“Eu tinha sete anos. Naquele dia, não fomos à aula. Darcy Ribeiro falou com a minha mãe. Era para fazer as malas e embarcar para Porto Alegre. Saímos da Granja do Torto sem os brinquedos e sem os cachorros. De Porto Alegre fomos direto para a Fazenda Rancho Grande, em São Borja. Chegamos no cair da tarde. No dia seguinte, pegamos um avião, e eu perguntei para minha mãe para onde íamos com tanta pressa. Ela disse: ‘Para o Uruguai’. Eu perguntei de que cor era o Uruguai. Ela começou a chorar, olhou para o céu e disse: ‘É azul, João Vicente’”.

Memórias de João Vicente Goulart, 67, do dia em que o golpe militar derrubou o seu pai, João Goulart, no comecinho de abril de 1964. Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, gravada no dia 2 de março de 2024, ele relembra os momentos de exílio, as ações da ditadura e a situação atual.

Filósofo, candidato à presidência em 2018, ele integra a direção do PCdoB e é autor de “Jango e Eu: Memórias de Um Exílio Sem Volta”.

“O pai viu que não havia condição nenhuma de resistência. Certamente uma frota norte-americana na costa brasileira não seria para retirar quatro ou cinco funcionários da embaixada. Eles estavam prontos para desembarcar. Esperavam que a resistência fosse longa. Caso houvesse resistência, os EUA declarariam Belo Horizonte [Magalhães Pinto, um golpista, era governador] como capital do Brasil. Como os EUA fizeram na Coreia, no Vietnã, na Alemanha. Eles não admitiriam uma esquerdização de um país como o Brasil depois de Cuba. Era a guerra fria”, afirma.

E segue: “Uma crítica que foi muito construída contra a imagem do presidente Jango foi feita em torno da questão: por que ele não resistiu? Porque não havia condições de resistir. Existiam as ligas camponesas, o Partido Comunista, que dizia ser organizado, os sindicatos do CGT. Diziam que resistiriam, e não houve uma resistência. Não havia condição de resistir”. Diz João Vicente: “Muitos políticos lamentavelmente embarcaram naquela história da eleição de 65 [cancelada pela ditadura]. E completa:

“Se pensava que aquele golpe seria uma das tantas quarteladas que o Brasil já tinha tido. O que nós não sabíamos é que não era apenas um golpe. Aquilo era um programa do departamento de estado americano para toda a América Latina. Cai o Brasil em 64, em 66 caem a Argentina, a Bolívia; o, Paraguai já tinha o [Alfredo] Stroessner. A ponto de que, em 1976, quando ele [Jango] morre no exílio, todos os países da América Latina, à exceção da Venezuela, onde o Andrés Péres vendia petróleo aos americanos por 4 dólares o barril, todos os nossos países eram ditaduras militares altamente violentas contra o povo e contra aqueles que pregavam a democracia”.

O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, Janio de Freitas, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Margarida genevois, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira. Inscreva-se no TUTAMÉIA TV e visite o site TUTAMÉIA, https://tutameia.jor.br, serviço jornalístico criado por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena. Acesse este link para entrar no grupo AMIG@S DO TUTAMÉIA, exclusivo para divulgação e distribuição de nossa produção jornalística: https://chat.whatsapp.com/Dn10GmZP6fVHSWrgegWMiI