A burguesia não agiu em bloco no impeachment. O conflito não foi entre o capital industrial e o financeiro, mas entre o capital nacional e o estrangeiro –o grande beneficiário do golpe. Hoje, em razão dos ataques de Bolsonaro à democracia e dos descalabros no enfrentamento à pandemia, cresce a oposição burguesa ao governo. Sem ter conseguido criar uma terceira via, o grande capital assedia Lula, a quem dá apoio crítico.
Essas são algumas ideias que os sociólogos André Flores e Pedro Narciso debatem no TUTAMÉIA. Eles são os organizadores de “A Burguesia Brasileira em Ação: de Lula a Bolsonaro”, livro que disseca as contradições das elites do país. No livro, eles e mais oito colegas dissecam os comportamentos das diversas frações burguesas no país nesses últimos anos.
Mostram seus interesses, suas contradições, atuação nos movimentos de apoio aos governos petistas e, mais tarde, como as parcelas da elite foram aderindo ao golpe que derrubou Dilma Rousseff em 2016. Naquele momento, assinalam, houve forte interferência do capital estrangeiro e de seus associados no país.
O livro percorre setores como o agronegócio, a indústria, os bancos, a construção civil _ fundamental para o estabelecimento da hegemonia do bloco de poder nos governos petistas, afirmam os autores (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“Na medida em que o bolsonarismo tenta dar um golpe, ele se descola dos interesses de frações burguesas. Isso apresenta um risco para elas sobre o comando da política econômica. É essa ameaça que as impele a fazer um apoio crítico à candidatura Lula”, diz o sociólogo André Flores.
Para os organizadores do livro, editado pela Enunciado Publicações, há uma tendência de crescimento em setores da oposição burguesa. Além da questão democrática, há o desastre do governo na pandemia. E também descontentamento com a abertura do mercado interno promovida por Bolsonaro. “Eles estão se bandeando para a oposição, apoiando criticamente a candidatura de Lula, como é o caso dos bancos nacionais”, avalia Flores.
RISCO PARA OS BANCOS NACIONAIS
Doutorando em ciência política pela Unicamp, ele segue:
“Os bancos nacionais têm tido lucros sempre recordes, sequenciais. No entanto, do ponto de vista do conteúdo das medidas econômicas implementadas pelo bolsonarismo, algumas delas apresentam um risco muito grande para os interesses deles. Principalmente no caso da transferência do poder de abertura do mercado bancário. Antes, esse poder estava concentrado na presidência da República, mas foi transferido para o BC. O objetivo dessa medida é facilitar a abertura do mercado bancário. Essa medida representa uma ameaça direta para os interesses dos grandes bancos nacionais. Isso junto com a questão democrática e a questão sanitária ajudam a explicar porque que eles se dividem –e parte deles está adotando essa linha do apoio crítico ao Lula”.
LULA ASSEDIADO PELO CAPITAL
Com o fracasso do projeto da “terceira via”, o sociólogo identifica um novo momento para a burguesia:
“O grande capital passa a assediar a candidatura Lula e exigir compromissos, para que ele preserve, se não tudo, pelo menos alguns aspectos dessas reformas neoliberais que foram implementadas desde o governo Temer, a trabalhista e a previdenciária. Ainda não sabemos o que constar do programa da candidatura Lula. Se vai ser uma revogação integral da reforma trabalhista, ou se vai ser o que aconteceu na Espanha, uma alteração de alguns pontos mais deletérios. Aparentemente, não vai ser isso o determinante para a oposição em relação às candidaturas. Mas há um esforço desses setores do grande capital de tentar manter esses compromissos”.
GOLPE BENEFICIOU INTERESSE EXTERNO
Pedro Narciso, também doutorando pela Unicamp, se dedica a pesquisar o Pré-Sal e os seus impactos políticos e econômicos. Ele ressalta a interferência de interesses estrangeiros no golpe de 2016:
“Quais foram os efeitos da substituição do governo Dilma pelo de Temer? Os efeitos mais imediatos são no sentido de priorizar os interesses do capital internacional. Isso é um indicador do papel que esse capital cumpre no processo de golpe”.
Ele cita a descoberta do Pré-Sal, em 2007, e a mudança do regime de exploração, instituindo a partilha.
“Na partilha, a Petrobras deteria o monopólio da exploração, de acordo com a sua estratégia. A Petrobras é que iria ditar o ritmo de produção, os investimentos, quem seriam os fornecedores. Isso deslocou completamente o capital internacional no setor de petróleo no Brasil. Ele poderia participar da exploração simplesmente como investidor, mas nunca como controlador do processo. Um dos primeiros atos do governo Temer foi tentar desnacionalizar completamente a exploração do Pré-Sal. Não foi à toa que a Petrobras esteve no centro no processo da Lava Jato e de caça às lideranças do governo. Esse setor foi o que teve o conflito mais claro com o capital internacional”, afirma.
CONFLITO ENTRE CAPITAL NACIONAL E CAPITAL ESTRANGEIRO
Dedicado a pesquisar o setor financeiro, Flores aponta no livro:
“O fracionamento do capital financeiro entre os grandes bancos comerciais nacionais, ou burguesia interna bancária, e os setores vinculados ao mercado de capitais, ou burguesia financeira associada, indica que o conflito principal que dividiu o posicionamento das frações burguesas durante os governos do PT não foi o conflito entre o capital industrial e o capital financeiro (ou coalizões ‘rentista’ e ‘produtivista’), mas o conflito entre o capital nacional e o capital estrangeiro, que unificou o capital nacional tanto nos setores industriais, como no setor bancário, em defesa do governo. A dimensão do imperialismo importa na medida em que a contradição entre o capital nacional e o capital estrangeiro atravessa o próprio capital financeiro, e o desenvolvimento desigual enseja contradições no processo de mundialização do capital”.
BURGUESIA NÃO AGIU EM BLOCO NO IMPEACHMENT
Para o sociólogo, “o golpe foi resultado de um processo complexo e tortuoso de luta de classes e frações de classe, o que afasta a hipótese simplista de que a burguesia, agindo em bloco, teria descartado o governo do PT diante do esgotamento do modelo de ‘conciliação de classes’. Tal hipótese não é capaz de explicar os diferentes posicionamentos e a divisão entre as frações de burguesas na crise do impeachment”.
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