“As eleições de 2018 não foram legítimas porque foram feitas por atores políticos impondo vetos à escolha popular. Esses atores –a mídia, as Forças Armadas, o Poder Judiciário– não tinham legitimidade para impor veto nenhum. Não foram eleições legítimas, foram eleições contaminadas por essa parcialidade na qual elas se desenvolveram. A bandeira adequada nesse momento é pela anulação das eleições de 2018”.
Esta é a avaliação do sociólogo Luis Felipe Miguel em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima).

Ele completa: “Não estou dizendo que é uma bandeira realista, que a gente vai alcançar isso na semana que vem. A bandeira da anulação das eleições de 2018 sintetiza a ilegitimidade do processo político no Brasil dos últimos anos e a necessidade de romper com os elementos dessa ilegitimidade. Significa a necessidade de reconstruir o mínimo de uma democracia eleitoral digna do nome, que a gente perdeu em 2016 com o golpe e cuja perda foi reiterada com as intervenções no processo eleitoral de 2018”.

Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, Miguel está lançando “O Colapso da Democracia no Brasil” (Expressão Popular/Fundação Rosa Luxemburgo). Na conversa com o TUTAMÉIA, ele discorreu sobre as razões do golpe, dissecando o papel das burguesias, do judiciário, da mídia, das Forças Armadas –e dos interesses objetivos dos EUA na reviravolta no país.

Miguel também debate as fragilidades dos governos de esquerda: “Houve um período muito grande de acomodação com uma certa institucionalidade política. Essa institucionalidade política está ruindo, mas se continua investindo nela”, afirma.

Explica que o golpe que derrubou Dilma significou uma ruptura da democracia, que seguiu com Temer e, agora, com Bolsonaro –resultado de uma eleição ilegítima. Ilegítima em razão da “intervenção do judiciário, com os militares por trás”. Diz o sociólogo:

“Isso mostra que a democracia eleitoral não está mais funcionado. Porque alguns não podem ganhar. Portanto, a democracia eleitoral não está funcionando. No entanto, para a grande parte da oposição, as eleições são o alfa e o ômega da luta política. Se a gente não tiver mobilização popular, o resultado da eleição não vai ser respeitado. A própria eleição não vai acontecer de uma maneira que seja legítima. Lula não foi candidato em 2018 por causa de uma decisão do judiciário completamente enviesada. Essa decisão foi possível porque não havia força na rua para barrá-la. Não estou dizendo que a gente não deva se preocupar com as eleições. Mas, se a gente não tiver uma capacidade de mobilização popular, as eleições por si só não vão reverter esse quadro”.

Para ele, a denúncia da fraude eleitoral não é contraditória com a participação em eleições, como as previstas para o próximo ano. Lembra, por exemplo, que as eleições eram absolutamente tuteladas durante a ditadura militar e, mesmo assim, a oposição disputava. É preciso pensar nas eleições como um espaço de disputa política, de denúncia do golpe e dos ataques ao país, afirma o professor.

Miguel comenta a questão da frente: “O bolsonarismo é usado como chantagem para que uma direita mais civilizada garanta a continuidade de políticas antipopulares que são a continuidade entre o golpe e o bolsonarismo. Há uma linha de continuidade entre a ruptura de 2016, quando a Dilma foi derrubada, e o que a gente está vivendo hoje. A gente não pode compactuar com a continuidade do golpe em nome de simplesmente tirar Bolsonaro”, declara.

Na entrevista, o professor da UnB fala dos ataques à educação (ele criou o primeiro curso sobre o golpe de 16), trata do desmonte do país e da ascensão da extrema direita pelo mundo.

“Esse governo Bolsonaro é completamente entreguista, é um governo antinacional, que aceita completamente a subordinação aos EUA. É um governo que nos congela nessa posição, cuja ambição é uma inserção absolutamente subordinada nas trocas internacionais. O que não tem condições de dar emprego para a maioria do povo brasileiro”, diz. Para ele, essa é uma posição ainda mais excludente do que a que vigorou durante a ditadura militar.