“Existe um avanço de governos autoritários, fascistas ou não, no mundo. Com a derrota do socialismo real, não só na União Soviética como nos países da Europa Oriental, o imperialismo levantou a cabeça. Essa avalanche de estados autoritários é uma realidade que mostra a crise do capitalismo, diante da crise do próprio capitalismo e da derrota, por outro lado, do socialismo real. A situação para o imperialismo é de tomar medidas drásticas contra qualquer movimento popular, qualquer tipo de rebeldia”.

Reflexões da historiadora Anita Leocádia Benário Prestes em entrevista ao TUTAMÉIA. Filha dos lendários Luiz Carlos Prestes e Olga Benário, ela fala sobre os 30 anos do fim da URSS, que se completam neste dezembro de 2021. Trata da conjuntura internacional, da possibilidade de um conflito na Ucrânia, da aliança entre China e Rússia. Analisa o panorama político brasileiro e os desafios para os comunistas e para os partidos que se declaram de esquerda.

Os cem anos da fundação do Partido Comunista Brasileiro e do movimento tenentista (em 2022), a trajetória e o legado de Prestes também são temas da conversa (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

“O imperialismo se renova o tempo todo, o grande capital. A burguesia mundial tem muito receio de uma possível reação popular em algum lugar. Então procura se reorganizar –e eles têm bastante dinheiro para isso, pagam seus especialistas para encontrar meios e modos de garantir a sobrevivência do capitalismo, da burguesia. E a repressão é um dos fatores para isso, estados autoritários”, diz ela.

PRESSÃO IMPERIALISTA SOBRE LULA E ORGANIZAÇÃO POPULAR

Avaliando o Brasil e a vantagem nítida de Lula, Anita ressalta que a crise capitalista de hoje é gravíssima, diferente do momento de 2003, quando o ex-presidente tomou posse pela primeira vez.

“Nessa situação, mesmo um governo de corte progressista, como pode ser o do presidente Lula, vai ter que fazer muitas concessões para o grande capital ou, falando em palavras mais claras, ao imperialismo. O imperialismo, o grande capital vai exigir que sejam postas em prática as reformas que lhe interessam, como está sendo feito agora, com o governo do Bolsonaro. A pressão vai ser toda nessa direção”, afirma. Anita segue:

“Das duas uma: ou o governo Lula vai realizar essas políticas, vai conciliar com essa situação e vai capitular diante das exigências do imperialismo para conseguir conservar o poder, ou vai ser derrubado. Se não houver um poderoso movimento de massas, que nós observamos no Brasil que não há, se o PT, como nos seus governos anteriores, continuar sem nenhum interesse em organizar as massas populares e mobilizá-las, sem essa participação popular, sem pressão popular, sem apoio popular, qualquer governo progressista cada vez vai ter menos margem de manobra, menos margem para atuar a favor dos trabalhadores”.

Ela enfatiza:

“Porque a pressão imperialista é uma realidade. E contra essa pressão só a organização popular. Coisa que no Brasil, lamentavelmente, é muito débil, para não dizer inexistente. Isso me preocupa em demasia. Ainda mais quando eu olho para o panorama atual eleitoral, em que as ditas esquerdas brasileiras –eu tenho duvido do quanto a gente possa chamar de esquerda, mas que se intitula de esquerda –só estão preocupadas com a eleição. Não vejo ninguém preocupado com organização popular, mobilizar os setores populares e se organizarem para impulsionarem um movimento inclusive de apoio àquelas lideranças que estiverem dispostas a realizar transformações profundas na realidade social”.

A historiadora adverte:

“O imperialismo tem força. Não nos iludamos. Os militares brasileiros, no alto comando, têm força. E sem organização popular, sem grande mobilização e conscientização dos setores populares, corremos o risco de que mesmo um governo Lula eleito –porque o governo Bolsonaro está sendo um desastre e, então, setores cada vez mais amplos se colocam contra o Bolsonaro e veem no Lula a solução– vai ser novamente derrotado. Nós continuaremos nesse ping-pong: um governo progressista é substituído por um governo cada vez mais reacionário e, depois, esse se desmoraliza e vem um outro progressista, cada vez com menos margem de manobra”.

Sobre como o imperialismo vai tentar atuar na eleição brasileira, Anita afirma:

“Ninguém representa melhor o imperialismo do que a Rede Globo. E os representantes da Globo estão claramente defendendo a chamada terceira via, que seria, no momento, o Moro. Mas pode ser outro. Sem dúvida, o Bolsonaro está muito desgastado, e o grande capital gostaria de arrumar uma terceira via, um bolsonarismo sem Bolsonaro”.

DERROCADA, RESISTÊNCIA E MARX

Ao TUTAMÉIA, Anita Prestes fala sobre o fim da URSS, há 30 anos:

“Foi algo muito lamentável que a grandiosidade da Revolução Russa, da União Soviética, que desempenhou um papel muito importante na história do século 20, tenha chegado às mãos de pessoas tão incompetentes, que praticamente entregaram de presente a União Soviética ao imperialismo, que estava sedento por botar abaixo as Repúblicas Soviéticas. E foi isso que conseguiram. [Boris] Iéltsin foi um verdadeiro traidor. [Mikhail] Gorbatchov nem tanto: foi um cara sem energia, sem capacidade de reagir. O imperialismo adorou isso e aproveitou bem. A situação chegou a esse ponto, 60% por causas internas e 40% pelo trabalho do imperialismo para derrubar a união soviética”.

Apesar da ofensiva indiscutível da direita pelo mundo, Anita fala da resistência em alguns lugares, como a Bolívia e o Chile.

De uma perspectiva mais ampla, ela afirma:

“Marx nos mostra que não tem solução para o capitalismo. O coveiro do capitalismo seria o proletariado. Hoje esse proletariado é muito mais amplo. Eles terão de cumprir essa tarefa. Mas, para isso, eles precisam de uma teoria revolucionária de acordo com a realidade de hoje. A derrota do socialismo real foi um negócio muito sério, e não se sai de uma derrota facilmente. Vai ter que ser feita essa programação de transformação revolucionária, de socialismo. Porque o capitalismo não tem mais solução”.

Para ela, o essencial é construir uma organização e um programa revolucionário.

“O grande capital não dá sossego. Exige que sejam postas em prática aquelas medidas que são do seu interesse, de preservação de seus lucros. Para se contrapor a essa força toda, é preciso um movimento dos trabalhadores organizado, consciente e com um programa revolucionário de transformação dessa sociedade. Isso vai ter que aparecer em algum momento”, afirma.