“Acalme seu coração, Neto, que o melhor ainda está por vir”. Assim, com um sorriso brincalhão, mandando um recado para seu treinador, o jovem Daniel Ferreira do Nascimento encerrou entrevista à televisão peruana logo depois de vencer a maratona El Bicentenario del Peru, conquistando o índice olímpico com a quinta melhor marca brasileira na distância, em todos os tempos.
Na manhã deste domingo, 23 de maio, o jovem de 22 anos cravou 2h09min05 para ser campeão da prova disputada em Lima, num belo circuito à beira-mar. O resultado coroa um duro trabalho de superação física e psicológica, depois de ele ter se desencantado com o atletismo e voltado a trabalhar na roça, cortando cana no interior de São Paulo.
Em 2018, Daniel não conseguiu completar a São Silvestre, mais importante corrida de rua do país e deixou de lado uma carreira que construía desde os 13 anos, nas categorias de base, com bons resultados em provas de pista e no cross-croutry.
“Voltei a cortar cana. Quando atleta, eu já acordava cedo, passei a levantar ainda mais cedo, umas quatro horas da manhã. Ficava quase oito horas no trabalho e só depois voltava para casa e descansava para o outro dia”, disse ele em uma entrevista à Agência Brasil no ano passado.
Incentivos de um colega de trabalho –segundo contou na mesma entrevista—e da mãe fizeram com que, depois de alguns meses, ele voltasse a treinar. Agora, não mais na sua Paraguaçu Paulista, mas em Bauru, onde passou a ser orientado pelo técnico Neto Gonçalves.
A parceria foi um sucesso: na São Silvestre de 2019, um ano depois daquele abandono tão dolorido, Daniel foi o melhor brasileiro na prova. Em 2020, antes que a pandemia tomasse conta do país, ele ainda teve tempo de ser o campeão Copa Brasil de Cross Country em janeiro e, no mês seguinte, vencer a Meia Maratona Internacional de São Paulo, conquistando índice para ser um dos representantes do Brasil no Mundial da distância.
A prova seria realizada em março, mas, por causa da pandemia, só foi acontecer em outubro, na cidade polonesa de Gdynia. Daniel não obteve uma boa colocação: terminou no 93º posto, com o pior tempo dos três brasileiros naquele campeonato. Mas a marca obtida –1h04min27—era a melhor de sua carreira e o autorizava a sonhar com um bom tempo na maratona.
Os 42.195 metros passaram a ser seu alvo, acreditando ser possível alcançar o índice olímpico –2h11min30. Ficou nos últimos tempos treinando no Quênia, fazendo sua preparação ao lado de alguns dos grandes corredores de longa distância da elite internacional. Só por estar na África, aliás, conseguiu viajar para Lima, onde chegou depois de passar pela Holanda –outros dois maratonistas brasileiros não puderam ir por causa das barreiras sanitárias.
Lá, entrou para a história. No ranking brasileiro, vem atrás apenas das lendas Ronaldo da Costa (2h06min05 em 1998), Marílson Gomes dos Santos (2h06min34 em 2011), Vanderlei Cordeiro de Lima (2h08min31 em 1998) e Luiz Antônio dos Santos (2h05min56 em 1997) –André Luiz Ramos correu a distância em 2h08min26 em 1998, mas a marca foi obtida na maratona de Boston, que não vale para recordes oficiais por não obedecer a critérios estabelecidos pela IAAF (a Fifa do atletismo).
Com esse tempo, passa a ser o melhor dos brasileiros com índice para a maratona olímpica –Paulo Roberto de Almeida Paula tem 2h10min08 (Sevilha, 2020) e Daniel Chaves da Silva, 2h11min10 (Londres, 2019). Resta saber se os Jogos Olímpicos serão realizados.
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