“Lula será uma poderosa voz em direção à paz no mundo. Nos seus primeiros mandatos, foi uma das mais importantes vozes para o Sul do mundo, e eu acho que ele vai reassumir essa posição. Pode revitalizar os Brics, o que será um grande passo na direção de um mundo multipolar.”

Essa é a avaliação de Noam Chomsky, 93,  um dos mais importantes intelectuais do mundo, falando ao TUTAMÉIA dois dias após a vitória do líder brasileiro.

Linguista, filósofo e sociólogo, o professor norte-americano afirma: “As saudações que Lula está recebendo da comunidade internacional indicam que esses países esperam que Lula possa levar de volta o Brasil a uma posição de ser uma voz decisiva para a paz e acomodação no mundo. Isso tem uma importância tremenda. São raros os estadistas no mundo que têm essa capacidade”.

Na entrevista, Chomsky analisa também o conflito na Ucrânia, a ameaça nuclear e o papel das fake news e da mídia tradicional no avanço da extrema direita no mundo.

Para ele, “tudo isso é a luta de classes, uma luta de classes selvagem. O assalto do neoliberalismo, há quarenta anos, é pura luta de classes promovida pelos donos do mundo, as pessoas que dominam a economia global, lutando contra os avanços social-democratas ocorridos nos anos anteriores”.

Destaca, porém, que “é muito possível que a vitória de Lula signifique um freio para o crescimento da extrema direita internacional”.

Ele explica:

“Lula iniciou o projeto dos Brics, que está funcionando precariamente no período mais recente, mas Lula certamente deverá revitalizá-lo. E essa pode ser uma força fundamental nas relações internacionais. É uma ampla, forte coalização de importantes poderes que pode desenvolver um grande esforço que pode se assemelhar ao período da descolonização. Quando a descolonização começou a ocorrer, nos anos 1950, as antigas colônias tentaram se unir para conquistar uma posição significativa na ordem mundial. O Movimento dos Não Alinhados, mais tarde, em 1977, foi uma grande iniciativa no âmbito das Nações Unidas para criar uma nova ordem econômica internacional, uma nova ordem internacional de comunicações, tudo isso dando ao Sul Global voz e lugar na mesa.

Todas essas iniciativas foram sufocadas; houve um retrocesso. O surgimento dos Brics marca um grande passo à frente. Como eu disse, esse grupo caiu na passividade nos últimos anos, mas Lula pode revitalizá-lo, pode se transformar numa importante voz para o Sul Global. Isso seria um grande passo na direção de um mundo multipolar.

Há hoje um grande conflito em andamento. Ele foi ampliado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas o grande debate que ocorre para dar forma ao planeta é entre visões geopolíticas opostas.

Uma é a de um mundo unipolar, comandado pelos Estado Unidos, usando o poder militar da Otan, que acaba de estender seu âmbito de atuação para o a região do Indo-Pacífico. Essa é uma possibilidade.

A outra possibilidade é a de um mundo multipolar, com vários centros de poder, que, tomara, poderão diminuir os blocos militares e os confrontos armados, rumando no sentido de uma acomodação que é necessária para que possamos enfrentar os enormes problemas que afetam a humanidade.

Esses problemas, como a questão climática, não têm fronteiras; a pandemia não tem fronteiras. A ameaça nuclear não tem fronteiras: se houver um conflito nuclear, todos no planeta serão severamente afetados. Os principais poderes do planeta precisam encontrar uma forma de acomodação e, num mundo multipolar, o Sul deve ter uma posição significativa. Ajudar nesse movimento pode ser o elemento mais significativo, importante, da vitória de Lula.”

Por isso mesmo, afirma:

“Lula pode ser uma importante voz em direção à paz no mundo. Nos seus primeiros mandatos, ele teve um grande papel para a construção da paz mundial. Uma de suas conquistas, com a ajuda do então chanceler Celso Amorim, trabalhando junto com a Turquia, foi virtualmente obter um acordo com o Irã sobre seu programa nuclear. O acordo foi bloqueado pelos Estados Unidos naquele momento, mas aquele foi um importante passos na direção da resolução da questão. O acordo conjunto entre os Estados Unidos e o Irã, mais tarde rompido por Trump, foi consequência disso. Em outros aspectos, o governo Lula foi capaz de fazer avançar negociações, acordos, diplomacia –uma voz poderosa.

Naquele tempo, como vocês se lembram, sob o governo Lula o Brasil se tornou o país mais respeitado no mundo. O Brasil tinha uma participação fundamental nas questões internacionais, que caiu abruptamente nos últimos anos, mas que pode ser reconquistada. E as saudações que Lula está recebendo da comunidade internacional indicam que esses país esperam que Lula possa levar de volta o Brasil a uma posição de ser uma voz decisiva para a paz e acomodação no mundo. Isso tem uma importância tremenda.”

Chomsky também comentou o significado da vitória de Lula para a América Latina: “As forças progressistas da região vão se beneficiar”.