“Precisa cair a ficha da gravidade do que a gente está vivendo. Em Manaus teve gente morrendo por falta de atendimento, por falta de oxigênio. É muita ingenuidade nossa achar que isso não vai acontecer em São Paulo, no Rio de Janeiro. O que acontece no Amazonas pode ser um prenúncio do que pode acontecer no resto do Brasil nos próximos meses, se a gente não tomar atitudes sérias para prevenção. A gente não pode viver nesse mundo de fantasia de achar que comigo não vai acontecer. É preciso tomar vergonha na cara e reforçar as medidas de quarentena”.
O alerta é de Natalia Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, em entrevista ao TUTAMÉIA. O que é tomar vergonha na cara? A cientista responde:
“As pessoas relativizam muito as medidas de segurança para conseguir, no fundo, fazer o que elas querem, que é não abrir mão da vida social, da vida profissional. E a gente vai ter que abrir mão. O que a gente pode abrir mão é da vida social, porque tem muita gente que não pode abrir mão da vida profissional. O mínimo que a gente pode fazer é abrir mão da nossa interação social. Ouço dizer: “Ahh… eu não quero abrir mão da festa”. A gente tem que começar a pensar em quais são as nossas prioridades. Eu fiquei assustada com as prioridades das pessoas na época de Natal e de Ano Novo. A quantidade de pessoas que disseram que não dá para não comemorar o Natal. Não??? Você não pode passar um único ano da sua vida sem comemorar? Sabendo que se você fizer isso você não vai estar protegendo os seus pais, os seus entes queridos?”
Para Natalia, é chocante constatar que esse posicionamento ocorre muito entre as pessoas que têm condições econômicas de realizar a quarentena de forma plena:
“São pessoas que, como nós que estamos aqui na frente do computador, podem fazer home office, têm condição de cumprir todas as regras de quarentena e não cumprem porque não querem. Enquanto tem um monte de pessoas que não têm essa opção. São pessoas que precisam trabalhar para viver, porque para elas a escolha é entre morrer de covid e morrer de fome. Tem gente que vai precisar sair, usar transporte público. Se a gente não faz a nossa parte, a gente aumenta o risco dessas pessoas. Qual o tamanho do egoísmo disso? Acho que é isso que é tomar vergonha na cara”.
Nesta entrevista (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV), Natalia trata da evolução da doença no Brasil e da esperança vinda com a vacina, ainda muito escassa.
“A pandemia está descontrolada e chegou a esse ponto por falta de coordenação centralizada do governo federal, por falta de vontade política de estabelecer diretrizes claras para a contenção dessa pandemia. Estamos numa situação bastante caótica, com hospitalizações crescendo. Temos uma população que hoje está bastante cansada das medidas de quarentena e um pouco desconectada demais da realidade, como a gente viu nas festas de final de ano. Não é uma negação total. As pessoas até entendem a pandemia, mas negam a realidade, na medida em que aquilo afeta as liberdades individuais que elas não querem abrir mão. E isso é muito difícil de combater. Não é uma população que não tenha acesso à informação. A informação está aí todos os dias. Quando a informação diz alguma coisa que rebate o que eu quero, eu escolho não acreditar. Isso a gente tem visto na população como um todo e, com certeza, agravou os números da pandemia agora em janeiro, lotando os hospitais, as UTIs”.
Sobre as vacinas, diz a bióloga:
“Finalmente a gente vi a luz no final do túnel que é o início da vacinação. Isso deixa a gente muito feliz; temos duas vacinas aprovadas, seguras e eficazes. Ao mesmo tempo, a gente precisa das vacinas nos postos de saúde. Temos poucas vacinas. A gente sabe que tem um longo caminho nesse túnel e um monte de empecilhos. Empecilhos que vão desde o comportamento da população, passam por logística, importação de insumos, produção local, envase, distribuição. Não está fácil para o Brasil: ter todos esses problemas e entraves com um presidente da República que diz que a gente vi virar jacaré se for vacinado!”
Na avaliação de Natália, dadas as atuais condições, a vacinação vai se estender por todo o ano de 2021. Mas, a partir de meados do ano, quando é possível que os grupos de risco já tenham sido imunizados, a vacinação já começará a ter algum impacto, com a redução dos casos graves e das mortes. “Vai desafogar o sistema de saúde, mas, até o final do ano, é máscara, e evitar aglomeração”. Durante todo o ano, ressalta, haverá ainda doença e mortes e doença, mas, com o avanço da vacinação, o panorama começará a mudar, com mais pessoas podendo ser tratadas em casa, sem necessidade de hospitalização.
“As vacinas foram desenhadas para evitar doença e morte; não em parar a transmissão do vírus, o que é um segundo passo. Controlar o vírus vai demorar. Mas a gente vai controlar a doença”, afirma.
Ao TUTAMÉIA, Natália se diz favorável à adoção ocasional de lockdowns. “É uma medida drástica, mas, em alguns momentos, é necessária. Um lockdown bem feito, de algumas semanas, pode impactar fortemente a transmissão da doença. Ele dá um respiro para o sistema de saúde. Em Manaus, o lockdown seria benéfico”.
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