“Através de seus discursos, através de seus atos, Hitler não deixou nenhuma dúvida do que iria fazer no poder. Meus pais, que viviam na Polônia nos anos 1930, foram para Israel porque acharam que Hitler tinha de ser levado a sério. Meus pais tinham consciência da gravidade da situação. Eles tentaram convencer seus familiares de que a situação era grave e que era preciso tomar providências, e toda a família dizia: “Não, isso não é tão grave, isso nunca aconteceu”. Desprezaram o risco. Bem: eu estou aqui vivo, e da família dos meus pais não sobrou pedra sobre pedra. Não sobrou pai, não sobrou mãe, não sobrou tio, não sobrou avô, não sobrou irmão, não sobrou irmã, não sobrou ninguém, porque não levaram a sério os riscos.”
O depoimento é de Oded Grajew, um dos criadores do Fórum Social Mundial, empreendedor social envolvido nas lutas em defesa da democracia no Brasil. Em entrevista ao TUTAMÉIA, ele lembrou essa história de seu passado para traçar um paralelo com a situação brasileira e alertar sobre os perigos que passa a democracia no país.
“Estou muito preocupado. Os sinais são muito fortes para um avanço totalitário. É muito importante observar os sinais. Temos a crise na saúde, que é gravíssima, estamos praticamente na liderança mundial, e a crise econômica. É o caldo perfeito para avanços totalitários do governo Bolsonaro”, disse ele (assista à entrevista no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Ele reafirma: “Esses avanços totalitários ocorrem em momentos de graves crises econômicas e sociais. E a crise da pandemia é associada a uma crise social e a uma crise econômica muito grande, que ainda está no seu início. Os sinais são muito preocupantes. É uma situação que a gente não viveu desde o restabelecimento da democracia: um risco tão iminente, tão forte, de cairmos em um regime totalitário, um regime militar”.
Para enfrentar o problema, diz Grajew, “o primeiro passo é cair a ficha da gravidade da situação. Acho que ainda há movimentos sociais e organizações da sociedade civil que acham que nós temos instituições democráticas que vão resistir, que a coisa não é tão grave assim. Tomar consciência da gravidade da situação é o primeiro passo”.
É preciso também entender os planos de Bolsonaro: “Ele tem um projeto muito bem arquitetado, forte, para implementar uma intervenção militar no Brasil. Bolsonaro anunciou aos quatro ventos seu amor pelo regime militar, nunca deixou de enaltecer a ditadura, de enaltecer torturadores. É para ser levado a sério. Enfraquecer e constranger as instituições democráticas faz parte do projeto de Bolsonaro”.
Para tentar se fortalecer, Bolsonaro busca afastar de si a responsabilidade pela crise, alerta o ativista: “Bolsonaro já está em busca dos culpados pela crise. Ele já deixou bem claro: são as instituições democráticos, o Congresso nacional, o STF, os governadores, os prefeitos, que não deixaram que ele fizesse o que queria, que era liberar a economia, que insistiram nas quarentenas, no distanciamento social, apesar da insistência dele de querer liberar. Culpa também uma boa parte da imprensa, que apoiou a quarentena e o distanciamento. Enfim são as instituições democráticas”.
É preciso reagir, aponta Grajew: “Nós precisamos insistir, promover o confronto das narrativas para dizer que o culpado pela crise se chama Jair Bolsonaro. Temos razões para afirmar isso, temos argumentos para isso, temos dados concretos para demonstrar isso: o culpado é Bolsonaro. Isso vai erodindo a popularidade dele. E quando a popularidade dele baixar de dez [por cento], há chances de viabilizar o impeachment”.
Acrescenta: “É muito importante mostrar que a batalha não é apenas pela democracia, mas que a crise econômica que se está estabelecendo, a crise sanitária tem um responsável, que se chama Jair Bolsonaro”.
Ao mesmo tempo, é preciso construir uma unidade de ação de todos os que são contra Bolsonaro: “A sociedade está muito mais unida do que os partidos políticos. É importante a sociedade tentar sensibilizar os partidos políticos de que o momento é muito grave e que, para enfrenta-lo, é necessário ter uma união. A pressão tem de vir da base, vir da sociedade. Dizer para os partidos políticos: sabemos que vocês têm diferenças, que vocês têm ressentimentos, que vocês podem ter outros projetos de poder, mas o momento exige união. Os partidos precisam superar suas diferenças e se juntar, diante da gravidade da situação. E acho que isso está acontecendo um pouco.”
Até mesmo o empresariado, que de modo geral apoiou a candidatura de Bolsonaro, agora está tendo dúvidas, e parte já não segue o líder como antes.
Grajew lembra que “o empresariado, salvo raras exceções, é movido por interesses econômicos. Tanto faz se é uma ditadura, um regime militar ou se é uma democracia, o interesse maior são os econômicos”. Hoje, o que acontece no Brasil, afirma ele, é que “uma parte dos empresários está desembarcando do Bolsonaro porque percebe que o Bolsonaro está na raiz da crise econômica, que vai se agravar, e que ele é um elemento nefasto para o crescimento e para o desenvolvimento econômico. É isso que move o empresário. Por isso acho muito importante –e nós temos feito essa campanha no meio empresarial, mostrando que a responsabilidade pela crise econômica que está aí e que ainda virá se chama Jair Bolsonaro. É isso que faz com que os empresários vão tirando apoio ao Bolsonaro”.
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