“Barcarena não só poderá ser maior do que Mariana, como também pode colocar em xeque todo o poder da indústria extrativa do Brasil”. É o que declara ao TUTAMÉIA Charles Trocate, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), em entrevista exclusiva pela internet diretamente de Marabá, no Pará.

Na semana passada, moradores ribeirinhos da região de Barcarena (nordeste do Pará, bem perto de Belém) notaram que a água tinha mudado de cor, ficando mais avermelhada (foto na capa, Ascom/Semas). Exames conduzidos pelo Instituto Evandro Chagas constaram a existência na água de vários resíduos da mineração de bauxita conduzida pela mineradora norueguesa Hydro – entre eles o perigoso chumbo, além de soda cáustica. O instituto também flagrou um duto clandestino usado pela mineradora para despejar rejeitos diretamente no meio ambiente.

Conforme o relato de Trocate, “a cidade inteira [de Barcarena] está em colapso. As águas subterrâneas estão contaminadas exatamente onde há maior densidade populacional. O colapso de água é semelhante ao que ocorreu na barragem do Fundão, em Mariana (MG, em 2015). Temos uma população de 100 mil habitantes sem condições de beber água. Beirando o risco de isso chegar em Belém, o que faria com que dois milhões de pessoas ficassem sem água potável”.

A Hydro é controlada pelo governo da Noruega. A embaixada do país no Brasil afirmou em nota que, antes de chegar a conclusões, é preciso “determinar a sequência de eventos ocorridos após as fortes chuvas da semana passada”. Acrescentou que a situação “é de grande preocupação”.

Em Barcarena, a empresa, que havia negado ter dutos clandestinos, voltou atrás depois da divulgação do laudo e assumiu a irregularidade.

“É preciso exigir que o Estado e a própria empresa desloquem as pessoas do território, que virou inóspito, impossível viver ali. Precisam sair do território, se hospedar em hotéis. E tem que haver paralisação do funcionamento da Hydro. O grosso da chuva é março e abril. É urgente deslocar aqueles que estão em áreas de risco, os que que estão sujeitos ao rompimento da barragem de rejeitos”, alerta Trocate.

O ativista conta que as barragens de rejeitos da mineradora não suportaram a força das chuvas que atingiram a região; os dutos clandestinos vazaram. “É um padrão. Desde 2002 há registro de vazamentos da Hydro e das empresas de mineração que atuam ali. Houve sete grandes vazamentos; o último foi em 2014-2015”.

Organizador de “A Questão Mineral no Brasil” (Iguana, 2015), ele dá o contexto da tragédia: “Para continuar extraindo lucro nesse período de baixa da mineração, as empresas atuam de forma clandestina. Todo o lixo tóxico vai para a natureza. Há um baixo investimento na construção das barragens e na sua manutenção”.

Trocate lembra que as barragens passaram por vistorias de órgãos governamentais de fiscalização. “Há dois crimes. Um da empresa que pratica de forma clandestina a poluição no ambiente. E um crime jurídico e institucional, que é o da aceitação das instituições que deveriam fiscalizar. Tudo é permissível para que a empresa não sofra punição. Agora, o governador disse que é culpa da chuva, e não da empresa”.

O ativista afirma que a Hydro, que domina o polo siderúrgico de Barcarena, obteve isenção fiscal de R$ 7,5 bilhões de 2015 a 2030, 7,5 bilhões. Um valor que daria para construir 50 hospitais ou 150 mil casas populares, calcula.

“Há um histórico de violação dos direitos ambientais na zona do distrito industrial de Barcarena. Os prejuízos não são pagos pela empresa, mas pela saúde das populações”, diz, acrescentando que a região sofre também de esgotamento físico da terra para a agricultura. “Há um aniquilamento do território pela mineração”, constata.

Na água de Barcarena foram encontrados alumínio, fósforo selênio e chumbo em valores fora da legislação. “Em 90% das comunidades pesquisadas foi constatada a presença do chumbo. O chumbo tem um agravamento, pois ele não se decompõe facilmente”, diz.

Trocate conta que pesquisa feita com mais de 2.900 moradores da região de Barcarena constatou doenças típicas da indústria da mineração. Segundo ele, até cinco tipos de cânceres são toleráveis em média por região no país. “Em Barcarena, foram constatados 24 tipos de câncer”, declara.

Ele lembra de outra tragédia recente na região. Há menos de dois anos (outubro de 2016), cinco mil bois morreram afogados por causa do tombo de um navio. Suas carcaças apodreceram na água. “É o espaço físico da indústria da tragédia. Tragédia da pobreza incomum que os processos de mineração deixam, tragédia ambiental”.

Na sua visão, “estamos hipotecando o nosso futuro, poluindo o que é vital, em nome de uma inserção subordinada da nossa economia na produção de commodities”.