As comunidades pobres do Rio de Janeiro não podem ser tratadas pelo Exército como “área hostil”, afirma Rossino Castro Diniz, presidente da Federação das Associações de Favelas do Rio em entrevista exclusiva ao TUTAMÉIA.
“Recebemos com muita estranheza essa notícia [da intervenção] porque o Exército já esteve no Rio, na Maré, e não resolveu nada, piorou a situação dos moradores na favela. Os moradores têm muito receio porque o interventor disse que vai tratar a área de favela como área hostil. Área hostil não é bom. 99% dos moradores de favelas são moradores de bem. Essas pessoas têm que ser tratados dentro da lei, com direito à educação, cultura, emprego, que o estado não dá. Fomos massacrados pelo governo do Estado e agora seremos pelo Exército. Recebemos com estranheza e preocupação.”
Para ele, o mandado coletivo de busca e apreensão, que vem sendo debatido pelo governo e as foças de intervenção, será “uma catástrofe na favela”.
Diniz afirma que a medida é inconstitucional.
E alerta: “A favela tem família, pessoas religiosas que pagam impostos, trabalham. Isso vai ser uma catástrofe na favela. Entrar de barraco em barraco é muito complicado. Eles não pensaram no morador jovem das favelas que está servido o Exército. Quando ele sair, o que vai acontecer com esse jovem?”
A intervenção provocou a mobilização das comunidades do Rio, que vêm se reunindo para traçar um plano de ação. No último sábado, em seguida ao anúncio do decreto, a Faferj fez reunião e emitiu comunicado protestando contra a medida. Hoje haverá assembleia para escolher uma comissão das favelas para fazer contato com o interventor militar.
Segue a nota distribuída pela Faferj.
NOTA DE ESCLARECIMENTO À POPULAÇÃO SOBRE A INTERVENÇÃO MILITAR
A Federação de Favelas do Rio é uma instituição sem fins lucrativos fundada em 1963 para lutar contra as remoções do governo Lacerda e a implantação da ditadura militar no Brasil em 1964. Dessa forma, alertamos que essa nova intervenção militar não começou ontem, anteriormente tivemos as UPP’s (unidades de policia pacificadora), as operações respaldadas sob a GLO ( Garantia da lei e da ordem) e PLC 44/2016 que passa para a justiça militar a responsabilidade de julgar as violações cometidas pelos integrantes das forças armadas em suas intervenções.
Essas mesmas forças intervencionistas estiveram recentemente em missões de paz no Haiti e favela da Maré onde podemos observar que grande parte das ações foram marcadas por violação de direitos humanos.
Nesse processo vale salientar que os investimentos em militarização superam os investimentos em políticas sociais. A ocupação da Maré custou 1,7 milhões de reais por dia perdurando por 14 meses envolvendo 2500 militares, tanques de guerra, helicópteros, viaturas, sem apresentar resultados efetivos tanto para as comunidades quanto para o país. Em contrapartida, nos últimos 6 anos só foram investidos apenas 300 milhões de reais em políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social.
Apesar de todo esse aporte financeiro investido na intervenção militar na Maré, podemos observar que essa ação foi totalmente ineficaz, pois lá as facções criminosas ainda lutam pelo controle da região oprimindo os trabalhadores e trabalhadoras que lá vivem.
O que a favela precisa na verdade é de uma intervenção social, que inclusive contaria com a participação das forças armadas. Precisamos de escolas e creches, hospitais, projetos de geração de emprego e renda e políticas sociais voltadas principalmente para juventude. Precisamos de uma intervenção que nos traga a vida e não a morte. O exército é uma tropa treinada para matar e atuar em tempos de guerra. As favelas nunca declararam guerra a ninguém.
A favela nunca foi e nem jamais será uma área hostil. Somos compostos de homens e mulheres trabalhadoras que com muita garra e dignidade lutam pelo pão de cada dia. Somos a força de trabalho que move a cidade e o país. A ocupação de uma parcela das comunidades por marginais ocorre justamente pela ausência do Estado em políticas públicas que possam garantir o desenvolvimento de nossas favelas.
Nos últimos 54 anos a FAFERJ vem lutando por democracia nas favelas do Rio. Lá a ditadura ainda não acabou. Ainda vemos a polícia invadindo residências sem mandados, pessoas sendo presas arbitrariamente ou até mesmo casos de desaparecimento como o caso Amarildo que repercutiu mundialmente.
Para finalizar gostaríamos de reafirmar que as intervenções militares são caras, longas, e ineficazes até mesmo do ponto de vista da segurança pública. Sugerimos que essas tropas sejam movimentadas para patrulharem as fronteiras do Brasil, pois é de conhecimento notório que é de lá que chegam as armas e as drogas que alimentam o comercio varejistas de entorpecentes nas comunidades cariocas. Sugerimos também que se faça uma grande intervenção social nas favelas do Rio de Janeiro. Precisamos apenas de uma oportunidade para provar que somos a solução que o Brasil tanto precisa para se desenvolver e tornar-se um país mais justo para todos e todas.
Favela é potência! Favela é resistência!
FEDERAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES DE FAVELAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
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