por Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4
Para mim, fado sempre foi sinônimo de Amália Rodrigues. Desde menino eu amava Amália. Encantava-me a volúpia de seu cantar, um canto sofrido, por vezes seco, noutras doce e cristalino. Quando Amália Rodrigues cantava… Só hoje consigo expressar o sentimento de então: sua voz soava definitiva, nunca ninguém haveria de cantar o fado como ela… (Bem, não cheguei a pensar nessa hipótese, não, mas poderia muito bem ter pensado).
Divagando: na vitrola do meu passado, Amália se destacava. Não tanto quanto um samba de Noel, um baião de Gonzagão ou mesmo uma bossa nova de João Gilberto. Mas o fato é que o fado, na voz de Amália Rodrigues, aumentou minha lista de músicas preferidas. (Achei necessário este posfácio, pois, diante da variedade de gêneros e intérpretes brasileiros, ele diz do meu gostar da música portuguesa.)
Bem, gente, muito obrigado pela atenção. Eu precisava que soubessem o valor ancestral que dou à música portuguesa pós-Amália Rodrigues… Refiro-me a Carminho.
Meus Deus, o que é Carminho? Ela é uma das intérpretes mais modernas da atualidade. E não é só cantando fado, não, gênero que fala à alma do povo português: cabe a ela, junto com outros poucos conterrâneos seus, a renovação artística e estética da música d’além-mar.
A entrega de Carminho à música é sempre comovente. Ao abrir Maria (Warner), seu quinto CD, cantando à capella “A Tecedera”, de sua autoria (sim! Carminho canta e compõe), ela e sua voz diferençada revelam emoções e dão a sua originalidade à luz.
O impacto que senti ao ouvi-la foi como despencar num vácuo durante a turbulência que faz o avião dar pinta de que vai cair: a cabeça parecendo que vai desgrudar do pescoço. E…
E Carminho explode seu canto na nossa cara, entregando-nos a emoção que passa a ser nossa também, pois é impossível não se render ao sentimento de uma voz tão límpida e afinada. Voz que não teme quase chorar, muito menos esconde utopias e verdades: “(…) Mas à vista não há morte/ Fiarei toda a beleza/ O fio apanhei por sorte/ Ou por ter muita tristeza”.
Outras três composições têm letra e música só dela, duas têm letras escritas com parceiros e cinco são de outros compositores. O instrumental conta com arranjos à altura da força de Carminho e do DNA da música portuguesa: guitarra portuguesa e viola de fado, somadas, dentre outras, ao piano e à guitarra elétrica, instrumento que Carminho toca em uma das faixas. O repertório exprime a sua essência, o seu total: sonhos embalados por voz privilegiada, o canto capaz de aquecer corações frios, que a todos faz de reféns.
Eis uma intérprete pronta para ser cada vez mais amada pelos portugueses, e agora também pelos brasileiros.
Hoje, incluo-me entre os que se deixaram cativar e agora têm Carminho como irmã consanguínea. Enlevado, busquei inspiração em Noel Rosa para melhor me expressar: assim como “o samba é a prontidão e outras bossas”, Carminho também é coisa nossa… ora bolas, Carminho é do mundo.
Muito prazer, Caminho. Prazerzão ler a narrativa de Aquiles. Valeu, mesmo, obrigada.