“Há uma forte articulação de grupos da mineração, do agronegócio, do latifúndio oligárquico para tentar estabelecer esse estado de terror, de conflito permanente que tem levado a chacinas e a mortes direcionadas de pessoas que lutam na defesa na terra e do ambiente”. A afirmação é de Ayala Ferreira, liderança do MST no Pará, ao TUTAMÉIA.

Nesta entrevista, feita desde Marabá, ela fala do massacre de Eldorado de Carajás, ocorrido na região há exatos 25 anos, em 17 de abril de 1996, deixando 21 trabalhadores mortos. Trata dos desdobramentos do episódio, da luta pela terra e pelo ambiente e da situação atual dos conflitos no Pará (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“Bolsonaro representa a morte, esse é um governo genocida. Há ampliação do desmatamento, das invasões das áreas de conservação, de áreas quilombolas ou indígenas para atividade da mineração e também para o plantio de soja, que tem se expandido desde o norte do Mato Grosso para cá. Há um incentivo para essas invasões. Há um esforço por parte do governo para avançar no processo de legitimação da grilagem de terras públicas. Estamos num cenário de terra devastada”, declara.

Educadora, Ayala é da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Assentada no Assentamento 26 de Março, em Marabá, ela atua no setor de direitos humanos. Ao TUTAMÉIA, ela avalia o que aconteceu no massacre de 25 anos atrás:

“O que a polícia fez na Curva do S [trecho da atual BR-155, local da matança] foi uma ação orquestrada pelo latifúndio regional, que não queria que o MST seguisse se expandindo com novas ocupações no Estado. Havia essa articulação, e estabeleceram pressão junto ao governo do Estado para cumprir essa decisão, que teve inclusive o apoio de empresas como a Vale”.

Naquela época, relata Ayala, houve reuniões entre o governo estadual e os latifundiários para definir uma lista de lideranças que precisavam ser eliminadas para enfraquecer o movimento dos trabalhadores:

“Veja o enredo: uma articulação do Estado com o latifúndio, essa aliança clássica, para assassinar de forma seletiva trabalhadores sem-terra de uma organização que luta pela reforma agrária”.

Um dos marcados para morrer era o dirigente do movimento Raimundo Gouveia, que sobreviveu ao massacre e nos contou sua história, quando estivemos na região, em 2016 (CLIQUE AQUI para ler a reportagem).

Ayala conta que esse tipo de articulação segue nos dias de hoje. “Há reuniões para fazer caixa coletiva para pagar pistoleiros e empresas privadas para assassinar lideranças de trabalhadores sem-terra. Essa combinação dos fazendeiros segue ocorrendo. Tem as famosas listas dos marcados para morrer. É a prática do latifúndio da região. Conforme a Comissão Pastoral da Terra, dos quase 1.500 trabalhadores assassinados de 1985 para cá quase 700 é dessa região”.

Há casos recentes de assassinatos, despejos com violência, ameaças, famílias que são agredidas à noite.

“Os caras encapuzados chegam dizendo: ‘Agora é Bolsonaro, agora é nossa vez, acabou esse negócio de invasão de terra’. São grupos vinculados a esse projeto de governo. Eles estão legitimados pelas ações do governo e se sentem à vontade. São jagunços e policiais militares que, na folga, prestam serviço para os latifundiários. São milícias que atuam em defesa do latifúndio. Há uma perpetuação da violência contra quem luta pela terra, que, em grande medida, é incentivada pela prática da impunidade”.

Veja a seguir a nota que o MST divulgou em conjunto com a CPT e a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos:

REFORMA AGRÁRIA E FIM DA IMPUNIDADE – UMA LUTA NECESSÁRIA:

25 ANOS DO MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS

Em meio ao genocídio provocado por Bolsonaro no Brasil, fazemos memória dos 25 anos do Massacre de Eldorado de Carajás, praticado por forças policiais do Estado na curva do S, em 1996, no Pará. Esse episódio de extrema violência vitimou 19 trabalhadores rurais e deixou suas marcas como o mais sangrento massacre da história da luta pela terra no Brasil, mas não o único. Em 24 de maio de 2017 novamente policiais civis e militares do Estado do Pará torturaram e assassinaram 10 pessoas em Pau D’arco.

Nesses 25 anos após o massacre, a violência contra os camponeses na luta pelo acesso e permanência na terra no estado do Pará continuou crescente. De acordo com o monitoramento feito pela CPT regional Pará, de 1996 a 2019, no estado: 320 trabalhadores e lideranças foram assassinados; 1.213 receberam ameaças de morte; 1.101 foram presos pela polícia; 30.937 foram vítimas do trabalho escravo e 37.574 famílias foram despejados em decorrência de decisões judiciais. Nessa escalada da violência, inúmeras lideranças do MST, movimentos sindicais, religiosos e ambientalistas foram vítimas de assassinato, entre elas: Onalício Barros, Valentim Serra, José Dutra da Costa, José Pinheiro Lima, Dorothy Stang, José Claudio e Maria, Jane Julia, Dilma, Carlos Cabral, Raimundo Paulino, Ronair Lima, Fernando Araújo e muitos outros.

Infelizmente o Pará continua sendo o recordista de ameaças e assassinatos. Multiplicam-se diariamente as denúncias de ameaças e diversos tipos de violência, como pulverização aérea de agrotóxicos sobre assentamentos populares, exploração indevida do território, ameaças a lideranças, despejos ilegais. O governo Bolsonaro, criminosamente, sucateia órgãos como INCRA, ICBMBIO e IBAMA, e paralisa a reforma agrária.

Em todo o Brasil, diariamente a população do campo segue sendo ameaçada de despejos, expulsões ilegais, agressões físicas, invasão de seus territórios. Desde 1985, quando a CPT iniciou a publicação do “Conflitos no Campo Brasil”, 1.501 casos de assassinatos foram registrados, com 1.988 vítimas. Indígenas, posseiros, quilombolas, pescadores, agricultores, ribeirinhos, sem-terra e lideranças religiosas foram vítimas de assassinatos em conflitos no campo. Este número inclui 250 vítimas de massacres. O total de massacres no campo entre 1985 até os dias atuais chegou a 51. Em 2020, 159 pessoas no campo foram ameaçados de morte, outras 35 pessoas sofreram tentativas de assassinato, mais de 30 mil famílias foram ameaçadas de serem retiradas dos seus territórios, tanto pelo poder público, quanto pelo poder privado. Muitas perderam suas casas em plena pandemia. Tivemos um aumento de mais de 30% nas ocorrências de conflitos por terra, a maioria na Amazônia legal.

Resgatar a memória das lutas pela terra e das vítima do Estado e do latifúndio, é tarefa necessária, pois desde o princípio, o massacre de Eldorado já mostrava que a responsabilização dos acusados não seria tarefa fácil, uma vez que o Ministério Público deixou de denunciar o Governador do Estado do Pará, o Comandante Geral da PM, e o próprio Secretário de Segurança Pública, fato que acarretou duras críticas dos movimentos sociais e da sociedade brasileira. Somente os dois comandantes da operação José Maria Oliveira e Coronel Pantoja foram condenados.

A Comissão Pastoral da Terra – CPT, a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos-SDDH, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, vem a público mais uma vez para denunciar a violência no campo, a impunidade que corre solta nos tribunais brasileiros, o avanço de mineradoras e do garimpo ilegal em terra de quilombolas e indígenas, o desmatamento desenfreado provocado pelo agronegócio e madeireiros, a destruição de nossos rios por grandes projetos hidrelétricos, e a criminalização de movimentos sociais e defensores/as de direitos humanos.

A luta pela Reforma Agrária é mais do que nunca necessária. A memória de nossos companheiros segue indicando nosso caminho.

FORA GOVERNO GENOCIDA !!!

VIVA A LUTA DO CAMPESINATO BRASILEIRO!!!

REFORMA AGRÁRIA JÁ !!!

Pará, 16 de abril de 2021.

CPT Pará – Comissão Pastoral da Terra regional Pará

MST – Movimento Sem Terra

SDDH – Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos