“Os Estados Unidos traçaram uma trincheira, e uma trincheira só tem dois lados. Os democratas nos colocamos ao lado dos que reconhecem a vitória de Maduro”, diz o cientista político espanhol Juan Carlos Monedero, em entrevista ao TUTAMÉIA. Um dos fundadores do partido Podemos, da Espanha, e ex-assessor de Hugo Chávez, ele afirma: “A Venezuela é a condição para os Estados Unidos conseguirem manter sua hegemonia ou deslanchar uma guerra no continente americano, precedendo a guerra contra a China, que é o objetivo dos EUA”.

Falando de Caracas em 11 de janeiro de 2025, dia seguinte à posse de Nicolás Maduro, Monedero afirma: “Imagine que se caísse a Venezuela. Cairia Lula. Cairia Petro. E a esquerda desapareceria praticamente da América Latina. E isso os Estados Unidos e as elites da direita latino-americana têm muito claro”.

Nesta entrevista, ele avalia que o planeta vive em um momento de inflexão. Trata dos conflitos, da recente posição das big techs e do discurso expansionista de Trump. Nesse ponto, compara a situação atual ao que aconteceu quando do Pacto de Munique em 1938, quando Reino Unido e França sucumbiram aos interesses da Alemanha nazista. Hoje, o cientista político observa, a reação na Europa e no Canadá é inexistente. “É a entrega absoluta da dignidade, é a entrega absoluta de um mínimo respeito à soberania nacional”.

A seguir, a entrevista.

 

TUTAMÉIA – Começamos mandando nossa solidariedade a todos os militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que foram vítimas de um ataque terrível na madrugada de ontem para hoje no assentamento Olga Benário, em Tremembé, em São Paulo. Dois militantes foram mortos e seis feridos. Nossa solidariedade às famílias e ao MST como um todo.

Qual o significado da posse de Nicolás Maduro a 20 dias da volta de Donald Trump ao poder nos EUA?

JUAN CARLOS MONEDERO – Uma saudação e toda a minha solidariedade também para os familiares, amigos e companheiros de militância do movimento dos sem terra. Esses ataques violentos estão ocorrendo em muitos lugares do mundo. A direita e a extrema-direita deixaram de assumir a democracia em muitos lugares e o discurso que nega a democracia, esse discurso ultra, de gente como Bolsonaro, tem como consequência esse tipo de ataque. Estamos vivendo isso também na Espanha e na Europa. E, também de maneira orquestrada, estamos vendo a tentativa de desconhecer o resultado eleitoral que dava a vitória a Nicolás Maduro. Há uma pressão internacional muito forte, muito forte, sem nenhum tipo de compromisso com a verdade, pois tentou, sobretudo, construir um discurso internacional, já que aqui em Caracas foram incapazes de alcançar seus objetivos.

Aqui, você já leu pelos meios de comunicação, no Brasil, em todo o mundo, supostamente houve ontem uma tentativa de sequestro de Maria Corina Machado, que era mentira. Convocaram uma manifestação aqui em Caracas que não teve nenhum êxito, não foi praticamente ninguém. E isso é normal, porque enquanto os líderes da oposição estavam chamando as pessoas para se manifestarem nas ruas, era possível ver ao vivo um vídeo de Juan Guaidó jogando padel em Miami. Então, as pessoas se dão conta de que o que esse sujeito fez foi se enriquecer; ele realmente não tem um compromisso com o país.

Temos visto em todo o mundo como foi dado realmente esse auto-sequestro, que depois foi desmentido pela própria Maria Corina Machado. Temos visto que os meios de comunicação tiveram que desfazer o que tinham afirmado, exigindo a imediata liberação de Maria Corina Machado. O que ela queria era, precisamente, era ser detida. Ao não ter nenhum tipo de apoio em seu intento desesperado de convocar o exército, de convocar a maioria nas ruas, de tentar uma insurreição, ao fracassar esse chamado, o que restou era se vitimizar. Dizer: ‘Olhem, me detiveram, me agrediram’. E, ao contrário, o que o governo fez foi permitir que tivesse toda uma avenida, cuidando para que não fossem eles mesmos que se agredissem, entre eles, para poder justificar, depois, esse tipo de denúncias infundadas sobre Venezuela.

Estamos em um ponto de inflexão em todo o mundo.

O Brasil é um exemplo claro de dois blocos: um bloco de extrema direita e um bloco onde está a esquerda, também com gente que simplesmente é democrata e que não quer se jogar nos braços de Bolsonaro. Mas a esquerda, de alguma forma, está confrontando em muitos lugares o risco de perder a própria democracia. No Brasil, se Bolsonaro tivesse ganhado um novo mandato, eu acho que estaríamos em uma situação parecida à que estamos temendo que aconteça nos Estados Unidos com a vitória de Trump.

Já ouvimos suas mensagens, que dão medo: anexar a Groenlândia, anexar o Canadá, tomar o canal do Panamá, ficar com o petróleo da Venezuela. Dá medo, porque não sabemos o que vai acontecer. Ele pode ser muito pragmático, e esse pragmatismo lhe levar a terminar a guerra na Ucrânia, negociar com o governo legítimo de Venezuela. Ou ele pode se tornar um louco, e não sabemos muito bem o que vai acontecer.

O que é certo é que ontem [10 de janeiro de 2024, posse de Maduro] foi um dia muito importante, porque a direita global fez tudo o que estava em suas mãos, tudo para que Nicolás Maduro não fizesse o juramento para o seu cargo como presidente eleito. E, por outro lado, desde o chavismo, é a primeira vez na história que um presidente repete três mandatos. Isso implica uma certa consolidação do governo, que, além de expressar o presidente Maduro, tem como projeto para os próximos seis anos a realização de mudanças constitucionais e um aprofundamento democrático no país, junto com uma solução dos problemas econômicos, que são motivados principalmente pelas sanções norte-americanas. Se, na Espanha, onde vivemos do turismo, fosse proibida a entrada de turistas, a Espanha estaria com cifras econômicas africanas.

A Venezuela foi impedida de vender o petróleo, que é a sua principal riqueza, e a economia foi sufocada por muito tempo. Isso gerou uma enorme migração, sobre a qual criticaram Maduro, quando a migração era um produto das sanções. Isso me lembra muito o que disseram Kissinger e Nixon de Salvador Allende: ‘Vamos fazer com que a economia grite’.

Porque, quando a economia gritava, quando a população não tinha o que comer, ia pressionar o governo. E isso não aconteceu. Eles tentaram, com um bloqueio econômico, que o povo passasse fome, que não pudesse comprar medicamentos, que não pudesse mudar os suprimentos que se rompiam para a vida cotidiana, e isso falhou.

Eles tentaram investir muito dinheiro para a oposição nas eleições. Perderam. Tentaram desconhecer o resultado eleitoral. Perderam.

Hoje, eu lia a imprensa europeia, e eles diziam que Maduro se autoproclamou. Não. Maduro foi proclamado na Assembleia Legislativa nacional. Ele não foi proclamado, como Guaidó, em uma praça. Mas, seguindo a Constituição, em 10 de janeiro, o que ele fez foi jurar na posse, depois de um processo. E isso deve ser claro.

Dez dias antes das eleições na Venezuela, a oposição deu uma entrevista coletiva dizendo que desconhecia o resultado do Conselho Nacional Eleitoral e que só iam reconhecer seus próprios dados. No dia das eleições, houve um hackeio eletrônico do sistema de transmissão das 30 mil máquinas eleitorais para que o resultado não pudesse chegar em Caracas.

E, ao mesmo tempo, a oposição que tinha contratado uma página web e que tinha desenhado páginas, desculpe, atos eleitorais com o Photoshop, saiu, aproveitando que o Conselho Nacional Eleitoral não podia dar os dados porque se estava atrasando a transmissão dos resultados pelo hackeio eletrônico, disse que tinham ganhado. ‘Aqui estão alguns dados”, disseram. Deram alguns dados reais de onde eles tinham ganhado e muitos dados falsos. Veja que, no dia de hoje, apesar de a oposição ter 30 mil testemunhas, eles estão em todas as mesas, eles têm cópia das 30 mil atas. Têm cópia de todas. E a pergunta é, por que não as vimos? Disseram que as têm. Foram ao Parlamento Europeu e disseram assim, veja, temos as atas, mas ninguém as viu.

Vocês acreditam que se tivessem 30 mil atas onde se demonstraria que eles tinham ganhado, alguém acredita que não as teriam publicado o Washington Post, um portal em Miami, um portal em Madrid, um portal em Paris, um portal em São Paulo? E por que não as publicaram? Porque é muito fácil publicar 30 mil atas, você tem um caderninho e diz: ‘Aqui está, veja, comprova-o com o código QR, com as assinaturas’. Por que não as publicaram? Porque não as têm. Têm as atas, mas não dizem que ganharam.

Então, já digo, veja que é muito importante, eles saem dizendo, ganhamos, o Conselho Nacional Eleitoral demora em poder dar os dados, porque demora em receber a informação, e, além disso, eles contratam 200 mercenários para gerar distúrbios no país, para tentar que tivesse 200, 300 mortos nas ruas, como aconteceu em Nicaragua, e poder justificar: ‘Veja, isso é uma ditadura’. E ver se justificava uma intervenção militar norte-americana ou algum tipo de saída violenta.

Então, o presidente Nicolás Maduro, em vista do fato de que a oposição não aceitava o resultado do Conselho Nacional Eleitoral, disse, vou fazer um contexto eleitoral e que seja o Tribunal Supremo que diga quem ganhou as eleições. Então, o Tribunal Supremo pede as atas a todos os partidos e pede as atas ao Conselho Nacional Eleitoral. E a candidatura de Edmundo González e Maria Colina Massado se nega a entregar as atas, não quer.

E você diz, mas se você ganhou, e o Tribunal Supremo pede uma cópia, entregue-lhe uma cópia e aí você poderá demonstrar que você ganhou. E, se o Tribunal Supremo diz que não, você pode mostrar as cópias e dizer, o Tribunal Supremo mente. Mas decide não apresentar as cópias. Ou seja, não é necessário porque a imprensa internacional está dizendo que você ganhou. O Tribunal Supremo dá, no final, seu veredicto e diz, Nicolás Maduro ganhou.

E claro, quando o Tribunal Supremo dos Estados Unidos ganha George Bush sobre Al Gore, ninguém o questiona. Quando, há alguns meses, o Tribunal Supremo Eleitoral, no México, diz que ganhou Cláudia Scheinbaum, e não Xóchitl Gálvez, ninguém protesta. Quando, na Espanha, o Partido Socialista pede ao Tribunal Constitucional que se revisem alguns votos nulos, e o Tribunal Constitucional lhe diz que não se vão revisar, aí se termina a discussão.

Em troca, quando o Tribunal Supremo de Venezuela diz que Maduro ganhou, segue a discussão. Por quê? Porque eles não se importam com as eleições, eles não se importam com o resultado. O que eles querem é derrubar o governo de Nicolás Maduro porque tentaram com sanções econômicas, com intervenções militares, com uma intervenção estrangeira por Cúcuta, pela Colômbia, com a intervenção de presidentes latino-americanos de direita e extrema-direita. Tentaram tudo, com homicídios, tentaram assassinar o presidente. Não conseguiram nada. Bom, o que temos hoje, queridos amigos, é, mais uma vez, os meios de comunicação do Brasil, dos Estados Unidos, da Espanha, seguindo o discurso de que Venezuela é uma ditadura, de que Nicolás Maduro não ganhou as eleições e que quem ganhou as eleições, apesar de não apresentar nenhum tipo de prova, é Edmundo González.

E, no fundo, para resumir, o que temos é, como disse antes, uma luta entre um velho mundo em crise, com os Estados Unidos decadentes. Os Estados Unidos, que perderam a guerra no Afeganistão, que perderam a guerra no Iraque, que perderam a guerra na Líbia, que vão perder a guerra na Ucrânia, mas que precisam de guerras e conflitos para poder manter sua hegemonia, arrastaram a Europa nessa loucura, arrastaram o Oriente Médio, entregando a Israel a permissão e as bombas para massacrar o povo palestino, para entrar no Líbano, para desestabilizar toda a zona. Enquanto há outro novo mundo emergente, o dos BRICS, que o que quer é um mundo multipolar, um mundo sem hegemonia de nenhum país, e onde cada país possa desenvolver sua vida em paz. E já digo, um mundo em paz é um mundo onde Estados Unidos e a União Europeia já não são hegemônicos.

Na história da humanidade, nenhum império o entregou pacificamente. E, portanto, vamos ver, tristemente, o que estamos vendo. Guerra na Europa, por primeira vez em 30 anos na Ucrânia, um genocídio realizado por Israel, guerra no Oriente Médio, várias guerras na África, e um intento de construir uma guerra na América Latina como antecedente para uma guerra, que é o que tem na cabeça os Estados Unidos com a China.

E os democratas e os pacifistas temos que entender as razões dessa vontade de guerra. A Venezuela é um país pequeno, não é um país tão importante. Todo mundo fala de Venezuela porque a Venezuela é a condição para que Estados Unidos consiga, no continente americano, manter sua hegemonia ou desenvolver uma guerra. E, por isso, todos os democratas, em frente a uma trincheira _e as trincheiras só têm dois lados_, em frente à trincheira que os Estados Unidos têm traçado, devemos nos colocar ao lado dos golpistas ou ao lado dos democratas. E os democratas nos colocamos ao lado dos que reconhecem a vitória de Nicolás Maduro.

TUTAMÉIA – O senhor pode nos falar um pouco sobre o apoio internacional ao governo Maduro? Essa mobilização da extrema-direita, além de fazer essa denúncia das supostas irregularidades, também fala sempre de um isolamento do governo. Qual é a situação do governo Maduro no plano internacional?

MONEDERO – O Novo Mundo está com Maduro e com a Venezuela. O Velho Mundo está com a oposição. E, por isso, a Venezuela é um campo de batalha entre o Velho Mundo e o Novo Mundo. Os BRICS receberam a Venezuela. Falta que Lula e o Brasil percam um pouco do medo da pressão da direita brasileira, mas a Venezuela já está nos BRICS. E o presidente Maduro foi muito claro. Ele disse que ou o petróleo da Venezuela vai para os EUA e a região, ou vai para os BRICS. Vocês escolhem.

O mercado natural da Venezuela é os EUA. Igual que o mercado natural do gás da Alemanha deveria ser a Rússia. E, por isso, os EUA furaram o Nord Stream 2. Então, em termos internacionais, encontramos que o Velho Mundo não quer reconhecer Nicolás Maduro, mas já não pode fazer o que fez com Juan Guaidó.

E temos o paradoxo de que há países que não reconheceram Nicolás Maduro, mas já têm embaixadores. Então, vão manter discursivamente, retoricamente, simbolicamente, uma confrontação com o governo, mas sabem que com quem tem que negociar é com o governo de Nicolás Maduro. Com quem Trump vai falar? Com quem Trump vai negociar o petróleo? Com quem Trump vai negociar os imigrantes venezuelanos que estão nos EUA? Vai negociar com Maria Corina Machado? Vai negociá-lo com Juan Guaidó, que é um homem que roubou o dinheiro e vive como um rico em Miami? Não.

Todos os problemas que tenha com a Venezuela e os EUA vai ter que resolvê-los com Nicolás Maduro. E isso sabe também a Espanha, a França, a Itália. O que acontece é que, fiquem atentos, e isso é muito importante, e acontece também no Brasil: tudo o que tem a ver com a Venezuela não é política externa, é política interna.

Quer dizer, deve ser o único país do mundo onde no Brasil se trata como se fosse um problema interno e não um problema externo. E isso é porque a direita global construiu um marco onde qualquer política de esquerda é criticada, questionada, desqualificada como bolivariana. E a cada vez que Lula ou Pedro Sánchez propõe uma política de esquerda, dizem que isso é Maduro, vai transformar o Brasil em Venezuela.

E se você não tem uma maioria política forte, se você não tem, como no México, uma fortaleza no Congresso, no Senado e no próprio governo, você se assusta ou negocia com seus parceiros, e a negociação é o que explica que não tenham reconhecido Nicolás Maduro, que deveriam ter vindo, que são Lula, Petro, Boric, Pedro Sánchez, etc. E não vieram porque pagam um preço interno em seus países. Porque a pressão é tão forte, que qualquer um que queira ajudar a Venezuela se torna um proscrito, se torna um inimigo, se torna um amigo de ditadores.

Isso me lembra, de alguma forma, os argumentos que deram a França e a Inglaterra em 1936, na Espanha, quando Franco deu o golpe de Estado e Inglaterra e França se negaram a mandar armas, porque diziam que não queriam entrar nesse conflito. Claro, na Frente Popular, que acabara de ganhar as eleições, estavam os comunistas que elas não queriam ajudar. E olha o erro profundo.

Se França tivesse dado armas à República, Franco teria perdido a guerra e seguramente a Segunda Guerra Mundial não teria começado ou não teria acontecido por tantos anos nem teria causado tanto dor à França e à Inglaterra. Mas foram estúpidos por tentar não causar problemas com a direita, que os estava empurrando e, como agora fazem com a Venezuela, ameaçando-os com tormentas se apoiassem a República. Te ameaçam com tormentas se apoias à Venezuela de Maduro.

Olhe logo o preço. Imagine que se caísse a Venezuela. Cairia Lula. Cairia Petro. E a esquerda desapareceria praticamente da América Latina. E isso tem muito claro os Estados Unidos e as elites da direita latino-americana.

E o que me chama a atenção é que a esquerda não entenda que é mentira que eles se interessem pelos direitos humanos. Se a direita está apoiando Israel, que está fazendo um genocídio e estamos vendo com nossos próprios olhos. Quem se interessa pelos direitos humanos? Os Estados Unidos? A União Europeia? Ou a direita latino-americana? A direita brasileira que apoia Netanyahu? A direita brasileira, que sempre foi antissemita, agora apoia o sionismo de Israel. É uma loucura própria de um mundo em transformação. E por isso, em um mundo em transformação, é tão importante que nós, os democratas –não vou dizer a gente de esquerda–, os democratas não caiam nesses enganos.

Mas já digo: a pressão internacional é muito, muito forte. E eu estou vendo no meu país, na Espanha. Como há gente de esquerda que está sucumbindo, que não se atreve a resistir aos ataques e diz, sim, sim, Venezuela é uma ditadura. E no final, quando você reconhece isso, como dizia nesse livro tão bonito, Aimé Césaire, o político da Martinica, em seu livro de 1950 “Discurso sobre o Colonialismo, dizia: ‘Cuidado, porque tudo o que a Europa fez fora é o que depois Hitler fez dentro’.

Tudo o que a esquerda hoje permite fazer para a Venezuela, depois vai ser feito para a esquerda no Brasil, na Colômbia, na Espanha, em todos os nossos países. Por isso, mesmo que seja complicado, mesmo que nos estigmatizem, nos ataquem, nos insultem, acho que é uma obrigação democrática continuar defendendo o que acontece na Venezuela, explicá-lo e não cometer o erro de jogar a toalha e nos rendermos para que não nos ataquem. Como diz o dito, terminar dormindo com os lobos para que não te devorem. E, no final, os lobos te vão devorar igual.

TUTAMÉIA – Houve essa decisão da meta de Zuckerberg, de começar uma guerra aberta contra a democracia. Como isso se insere nesse quadro que você está descrevendo? Como deve ser a posição dos países no sentido de resguardar sua soberania em razão dessa decisão da Meta, que já a do Elon Musk e de todos esses plutocratas?

MONEDERO – Isso também explica a rendição das democracias ocidentais. Mark Zuckerberg se colocou de joelhos contra Donald Trump. Ele disse: ‘Se você quer que Facebook e Instagram mintam, não se preocupe. A partir de agora, mentir será possível’. Vejam como ele já ajudou Elon Musk. Musk multiplicou sua riqueza, comprou o Twitter, mudou o nome e o colocou no serviço de Donald Trump. Por isso, ele ganhou as eleições de Donald Trump. Essa gente vai nos dar lições de democracia? Milionários que compram uma rede social e a colocam a serviço de um dos candidatos para que ganhem as eleições? Essa gente vai nos dar lições de democracia? E Mark Zuckerberg, que é um sem vergonha, foi o quem, com o Cambridge Analytics, permitiu que a Grã-Bretanha saísse da União Europeia. Mentindo. E agora ele disse: ‘Se eu sou como o Elon Musk, eu vou me enriquecer. Por isso, eu não me importo com a democracia, com a ética, com a comunicação’.

E veja, a guerra na Europa, a guerra na Ucrânia, tem justificativa desde o ponto de vista europeu, que está ajudando o governo de Zelensky. Ao invés de apoiar a paz e terminar imediatamente, estão dando a ele dinheiro e armas. E o argumento é frear o expansionismo russo. Claro, alguém poderia pensar que, se a Europa está contra o expansionismo, a Europa terá dito algo sobre a pretensão de Donald Trump de se anexar a Groenlândia, que é um território administrado pela Dinamarca, que é um país europeu. Nenhum líder da Europa disse nada. Ninguém abriu a boca. O que demonstra, como aconteceu nos anos 1930, com o pacto de Munique [quando Reino Unido e França sucumbiram à Alemanha de Hitler e aceitaram a anexação de parte da então Checoslováquia]; estão consentindo com o que façam os Estados Unidos. E os ataques à Venezuela são os mesmos ataques que em seu momento sofreu a esquerda europeia quando Chamberlain [então primeiro ministro do Reino Unido] entregou os Sudetos eslovacos a Hitler e disse: ‘Toma, paz em troca de territórios”.

[A esse acordo, Churchill, que se tornaria primeiro ministro durante a guerra, respondeu a Chamberlain: ‘Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra, e terás a guerra’]

E parece que os líderes europeus ou os líderes da direita latino-americana e os líderes norte-americanos e japoneses estão dizendo a Donald Trump: ‘Entregamos os territórios em troca de que não nos faça nada. Entregamos Palestina, entregamos Venezuela, entregamos Guiana, entregamos o que você quiser. Síria, entregamos o que você quiser, mas não nos faça nada.

E Justin Trudeau, o primeiro-ministro demissionário do Canadá. O que ele disse depois que Donald Trump disse que o Canadá deveria ser o Estado 51? Ele disse: ‘Não se preocupe, porque são amigos nossos’. É a entrega absoluta da dignidade, é a entrega absoluta de um mínimo respeito à soberania nacional. Mas também, não nos enganemos, é própria deste mundo, como eu disse, convulsionado em que estamos e onde estamos disputando a democracia.

Eles têm claro o seu caminho. Ante os grandes desafios da humanidade, eles têm uma resposta. Ante o aquecimento global, tem que privatizar o Amazonas, tem que aproveitar o descongelamento da Groenlândia para abrir novos caminhos e fazer mais prospecções petrolíferas, tem que desregular a economia e tirar todos os candados ecológicos.

Eles têm a resposta, mas nos leva ao abismo.

Ante o envelhecimento da população, o que tem que fazer é aumentar a idade da aposentadoria. A gente tem que trabalhar mais tempo e mais horas, mas também transforma a vida em um inferno: viver para trabalhar, em vez de trabalhar para viver.

Ante o tema da migração, eles têm muito claro: aceitamos os imigrantes que são úteis e, os que não, disparamos fogo para que não entrem em nossos países. Ou deixamos que morram fechando-lhes as rotas, como está acontecendo na Ruta Canária das Ilhas Canárias, que agora é a rota com mais mortalidade do mundo. Ou os entregamos à Turquia, que é um país que não reconhece os direitos humanos, para que freie os imigrantes que querem chegar para a Europa.

No desenvolvimento tecnológico, temos que fazer grandes conglomerados monopolísticos. E que Elon Musk se encarregue de toda a inteligência artificial, dos satélites, o que implica uma plutocracia em que os milionários vão governar nossos países.

Ou seja, a direita tem soluções para todos os nossos desafios. Mas são soluções que vão acabar com o planeta, com a humanidade, com a democracia e com a alegria.

E, como não queremos acabar com a alegria, nossa obrigação é continuar lutando.

TUTAMÉIA – Qual a sua mensagem para o público brasileiro?

MONEDERO – Falava ontem sobre o filme “Zona de Interesse”. É um filme sobre o Holocausto, sobre o campo de concentração de Auschwitz, mas não aparece o campo de concentração. É sobre a casa de está ao lado do campo, onde vivia o seu comandante Rudolf Hoss, sua mulher e seus filhos, trata da vida cotidiana, a alimentação, os passeios ao bosque com os filhos, as pescarias, como vivem os empregados da casa, que são encarregados de que tudo funcione. De vez em quando, se ouve algum disparo, algum grito, se vê fumaça ao fundo das chaminés de Auschwitz. Esse filme é uma boa metáfora do que temos no mundo. No filme, há um grande campo de concentração. As pessoas do MST que foram assassinadas ontem são prisioneiras do campo de concentração. É no que a direita, às vezes com a autorização da esquerda, que converter o Brasil. Há muitas pessoas que querem converter os nossos países em campos de concentração. Eles, que vivem ao lado do campo de concentração, ondem vivem também os serviçais que lhes ajudam a fazer tudo. É verdade que entre os serviçais há uma mulher que deixa alimentos pelo bosque para que os prisioneiros possam se alimentar. Se pode jogara na vida, mas isso não muda as coisas. No filme, não aparecem os hierarcas nazistas, que são os que realmente se beneficiam do campo de concentração. Estão em suas mansões, nessa globalização, elegantes e bem vestidos. O que também não se vê no filme são as pessoas que estão fora do campo e que entendem que é preciso liberar o campo de concentração, que é preciso executar os nazistas e liberar os prisioneiros. Que a solução é lutar. Contra os hierarcas nazistas, contra os comandantes e com os que ajudar a liberar o campo de concentração. E que é uma lutar dura, que não vai ser amável. Mas é uma luta que nós, que estamos contra os campos de concentração precisamos fazer. Porque, se não, não poderemos nos olhar no espelho. E, se dizemos antes que queremos recuperar a alegria, é impossível recuperar a alegria se não fazes a luta de sua época. Assim, a mensagem que deixo é: lutemos, não entreguemos nossa dignidade e nunca entreguemos a nossa alegria.