“As mulheres brasileiras sofrem assédio quase todos os dias. Nesse caso agora, infelizmente, eu vou ter que, sim, me colocar no lugar de exemplo. Esse caso tem que servir de exemplo e pode ser um marco na história de assédio no nosso país. Porque não é uma realidade de forma alguma só minha nem do parlamento. Vejam o que a presidenta Dilma sofreu. A minha companheira Marielle Franco foi assassinada. O que eles têm que saber é isso: o nosso medo de morrer morreu junto com a Marielle”.

Palavras de Isa Penna, deputada estadual paulista pelo Psol, em entrevista ao TUTAMÉIA na qual avalia o ataque que sofreu do deputado Fernando Cury (Cidadania) no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, fala do contexto de machismo no país –potencializado por Bolsonaro—e faz um apelo:

“Assine e compartilhe o abaixo assinado [pela cassação de Cury]. É a única chance de a gente ter uma sessão extraordinária em janeiro e não deixar que essa mobilização perca força. Vá à página do governador João Doria (PSDB) e à página do presidente da Alesp, Cauê Macris (PSDB). Peçam para eles se posicionarem. Porque acredito que a maior ofensa às mulheres são as autoridades, é o silencio das autoridades até agora. Não é só a mim. É para todas que já sofreram assédio”.

Para assinar o documento vá para https://www.feminista.me/justicaportodas

Advogada, Isa Penna foi apalpada por Cury durante a sessão que debatia o orçamento estadual na última quarta-feira, 16/12. A cena, filmada, mostra o deputado tocando os seios da parlamentar. Ruralista da base do governo Dória, ele diz que apenas fazia um abraço.

“Me chama atenção como eles estão confortáveis, como têm liberdade para fazer isso num ambiente com câmeras, diante de um presidente de um dos poderes do Estado de São Paulo. É muito chocante”, diz Isa.

Filha de uma professora de história e de um médico que atua no SUS, a deputada relata nesta entrevista outros casos de assédio que sofreu. Fala da dominação masculina na sociedade e classifica como deplorável a “aristocracia ex-escravocrata branca”. Aos 29 anos, analisa a situação do país:

“A gente tem dois marcos de derrota política para o povo brasileiro. Primeiro, é o golpe [de 2016]. É importante citar o que viveu a presidente Dilma durante o golpe. Quando eu lembro o que ela passou… Na época eu queria dar muito um abraço nela. Os adesivos de carro eram absolutamente nojentos. Ela é uma mulher muto forte. Foi um retrocesso político. Depois, veio a reforma trabalhista que coloca as mulheres nos seus espaços de trabalho ainda mais reféns dos seus patrões. Tem mulheres que têm que conviver com os seus assediadores diariamente. A vida delas é bolar jeitos de se esquivar”.

Na avaliação de Isa Penna, Bolsonaro potencializa “a realidade das mulheres brasileiras, que sofrem assédio quase todos os dias, pelo menos as que têm que frequentar espaço público, andar de busão, de metrô”. A deputada lembra do comportamento agressivo da família Bolsonaro, especialmente contra as mulheres, e afirma: “Essa necessidade de reafirmar a sua masculinidade o tempo todo só mostra uma insegurança muito grande. Esse estereótipo do machão está se revelando frágil. É uma carcaça que está apodrecendo na sociedade, e os homens podem ser muito mais felizes também”.

Na conversa, ela trata da operação abafa na Assembleia e das manifestações de solidariedade que está recebendo. Especialmente comenta a fala de Dilma, que classificou o caso como uma “ação torpe de desprezo à democracia”:

“É uma honra receber essa solidariedade. Com todas as diferenças políticas que temos, eu admiro muito a forma como ela enfrentou [o golpe]. Sim, esse caso agora é um ataque à democracia, porque quer dizer que nós estamos retrocedendo no reconhecimento de todos os seres humanos como igualmente detentores de respeito e de direitos políticos”, declara.

A deputada comenta os ataques que vem sofrendo nos bastidores a partir de sua denúncia e de sua estratégia de enfrentamento:

“Tenho muita gana de lutar. Não tenho sangue de barata. Ele mexeu com a pessoa errada. Estou firme. Estou forte. Não serei intimidada. Sou polêmica porque acredito no mundo com uma distribuição de riqueza baseada nas necessidades, com ninguém passando fome. Sou polêmica porque li um poema que ressignifica o sentido da mulher livre na nossa sociedade. Sou incisiva e incomodo porque esses homens são muito frágeis do ponto de vista psicológico”.

E conclama:

“Peço a vocês que se somem, não só por mim. Por mim, eu já teria chorado uma noite inteira, tomado uma cachaça e já teria acordado no dia seguinte. Mas teve uma gravação que abriu essa janela de denúncia. Eu agradeço a essas mulheres que resistiram a tanto na história do Brasil. Se eu estou aqui na condição de falar aqui é por elas também. É por elas que viveram isso, mas que abriram caminho. Eu sou o que eu sou porque nós somos e pelas que foram antes de mim. Pelo que fizeram as que vieram antes de mim”.