“Bertold Brecht, na sua peça sobre Galileu, diz que um dos objetivos fundamentais da ciência é diminuir ou acabar com a miséria humana. Todos os grandes cientistas –Galileu, Darwin, Einstein, Marie Curie– foram atuantes. A ciência sempre busca melhorar a condição de vida das pessoas. E, por isso, se contrapõe a muitos preconceitos e a ideias que dizem o contrário, que acham que a sociedade deve se organizar a partir de uns poucos privilegiados”.
É o que afirma Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ao TUTAMÉIA, em entrevista em que analisa as razões da ascensão obscurantista no Brasil e em alguns países. Professor do Instituto de Física da UFRJ, ele lembra os que a ciência já sofreu ataques em outros momentos da história. “A Alemanha, na década de 1920, teve uma onda anticientífica forte, anticultural forte, preconceituosa e racista forte. Foi a onda que elegeu Hitler, num país que era extremamente avançado em ciência, arte e cultura”, afirma.
A conversa (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV) ocorre no dia em que se completam 212 anos do nascimento de Charles Darwin (12 de fevereiro de 1809-19 de abril de 1882), cientista maior, autor de “A Origem das Espécies” (1859), até hoje alvo da ignorância. Estudioso da passagem do britânico pelo Brasil, Moreira trata da importância da diversidade no ambiente brasileiro para a construção da teoria da evolução de Darwin –que ficou chocado ao ver a violência da escravidão por aqui. Nesta entrevista, o físico aborda a trajetória do pensamento científico e as barreiras que a ciência e a tecnologia enfrentam, em plena pandemia, no Brasil governado pela extrema direita.
Para ele, “muitas mortes poderiam ser evitadas se houvesse uma política adequada por parte do governo federal, com um plano integrado, com a valorização do SUS e com investimentos em ciência e tecnologia”. No Brasil, diz, há um número desproporcional de mortes, em razão de uma “incompetência dirigida e de um negacionismo”. Uma crise gravíssima, aprofundada por cortes orçamentários.
“A redução de recursos para ciência e tecnologia começou a partir de 2015, se acentuou muito em 2017-2018 e em, 2019 e 2020, atingiu as raias do absurdo. Para 2021, a redução de recursos é extrema. É uma tragédia sanitária, um desmonte do sistema de ciência e tecnologia. Os laboratórios estão começando a fechar. Os jovens se formam e vão embora porque não têm perspectiva de trabalho. A economia, que poderia ser alimentada pela inovação tecnológica, está numa situação muito difícil”, declara. E segue:
“Esse um desprezo pela vida, que às vezes a gente vê em manifestações oficiais, é absolutamente contrário à visão humanista que nós temos na ciência e à própria Constituição. A Constituição estabelece o direito à vida, à educação, à saúde. Diz que ciência, tecnologia, pesquisa cientifica devem ter tratamento prioritário do Estado. Que tratamento prioritário é esse que elimina 90% dos recursos? Que faz com que os jovens partam para o exterior? Que faz com que os laboratórios parem? Que não tem enfrentamento adequado à pandemia? Outras pandemias virão e o instrumento mais adequado para enfrentá-las é a ciência”.
Ao TUTAMÉIA, Moreira fala das articulações da SBPC com outras entidades da sociedade civil em defesa da vida e da democracia no Brasil. Ele ataca a lei do teto de gastos e define o discurso do governo como um “terraplanismo econômico”, focado em interesses de minorias. “A elite brasileira é muito egoísta; seus interesses estão acima de tudo. Ela não se importa com milhões de pessoas que são o povo brasileiro. As riquezas são apropriadas por setores minoritários da sociedade. Com a pandemia, temos uma massa de miséria gigantesca. Temos pessoas que estão morrendo de fome e pessoas que enriquecem milhões, uma desigualdade muito grande”.
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