, a impressão era de que ele estava controlando militares inexperientes. Depois, Castelo disse que não haveria a eleição de 65 e cassou Juscelino. Há um golpe, e os golpistas militares dão um tombo, passam uma rasteira nos políticos mais experientes do pós-guerra no Brasil. Não era qualquer capiau, não. Juscelino, Tancredo o pessoal em torno do Jango”.
Nesta entrevista, gravada em 13 de fevereiro de 2024, Alencastro, 78, também contesta análises que sustentam a popularidade da ditadura: “Em 1965, um ano depois do golpe, Juscelino impõe a primeira derrota à ditadura com vitórias para os governos da Guanabara [com Negrão de Lima] e de Minas Gerais [com Israel Pinheiro]. Dois juscelinistas. A melhor sondagem é a eleição: ganharam os candidatos do Juscelino. Foi uma vitória acachapante”.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
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