No exato dia em que se completaram cinquenta anos do assassinato de Carlos Marighella na alameda Casa Branca, em São Paulo, TUTAMÉIA conversou com a neta do líder revolucionário (veja a íntegra no vídeo no alto desta página).

Artista e produtora cultural, Maria Marighella vem atuando nas mais diversas atividades de resgate da memória de seu avô. Na manhã do dia 4 de novembro, por exemplo, participou de um ato realizado no próprio local onde, em 1969, aconteceu a emboscada e o assassinato do combatente contra a ditadura militar. Uma semana depois, disse presente no lançamento de livro que traz uma coletânea de textos de Marighella.

Ela mesmo não conheceu o avô. Nasceu em 1976, sete anos depois do assassinato, e não veio ao mundo em ambiente de tranquilidade.

“Eu nasci com meu pai preso, ainda na ditadura militar. Houve uma ação contra o Partido Comunista na Bahia, e meu pai, Carlos, filho único de Marighella, acabou preso. Minha mãe estava grávida de cinco meses. Nasci com meu pai ainda na prisão.”

Só foi conviver com o pai depois dos dois anos. A memória mais marcante da infância, porém, é a da homenagem feita ao avô em 1979.

“Nasci em um contexto de violação [de direitos]. Não posso falar de minha vida sem falar da separação do direito de conviver com meu avô, com meu pai. Me lembro com memória muito viva o ano de 1979, quando eu já tinha três anos, que foi o momento quando minha avó Clara e meu pai, juntos, fizeram um ato pelo translado dos restos mortais de Marighella.”

A homenagem ocorreu em dezembro de 1979, lembra Maria: “Foi depois da anistia, que foi quando eu conheci minha avó Clara, que esteva exilada em Cuba de 69 a 1979. Ela volta ao país depois da anistia, e a gente faz, a família, amigos, militantes, fazem o translado no dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, levamos a Salvador os restos mortais de Marighella, damos a ele um enterro digno. A família não conseguiu, em 1969, enterrar Marighella como se enterra um ente querido”.

Essas memórias mais dramáticas e sofridas, no entanto, não são para Maria o mais importante. O principal legado de Marighella, diz a neta do combatente, foi sua generosidade, sua ternura, seu interesse pelos homens, sua entrega à luta pela democracia, pela igualdade, pela justiça.

Por isso, ela afirma: “Marighella é um grande inspirador. É um homem que amou muito o Brasil. E falo desse amor, de alguém que dedicou sua vida à luta por igualdade, justiça, soberania.”

Ao longo da entrevista, ela lembra dos múltiplos Marighellas, de como ele atravessou diversos períodos da vida política brasileira, sempre se reinventando. Lembra de sua atuação como deputado constituinte, em1946, defendendo os direitos das mulheres –a luta pelo divórcio – e dos negros –a luta pela descriminalização da capoeira e do candomblé.

Também destacou sua dimensão poética, deixando, como mensagem final, um trecho de um dos mais conhecidos poemas de Marighella, o Rondó da Liberdade, que diz assim:

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre…
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.

É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.