“O Brasil está vivendo uma grande tragédia sob Bolsonaro. A classe trabalhadora está vivendo o pior momento na sua história. O que o povo brasileiro está sofrendo é motivo de sobra para o impeachment. Vai ser um crime acabar com o auxílio emergencial. As pessoas têm que comer e viver de alguma maneira. As pessoas voltaram a pedir no farol, na porta do supermercado, coisa que tinha acabado. Se o auxílio emergencial acabar, aí vão entrar no supermercado [para comer]. E o caos estará instalado em nosso país. Nós não queremos isso. Por isso, é fundamental a manutenção do auxílio”.

A avaliação é de Sérgio Nobre, presidente da CUT, ao TUTAMÉIA. Para ele, o Brasil só não está numa tragédia maior por conta do auxílio emergencial, que acabou em dezembro. Nobre contesta as alegações do governo contra a iniciativa –de resto, fruto das oposições no Congresso Nacional. “É mentira que não tem dinheiro, que vai quebrar o teto de gastos. Isso é investimento. O Brasil não quebrou por causa do auxilio emergencial. Ao contrário, ele foi responsável por segurar a economia brasileira e por segurar o caos”.

Na sua análise, é preciso “não permitir a instalação do caos. Porque Bolsonaro, o bolsonarismo e o obscurantismo se alimentam do caos. Depois, ele vai dizer que a saída é autoritária, que o caos é por conta da democracia, da liberdade dos sindicatos. É a narrativa que ele quer construir, e nós não podemos permitir”.

A entrevista com Nobre ocorre na manhã de 2 de fevereiro de 2021, horas depois da vitória bolsonarista nas eleições na Câmara dos Deputados e no Senado. Ele lamenta o resultado, prevendo o avanço da pauta “entreguista e ultraliberal doentia”. “Segue a tragédia da classe trabalhadora, vamos ter uma agenda com a carteira verde amarela, um novo desmonte da legislação trabalhista, privatização, reforma administrativa, que é acabar com a estabilidade na carreira dos servidores públicos. É uma pauta terrível que virá. É o que a gente vai ter que enfrentar na luta dentro do Congresso e na rua”.

Ele lembra que os dirigentes sindicais estiveram, dias atrás, com os candidatos para levar as propostas dos trabalhadores. “A Câmara federal não pode continuar a ser aquilo que ela é. Tivemos uma brutal retirada de direitos da classe trabalhadora, que foi feita dentro do Congresso Nacional. Uma casa que se fechou para a classe trabalhadora, não há debate. As coisas são votadas à noite, sem nenhum diálogo, goela abaixo dos trabalhadores. Isso não pode continuar. Em especial quando se tem um governo com as características do de Bolsonaro. Na verdade, não tem um governo. O país é um desgoverno total. As mortes têm nome e endereço. Bolsonaro tem um projeto autoritário. Ele se utiliza do caos para dizer que o Brasil é ingovernável com a democracia”.

Nesta entrevista, o dirigente metalúrgico fala do caso Ford, da desindustrialização do país, das eleições no Congresso Nacional e das pautas que estão unificando as centrais sindicais –um universo em que podem ocorrer fusões. Conta como as entidades estão atuando para viabilizar a vinda de oxigênio da Venezuela para Manaus, ressalta o papel crucial das estatais para o desenvolvimento do país e condena os projetos de privatização (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Na sua visão, quem está ganhando com o desmonte que acontece no Brasil é o sistema financeiro internacional. “Paulo Guedes não governa para o povo brasileiro; ele é quadro do sistema financeiro internacional e das multinacionais”, afirma. E segue:

“O compromisso das multinacionais é com o seu país sede. Elas nunca tiveram interesse de transferir tecnologia para ao Brasil, de produzir aqui. Faziam isso porque o Estado obrigava que fizessem. Como o Estado não obriga mais… O que aconteceu na Ford não pode acontecer no Brasil. Qualquer empresa que quiser vir produzir no Brasil ou vender produto no Brasil tem que montar fábrica e gerar emprego aqui. Não podemos permitir que o Brasil entregue a Petrobras do jeito que o Paulo Guedes quer fazer. Que entregue o sistema elétrico para o sistema privado, que acabem com os Correios”.

Segundo o dirigente da CUT, “as estatais são o nosso passaporte para o desenvolvimento do país”. Diz Nobre: “O Brasil não consegue se desenvolver com o investimento privado. Nunca o setor privado fez os investimentos que o Brasil precisava para crescer. Todas as vezes que o Brasil ou os países do mundo cresceram foi o investimento do Estado e organizado pelo Estado. Se for permitida a desorganização do Estado que Bolsonaro e Paulo Guedes querem fazer e houver a entrega das estatais, a chance de o Brasil crescer é zero”.

Nobre ressalta a interligação entre o modelo de desenvolvimento e o emprego, especialmente num quadro de ao menos 14 milhões de desempregados. “O Brasil vem destruindo empregos formais e protegidos e vem estimulando o emprego precário. O emprego precário não é um emprego que dá futuro para uma família, que estrutura uma vida, um país, que vai dar o padrão de vida para o seu povo. Qual é o emprego que estrutura? É o de qualidade, é o emprego na indústria, de engenheiro, tecnólogo. É o emprego que tem ala tecnologia, salário elevado. Estamos perdendo esse tipo de emprego no Brasil”.

Essa movimentação, afirma, é fruto de uma reestruturação global. “os países [ricos] estão concentrando tudo que tem alta tecnologia, conhecimento, e distribuem para os países satélites aquilo que agride o ambiente, que não tem proteção, que tem salário baixo. Para países onde não haja legislação trabalhista e organização sindical. O que foi feito aqui no desmonte da legislação trabalhista depois do golpe foi feito em mais de 180 países a mando das multinacionais. As multinacionais lideram isso, um movimento de destruição dos direitos e do sistema de proteção. Desproteger o trabalhador é voltar para a revolução industrial de 1700 na Inglaterra, quando o trabalhador não tinha direito algum. Parece que é isso que esse povo quer”.

As mudanças no mundo do trabalho exigem que as entidades sindicais se modifiquem. Fala Nobre: “A organização sindical não pode só representar quem tem carteira assinada. O microempreendedor individual, por exemplo, que montou uma lojinha de sapato. Ele é um ex-metalúrgico que perdeu o emprego e não tem trabalho. Ele montou um pequeno negócio para trabalhar com a família e sobreviver. A identidade dele não é com a Fiesp. É com o sindicato dos trabalhadores. Temos que representar esse pessoal. São trabalhadores tentando sobreviver e que têm uma identidade de classe com o movimento sindical”.

A gravidade da situação do país está levando a ações conjuntas das entidades de trabalhadores, organizadas no Fórum das Centrais. “A classe trabalhadora está vivendo o seu pior momento na sua história. Não tem cabimento o movimento sindical ficar brigando entre si numa conjuntura dessas. Pensar diferente não é ruim, desde que esse pensar diferente não inviabilize a luta. Temos uma agenda clara: defesa da soberania do Brasil, dos direitos da classe trabalhadora, geração de empregos de qualidade, desenvolvimento e justiça social. A luta tem que ser unitária”, declara.

Essa unidade estratégica pode ter desdobramentos, na opinião de Nobre:

“O Brasil tem muitas centrais sindicais. Gostaria que diminuísse, que tivesse um processo de fusão. Duas ou três centrais sindicais estaria de bom tamanho para o Brasil; temos 15. É conversando que se chega lá. A gente percebe que estar junto é melhor do que estar dividindo. A gente vai diminuindo o número de centrais e construindo um movimento mais robusto, mais forte e mais organizado”.