A jornalista Rosa Freire D`Aguiar prepara livro em que vai apresentar uma seleção das cartas do exílio do economista Celso Furtado, um dos precursores da tentativa de compreender o Brasil e de construir uma Nação soberana.

Editora, tradutora prolífica –acaba de ver publicada aqui no Brasil uma tradução que fez de obra do Marquês de Sade–, a viúva de Celso Furtado contou ao TUTAMÉIA sobre os desafios desse trabalho, que espera completar talvez no próximo ano.

É um mundo: há desde telegramas de universidades norte-americanas oferecendo cátedra a Furtado, logo depois do golpe militar no Brasil, até um convite assinado pelo pastor Martin Luther King para participação em seminário nos Estados Unidos.

Essas são algumas das mensagens que contribuem para dar uma ideia da estatura do economista brasileiro, do respeito que era dedicado a ele pela comunidade internacional.

Outras cartas –e essas talvez sejam o âmago do projeto de Rosa Freire d`Aguiar—jogam luz sobre a produção intelectual de Furtado, mostram o que ele estava pensando quando fez algumas de suas formulações.

“É um projeto muito prazeroso, mas também trabalhoso”, diz a jornalista que, desde a morte de Furtado, em 2004, se dedica a organizar os arquivos do economista.

“Já fiz uns doze livros, reedições dele e sobre ele … Nesses 14 anos, eu trabalhei muito a obra dele. Agora os arquivos dele são muito ricos, arquivo papelada, quero dizer, porque a biblioteca está arrumada lá no Centro Celso Furtado, com acesso público”.

A biblioteca funciona no Centro Celso Furtado, no Rio de Janeiro. Pode ser visitada ao vivo e em cores e também tem o catálogo disponível na internet para consultas.

“Uma coisa bacana”, diz Rosa, ”é que, além dos livros do Celso, eu criei um banco de teses sobre o Celso. Desde que ele morreu, já tem umas cinquenta teses, que estão praticamente todas on-line.Também um banco de artigos acadêmicos sobre ele, deve ter já uns duzentos artigos. É um trabalho permanente…”

Trabalho, que agora, ganha nova dimensão com o processo de análise e seleção das cartas do exílio.

“Como talvez os mais jovens não saibam”, diz Rosa, “em 1964 houve um golpe de Estado, um golpe militar. Celso na época estava no governo do Jango, ele era superintendente da Sudene, que era a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, criada por ele no governo JK, e ele foi exilado. Havia algo naquela época chamada de cassação dos direitos políticos e, depois, dos direitos cívicos. Ele foi cassado, a cassação era por dez anos.”

E segue:

“Ele não tinha mais como trabalhar no Brasil. Primeiro foi para o Chile, em 1964, depois para a Universidade de Yale (EUA), como pesquisador na área de economia. No início do ano letivo de 1965, ele foi chamado pela Sorbonne, onde ele já tinha feito a tese, era doutor em economia pela Sorbonne. Voltou e passou a ser professor, coisa que ele nunca tinha sido na vida. Gostou, ele tinha jeito, porque precisa viver no exílio, ter alguma profissão.”

Foi na França, no exílio, que Rosa conheceu Celso.

Ela na época era jornalista, correspondente na França da revista “IstoÉ” –depois, acumulou também o cargo de correspondente do jornal “República”, criado por Mino Carta.

“Tem muita gente que diz que eu estava entrevistando o Celso, mas não… Foi numa feijoada, para variar, porque acho que nunca fui a tanta feijoada na vida como no exílio.

“Feijoada é um bom prato… Qualquer coisa você põe mais água no feijão, pode chamar mais gente, congrega muita gente, é um prato assim de congraçamento. Faz mais arroz, faz mais farofa, é um prato fácil de fazer.

“Foi numa feijoada de um amigo nosso, que tinha nove filhos, o José Maria Rabello, foi gerente de uma livraria brasileiro-portuguesa em Paris, ele morava fora de Paris e fez uma feijoada…”

Feijão vem, feijão vai, o casal ficou junto por mais de vinte anos, até a morte de Celso Furtado.

E é da vida no exílio que Rosa recupera a correspondência de Celso.

“A correspondência sempre ajuda muito a ver quem era a pessoa, quem não era. O que está mais me interessando é ver o debate sobre a América Latina e também sobre a Europa, naquele período. Debateram muito os problemas da América Latina, o pós-guerra, a industrialização, o desenvolvimento econômico, a dependência, ainda em torno daquela problemática de centro-periferia, que é mais ou menos o fulcro do debate da Cepal.”

Num determinado período, conta ela, Celso chegou a criar com uns poucos amigos um clube de correspondência. Uma vez por mês, cada um escrevia aos outros contando sobre os trabalhos que estava desenvolvendo e criticando, debatendo os trabalhos dos demais.

“As mensagens são suculentas, tem carta de duas laudas, três laudas. Eles comentam com muita franqueza o trabalho do outro, contam o que estão fazendo. É um mar de ideias. Você vê as ideias pululando…”

No total, calcula ela, há um volume de cerca de dez mil cartas relativas a esse período.

“É um turbilhão de ideias, um turbilhão de cartas”, resume Rosa, que contou muitos outros detalhes na entrevista, falando também das dores do exílio, da perseguição e das mesquinharias dos prepostos da ditadura militar (veja no vídeo acima).