“Bolsonaro acha que ganha com a confusão, com o caos e com a violência. O 7 de Setembro vai ser um teste da democracia brasileira. Pela minha idade, já vi vários golpes, mas acho que este é o momento de maior tensão anunciada que eu vi o país viver. Vejo com grande preocupação. Acho que nós devemos ter um misto de firmeza com sabedoria”.

A avaliação é de Celso Amorim ao TUTAMÉIA. Para ele, preocupa especialmente a incitação ao uso de armas por alguns grupos, a participação de policiais militares. Segundo ele, há o risco de o país cair num abismo nazista e é preciso ampliar a oposição à Bolsonaro.

“O 7 de setembro está sendo usado para tumultuar. A provocação pode ocorrer. A provocação é o objetivo da manifestação. Provocação ao STF, provocação às autoridades constituídas. É o objetivo. Qualquer ação que facilite a provocação é uma ação que deve ser evitada”.

Assim, ele defende cautela. “Onde for possível, concentrar essa manifestação no Grito dos Excluídos, mas evitando totalmente qualquer hipótese de confrontação. E talvez marcar uma outra manifestação pelo Fora Bolsonaro, que possa ser mais ampla e ter apoio inclusive de setores aliados”.

Ele segue:

“Temos algo histórico, que é o Grito dos Excluídos, que é tradicional. Eu não conclamaria à participação. Os que já participam, que participaram tradicionalmente, que façam, para também não dar uma demonstração de acovardamento, o que também não seria positivo. Sou muito contrário a atitudes provocativas. Não deixar de lado o Grito dos Excluídos. Os provocadores são do outro lado; eles irão lá chatear. Bolsonaro está incentivando as milícias, esse é o objetivo”.

“E por que esse é o objetivo? Porque o Bolsonaro já sabe que ele perderá a eleição. Se e quando houver eleição, ele vai perder. Inicialmente, jogou com a tática de desacreditar o processo eleitoral –continua jogando…  Ele tem apoio de poucos setores sociais, tem um pouco do centrão, os militares, com exceções. Mas, de modo geral, sobretudo o Alto Comando do Exército, não está entusiasmado. Pode dizer que não está contra, evidentemente. A centro-direita também não gosta desse caminho”.

Ministro das Relações Exteriores nos governos Lula e Itamar e da Defesa no governo Dilma, ele afirma que Bolsonaro “quer antecipar a confusão, antecipar o golpe”.

“Pode não ser um golpe militar tradicional, mas pode ser, digamos, fruto de uma agitação em que você não sabe bem quem é a polícia, quem são as milícias. No momento em que estamos vivendo, se nós compararmos o que pode ocorrer no Brasil com o que ocorreu no Capitólio, o que se pode dizer é o seguinte: para que as milícias prevaleçam, basta que as Forças Armadas não façam nada, que elas estejam impedidas de agir –ou por indecisão, ou porque estejam divididas”.

Nesta entrevista (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV), Amorim considera que não conclamar para atos da oposição no Sete de Setembro não é demonstração de fragilidade:

“Não seria sinal de fraqueza. A minha tendência seria dizer: não faz nada. Não vejo como recuo. É como um lutador de box, quando você vê que o cara vai dar um soco e você dá uma saída de lado e ele dá o soco no ar. Ele se enfraquece, porque dá um soco no ar, não atinge lugar nenhum. Não acho que tenha que ter essa confrontação. O que ocorreu na Alemanha entre as milícias da SS e as milícias comunistas e acabou dando no que deu. Nós não ganhamos nada com isso”.

ABISMO NAZISTA

“Fico muito preocupado quando vejo pessoas responsáveis, pessoas que têm tomado em outros pontos atitudes positivas, inclusive no caso da pandemia, como é o caso do governador Dória, procurar criar para si próprio a terceira via na base da desqualificação moral do adversário, que seria o Lula, para angariar votos do Bolsonaro”, diz Amorim.

Ele segue:

“Eu sei que a política eleitoral tem a suas lógicas, mas estamos vivendo um momento de crise. No momento o que corre risco é a instituição brasileira. Eu não estou exagerando. O Brasil está arriscado a entrar num abismo do qual ele não mais sairá. Não é um abismo qualquer, como os que tantas vezes a gente enfrentou na área econômica e em outras áreas. Nós podemos entrar num ciclo nazista de luta pelo poder em que você vai ter que ficar escolhendo entre o Mourão e o Bolsonaro. Gente! A gente quer ter essas opções? Ninguém quer”.

Amorim ressalta:

“Nós não podemos cair nesse abismo e ficar nisso. As pessoas que são democratas –e eu incluiria nisso muita gente do PSDB– têm que aproximar. Mas não pode ficar dizendo, como disse o governador de São Paulo, que o Lula praticou roubo. O que que é isso, gente! Não é uma acusação vaga. Que roubo é esse? Onde está o produto desse roubo? Foi tudo anulado! Ficar usando isso, no fundo, acaba apoiando o golpe”.

Na visão de Amorim, “era preciso haver a compreensão de que para fazermos um palanque parecido com o das Diretas-Já nós temos que ter um pacto de não agressão nesse momento. O maior risco que o país corre é o bolsonarismo. O bolsonarismo é uma coisa original num certo sentido, mas se baseia em modelos fascistas e nazistas. Nós devemos estar juntos, o mais amplo possível. Depois cada um toma o seu rumo”.

Diz Amorim:

“Jamais vi nada parecido com o que está acontecendo hoje. Nem nos governos militares  –claro que houve casos terríveis, medonhos, tortura, assassinatos —, mas, de modo geral, na atitude dos presidentes nunca vi nada comparável. Aliás, nunca vi nada comparável no mundo. É um misto de tirano e bufão o que nós estamos vendo hoje”.

Ao TUTAMÉIA, Amorim também tratou da situação internacional após a derrota norte-americana no Afeganistão e demarcou linhas gerais para as relações internacionais do Brasil no pós-Bolsonaro.