Só em Paris percebi quão terrível e aterrorizante pareceu o Inferno para o poeta Dante Alighieri. As paredes de uma estação de trem século dezenove transformada em sofisticado museu exibem a imagem do delírio dantesco.

Data de 1850 a pintura de William Bouguereau que retrata a passagem de Dante pelo Reino das Trevas.

Assustado, talvez enojado, o poeta italiano (de barrete vermelho na imagem) busca proteção e arrimo no seu guia, Virgílio, enquanto arrisca olhar para a terrível cena, que ele mesmo descreve  em sua “Divina Comédia”, dizendo nunca na história da humanidade, nem Tebas nem em Tróia terem sido vistas… “…fúrias em alguém tão cruas contra animais e mesmo gente humana, como em duas sombras vi, pálidas, nuas, perseguindo-se, com o estardalhaço de porcos soltos das pocilgas suas. Uma alcançou Capocchio, e no cachaço agarrou-o e, em seguida, assim o arrastando, fez-lhe o ventre coçar no solo crasso”.

Ao fundo, monstros de todos os coturnos, diabinhos voando para lá e cá, almas penadas de estelionatários e falsários, rufiões, aduladores, hipócritas, ladrões e aduladores.

Era o oitavo círculo do Inferno; antes dele, no sétimo, onde são punidos os que pecaram por violência contra si mesmos, contra os outros e contra Deus, Dante vislumbrou ao longe coisa terrena que nos interessa a todos: uma corrida de rua.

A tal corrida já era velha de quase cem anos quando entrou para a história nos versos da “Divina Comédia”. Por artes da burocracia e do engenho italiano, seguiu por séculos afora até os nossos dias.

No último dia quatro de junho, tive o prazer e a honra de participar, nos arrabaldes de Verona, da mais antiga corrida do mundo ainda em realização. É essa a história que conto a seguir.

A mais antiga corrida do mundo

Corrida é coisa dos infernos.

Afirmo sem pejo, não por motivo de fé religiosa, crença esotérica ou convicção profunda. Tenho provas, documentos, depoimentos registrados datados de quase mil anos. Está tudo por escrito.

As testemunhas são nada menos que Dante Alighieri, florentino até hoje considerado o poeta-mor em língua italiana, e o não menos artista das letras Virgílio, que nos deu o épico “Eneida”, a poesia completa da história da fundação de Roma.

Se já não bastassem declarações de gente assim gabaritada, há ainda a palavra de um condenado à danação eterna, o filósofo e líder político de Florença Brunetto Latini, que foi tutor de Dante, espécie de pai adotivo do autor de “A Divina Comédia”.

Para que não restem dúvidas sobre a veracidade dos fatos, eis a história como Dante a registrou na sua obra máxima.

Quando já passava dos trinta anos, por volta do que era naquela época a meia-idade, Dante estava meio perdido na vida, buscando o sentido da própria existência e as razões do mundo. Enfrentava turbilhão de emoções e sentimentos, sentia-se oprimido por dúvidas cruéis: estava em uma “selva selvagem” –expressão que usou para descrever as sensações que vivia então.

Pois foi aí que lhe apareceu o poeta Virgílio, assumindo o posto de guardião e guia de Dante no outro mundo, pelas profundezas do Inferno e o infinito de expectativas do Purgatório –nos caminhos do Céu, Dante teria outros orientadores.

O relato da viagem monumental se transformou na obra máxima de Dante –“A Divina Comédia”. Nela ficou o registro: na visita ao Inferno, o poeta viu ao longe corredores participando de uma famosa prova dos tempos medievais.

Para ser mais preciso, a visão se deu no sétimo círculo do Inferno, andar destinado à punição dos que em vida pecaram por violência e bestialidade –assaltantes, assassinos, suicidas, sodomitas, tiranos e blasfemos ali pagam suas penas caminhando, deitando ou ficando eternamente sentados em areão ardente, sob chuva de chispas de fogo.

Conduzido por Virgílio, Dante vê o sofrimento das almas danadas e, em meio àquela confusão de gritos de dor e turvas imagens, reconhece enfim alguém que lhe foi próximo: ninguém menos que Brunetto, seu antigo mestre entre os viventes.

Os dois batem um papo, lembram antigos amigos e inimigos na vida florentina, falam de traições e perfídias e, quando a conversa já se encaminha para o final, Brunetto olha para um lado e vê ao longe outra poeira que se levanta no areão ardente.

O registro está no final do décimo quinto canto, a partir da linha 115, quando o mestre de Dante vai se despedindo (a tradução para o português é de Italo Eugenio Mauro na ótima versão bilíngue publicada pela editora 34):

Mais eu diria, mas o andar e o sermão

não podem se alongar, porque o começo

vejo de outra poeira no areão:

gente vem lá, à qual não tenho acesso.

Que meu `Tesouro` para mim tuteles,

no qual ainda eu vivo, e mais não peço.”

Ao que Dante assume a narrativa, completando o relato da visão que ambos tiveram:

Então voltou-se, e um pareceu daqueles

que correm em Verona o pano verde

pela campanha, e pareceu ser, deles,

o tal que vence, e não o que perde.”

Historiadores do mundo das corridas e especialistas na interpretação de “A Divina Comédia” não têm dúvidas de que o poeta ali se referia a uma competição já centenária na época em que Dante produziu sua obra.

Dante e o trecho da “Divina Comédia” que cita a corrida de Verona

É a “Palio del Drappo Verde” (Corrida do Pano Verde), diz sem medo de errar o jornalista, editor e escritor florentino Indro Neri, apaixonado por corridas e por comida.

Ele é autor de um guia sobre a maratona de Nova York –com foco, por certo, na presença e participação de corredores italianos—e de um compêndio de receitas de substanciosos pratos tendo tripas como base, a chamada “peça de resistência”.

Esses volumes são encontráveis em livrarias virtuais pela internet afora; mais interessante para o corredor, porém, é um livreto editado pelo próprio autor, simples brochura, pouco mais do que um panfleto disponível apenas para poucos e só em italiano: “Dante Era Um Podista”, publicado originalmente em 1995 como suplemento da revista mensal italiuana “Podismo”.

Com bom humor, trata de provar que o poeta era um corredor ou, pelo menos, entusiasta das corridas a pé. Revisita a monumental “Divina Comédia” para encontrar referências ao pedestrianismo. E registra uma história completa da “Drapo Verde”, tendo por base pesquisas em documentos catalogados em museus e arquivos históricos italianos.

Desde a Antiguidade as corridas a pé fazem parte de celebrações mundanas, pagãs e religiosas. Foi uma corrida de cerca de cem metros, por sinal, a única competição realizada na primeira Olimpíada na Antiguidade, no ano de 776 antes de Cristo, na cidade grega de Olímpia.

Que gire a roda do tempo!

Quase dois mil anos depois, no que hoje é o norte da Itália, o feudalismo começa a sofrer fissuras. Barões e duques, senhores da guerra, perdem forças para a burguesia nascente; cidades-estados emergem, e o comércio passa a ser gerador de fortunas e poder político.

Na região do Veneto, a segunda metade do século 12 é marcada por conflitos, os poderes locais se aliando para enfrentar o imperador de Roma, cidades buscando se manter independentes. Depois de armistício assinado em 1176, o povo de Verona sonha em chegar ao novo século em paz, registra Alethea Weil em “The Story of Verona”, obra publicada em Londres em 1907.

Sonho vão, por certo. Passam as décadas, e as intrigas entre os poderosos se transformam em conflito armado a partir de meados de 1206: de um lado ficam o conde de San Bonifazio e a família Montecchi, que tinham sido aliados do poder romano, integrando a turma dos gibelinos; de outra, a orgulhosa Cidade de Verona, dominada pelo “partido” dos guelfos.

Comandados por Azzo VI, marquês de Ferrara, os independentistas vencem e consolidam a paz em 1207. Para celebrar o primeiro aniversário da vitória, o governante determinou que fosse realizada uma corrida a pé pelas ruas de Verona. O vencedor ganhava um pano verde de seda, prêmio de grande valia na época e origem do nome da corrida.

Realizada no primeiro domingo da Quaresma, a prova passou a ser parte da vida da cidade, e sua realização virou obrigatória, registrada em lei de papel passado pelos poderes locais. Giraram os séculos, Verona sofreu várias ocupações, mudaram os mandantes e as leis, mas o Palio seguiu firme e forte, com pequenas modificações de regras e percurso.

Muralhas de Verona, herança do período medieval

Além dos regulamentos, leis e estatutos falando da corrida e determinando suas regras e as modificações delas ao longo dos séculos, registros mais mundanos servem para atestar a perenidade do Palio Del Drappo Verde.

Quem nisso ajuda os historiadores é um sargento, Jacometo de Patulia, que em 1710 visitava Verona ou lá morava.

Indícios apontam que seria um turista, pois fez questão de deixar a marca de sua presença, gravando com seu canivete uma inscrição nas paredes do palácio Carlotti, no início do Corso Cavour, no que hoje se chama de centro histórico de Verona.

Apesar de pouco legível, com algum esforço dá para entender as palavras encravadas abaixo da quarta janela do térreo do palácio: “Em 2 de março de 1710 –o dia do pálio—o sargento Jacometo de Patulia esteve neste lugar”.

A competição só foi suspensa no final do século 18, em 1797, quando o  Império Veneziano –do qual Verona fazia parte—foi conquistado por Napoleão. Os prepostos do grande guerreiro francês acharam por bem acabar com as festas religiosas do território ocupado, e a coitada da corrida entrou de cambulhão, passando ao ostracismo e ao esquecimento.

Esquecida ficou por mais de duzentos anos, até que, no início deste século, apaixonados por corridas revisitaram a obra de Dante, notando a citação à prova de Verona. Andy Milroy, historiador britânico do mundo das ultramaratonas e entusiasta de história medieval, mergulhou na obra de pesquisadores italianos e motivou um grupo de corredores italianos a retomar o fio da meada.

Com base nas pesquisas históricas, a equipe de corridas Gruppo Sportivo Dilettantistico MOMBOCAR, já então transformada em organizadora de provas, tratou de reativar a Palio Del Drappo Verde em 2008, para o que seria o 800º aniversário da prova. Até aquela data, calculam os historiadores, a prova havia tido nada menos do que 590 edições efetivamente realizadas –a diferença se deve ao período de suspensão iniciado na tomada da região pelo Exército napoleônico.

Vai daí que, neste ano da graça de 2017, a Drappo Verde chega à sua sexcentésima edição –múltiplo perfeito de minha comemoração particular: eu chego aos sessenta anos, a corrida chega à sua edição número seiscentos. Participar do evento foi uma espécie de prêmio autoconcedido como comemoração da passagem da primeira metade de meu projeto de correr, ao longo deste ano, distância equivalente à de sessenta maratonas.

E assim me tornei, nos arrabaldes de Verona, o primeiro brasileiro –segundo me afirmaram os organizadores—, a participar da mais antiga corrida do mundo. Minha digníssima e amantíssima esposa, por sua vez, é a primeira brasileira ter a tal subida honra. Detemos, pois, o recorde verde-amarelo na Palio Del Drappo Verde, eu na meia maratona, Eleonora na corrida de dez quilômetros.

Recordistas mundiais e interplanetários, em nossas respectivas categorias, como representantes brasileiros na mais antiga corrida do mundo ainda em realização

Apesar de Indro Neri, em suas pesquisas, ter conseguido resgatar o que se supõe tenha sido o trajeto original da Drappo Verde, questões legais e o próprio desenvolvimento urbano ao longo dos séculos impediram até agora que a prova voltasse a um percurso mais semelhante ao desenho histórico.

Organizadores da prova e historiadores apaixonados por corrida sonham com o dia em que ele volte à área urbana de Verona, no centro histórico da cidade em que Shakespeare ambientou “Romeu e Julieta”, o dramalhão de amor mais romântico de que se tem notícia.

A cidade, aliás, respira a paixão dos jovens retratados pelo dramaturgo britânico. Para atrair a atenção e o dinheiro dos turistas, vale tudo: há a casa de Julieta, a tumba de Julieta, a tumba de Romeu, caminhos shakespearianos e milhões de lembrancinhas, livros, artefatos os mais diversos inspirados na paixão adolescente e proibida.

Não faltará quem jure quem é tudo verdade, pois o romance teria sido inspirado em figuras que realmente existiram, caminharam e se amaram nas ruas de Verona. Os Montecchios, por exemplo, seriam baseados na já citada linhagem Montecchi, traidores de Verona na batalha de 1207 –aquela mesma, cujo fim foi tão festejado pela cidade que passou a ser comemorada com a corrida do Pano Verde.

Corrida que, afirma o historiador britânico Wiliam Vernon, foi várias vezes presenciada por Dante durante seu exílio em Verona, onde viveu por muitos anos depois de expulso de sua Florença natal.

A cidade, por sua vez, também presta homenagem ao poeta. Há passeios turísticos pelos “Caminhos de Dante” e não faltam ruas e ruelas, bustos e estátuas do escritor que desceu aos infernos e subiu aos céus, protegido e inspirado por sua amantíssima Beatriz.

Hoje a prova é realizada nos surbúbios de Verona, em uma área rural produtora de vinhos e de cerejas estupendas. Passamos todos por grandes pomares em que viceja a deliciosa frutinha vermelha e por enormes parreirais. Tudo tem como base as instalações de uma cooperativa fabricante de vinhos, a Valpantena, que congrega mais de duas centenas de pequenos produtos locais.

É nos galpões da empresa que acontece, na véspera da prova, o equivalente ao que conhecemos por jantar de massas. Trata-se, na verdade, de uma celebração orgiástica da comida e da bebida.

A estrela das comilanças é um fabuloso risoto de cerejas, levemente adocicado. É precedido por entradas em profusão, pães, queijos e saladas, tudo regado a vinhos brancos e tintos especialmente rotulados em homenagem à edição 600 da Palio Del Drappo Verde.

Sai o risoto e entra o segundo prato, “os segundos pratos”, de fato: embutidos, conservas, queijos de várias procedências, que preparam o terreno para a sobremesa, colomba pascal com gotas de chocolate. Para finalizar, taças de espumante para todo mundo.

Com essa festança toda, eu já estava até dispensando a corrida, mas a manhã de domingo nasce ensolarada, e lá vamos nós de volta aos galpões da vinícola, agora preparados para receber os corredores. Num dos cantos do salão, acumulam-se os prêmios, as medalhas, troféus e caixas de presentes recheadas de bebidas e comidas locais.

Numa outra plataforma, uma grande gaiola serve de prisão para um gordo galo que pareceu ser da raça legorne, pelo pouco que me lembrava da criação que meu avô mantinha no quintal de sua casa em Porto Alegre, nos anos 1960.

A inusitada presença também tem razões históricas. Quando criada a corrida, lá em 1208, foi instituído o pano verde como prêmio ao vencedor. Com o peculiar humor italiano e com o passar do tempo, criou-se também presente para o último colocado, que recebia um galo como prêmio de consolação.

Melhor dito: prêmio de humilhação, como ressalta Neri em “Il Palio Podistico di Verona”. Isso porque o coitado do premiado tinha por obrigação desfilar pelas ruas da Verona medieval levando o galo por uma cordinha. Com era época de festas, o público entusiasmado aplaudia e vaiava o coitado do corredor; quem quisesse podia cortar a cordinha, obrigando o atleta a empreender nova corrida atrás do galináceo.

Havia também prêmio de consolação/humilhação na corrida de cavalos que acontecia em paralelo ao Drappo Verde. O cavaleiro perdedor ganhava um quarto de porco. A peça era amarrada ao pescoço da montaria, e o cavaleiro circulava por Verona, sendo permitido ao público tirar nacos do pernil para consumo próprio.

Enquanto me preparava para a largada, meditava sobre o assunto: quem haveria de levar a galo dos derrotados nesta edição comemorativa, realizada na ensolarada manhã do dia quatro de junho?

Os pensamentos foram atrapalhados pela balbúrdia da largada. Melhor: das largadas, pois são múltiplas provas realizadas sob o manto verde. Há uma caminhada nórdica e corridas de trilha em duas distâncias, todas com largada minutos antes do evento principal, a corrida nas distâncias de 21 quilômetros e dez quilômetros.

De certa forma e guardadas as proporções, a multiplicidade de modalidades também lembra um pouco a evolução da Drappo Verde que, ao longo de sua história, ganhou variedades diversas depois das primeiras décadas, em que houve apenas a corrida a pé.

O Statuto Albertino, código de leis compilado em 1271 por Alberto della Scala, estabelecia que duas corridas deveriam ser realizadas no primeiro domingo da Quaresma, a prova a pé e uma carreira de cavalos. O tal prêmio de consolação/humilhação também é determinado por lei: registro feito em 1328 especifica e ratifica a entrega do galo ao último colocado e o pano verde para o campeão.

No final do século 14, novos regulamentos determinaram que mulheres também poderiam participar da prova –ironia extrema, pois cinco séculos depois as mulheres não podiam dizer presente em alguma competições olímpicas e ficaram de fora da maratona até 1984.

Legislação estabelecida no “Statuto” de Giangaleazzo Visconti, aprovado em 1393, criava a prova feminina. Havia um porém: a corrida era aberta apenas para mulheres “honestas” –as casadas, pelo que se depreende da legislação dantanho. Se, no entanto, não houvesse mulheres honestas interessadas, a participação seria liberada para as prostitutas.

Para completar a bagunça geral, o último regulamento da Verona medieval de que se tem notícia, datando de pouco depois de 1450, muda a data das corridas, passando da Quaresma para a Quinta-feira Gorda (o dia seguinte à Quarta-feira de Cinzas”) e institui ainda uma corrida em lombo de burros, na qual o vencedor seria premiado com um pano branco.

O regulamento não determina o vestuário feminino; ao que tudo indica, até então os homens costumavam correr pelados, apesar do clima em geral ameno na época em que a Drappo Verde era disputada.

Na sua edição número 600, neste ano de 2017, o clima esteve longe de ameno. Quentura brava no final da primavera europeia, com o sol tostando o lombo dos corredores. Depois de dois quilômetros eu já estava pedindo água, mas o refresco só veio bem mais tarde; os postos de hidratação são colocados a cada cinco quilômetros. A meia maratona é disputada em duas voltas ligeiramente diferentes.

Em parte do percurso –o trajeto de ida, digamos assim–, o piso é de asfalto e gozamos da sombra de altos muros de pedra que protegem pequenas propriedades rurais onde são produzidas uvas e cerejas.

O caminho de volta, porém, atravessa belíssimo parreiral, e o que tem de belo tem de quente, pois não há proteção contra o solaço –a sensação é de que a temperatura estava em torno dos trinta graus. Sem defesa, o solo de terra batida, pedregulhos e areia fina se torna rima ao areão ardente visto por Dante no sétimo círculo do Inferno.

Os que correm dez quilômetros fazem uma vez o percurso. Nós, os poucos meio maratonistas na brincadeira, engatamos uma segunda rodada, um quilômetro mais longa do que a primeira, mas, como ela, com apenas dois postos de água.

Por isso, quando a sede apertou, decidi não sofrer. Tal como muitos antes de mim, ataquei as cerejeiras que vicejavam à beira da estrada, e o suculento fruto me ajudou a completar feliz a prova mais antiga do mundo.

Com ela, totalizei no dia quatro de junho último 1.128,34 quilômetros percorridos desde o dia primeiro de janeiro neste ano em que, para celebrar meu sexagésimo aniversário, pretendo percorrer distância equivalente à de sessenta maratonas, 2.532 quilômetros.

Ao longo do caminho, discuto também questões de saúde, qualidade de vida e inserção social dos mais velhos, o povo que atinge a chamada Terceira Idade.

Não tem sido uma jornada fácil, especialmente por causa de lesões e do fato de que, nos mais velhos, a recuperação costuma ser mais lenta. Em compensação, venho aprendendo muito sobre a vida, as corridas e o envelhecimento.

Tudo isso me dá força e aumenta minha determinação, mas a velocidade continua não sendo grande coisa: ganha um doce quem adivinhar quem ganhou o galo na sexcentésima edição da Palio Del Drappo Verde, a mais antiga corrida do mundo ainda em disputa nos tempos modernos.

O que só reforça minha crença esperançosa no popular ditado que, ao arrepio da lógica, afirma: “Os últimos serão os primeiros”.

VAMO QUE VAMO!!!