Na noite de 31 de março de 1964, Paulo Arantes foi à inauguração do teatro da UNE no Rio de Janeiro. “O teatro estava novinho em folha. Você entrava e sentia o cheiro da madeira, viva ainda, aquele cheiro gostoso de madeira nova”, conta ao TUTAMÉIA.
“Já sabíamos da coluna do general Olímpio Mourão Filho, que saíra de Juiz de Fora. Nós achávamos que era uma coluna brancaleone, esse foi o grande erro. Indo para o teatro na praia do Flamengo, nós já íamos comemorando uma vitória, a derrota do golpe”, diz.
Nesta entrevista, realizada em 28 de março de 2024, ele rememora aqueles dias, fala da sua trajetória, a militância na Ação Católica, a entrada na filosofia na Maria Antônia, a adesão majoritária da USP ao golpe –salvo os estudantes–, e a situação atual.
Falando sobre o contexto da época, ele afirma:
“Não era tresloucado pensar que o Mourão havia pisado na bola, tinha se precipitado e abortado o golpe por incompetência. Chegamos à UNE em triunfo, porque finalmente o gatilho havia sido dado, havia disparado para a revolução brasileira, que era um dos grandes mitos do nosso tempo”.
“O espetáculo na UNE foi entusiasmante, porque todos, no palco e na plateia, estavam certos de que a coisa havia virado, havíamos transposto um limiar”.
Voltando para casa, Arantes se recorda de ter comentado com os amigos que as portas do teatro estavam guarnecidas, de início, por “armários, fuzileiros navais, com metralhadoras”. Ele faziam a segurança da UNE e foram aplaudidos. “A certa altura, eles foram embora; nós estávamos sozinhos.
Esse foi o primeiro sinal de que alguma coisa estava mudando”, diz.
Arantes se recorda que por volta da meia noite daquele 31 de março começou a ouvir uma algazarra. O prédio onde ele morava (numa república de estudantes ligados à Ação Popular) ficava equidistante entre o Palácio das Laranjeiras (onde o presidente da República ficava quando estava no Rio) e o Palácio da Guanabara, a sede do governo estadual, naquele momento ocupado por Carlos Lacerda. Nas palavras de Arantes:
“Eram megafones. Noite escura, não se via nada. Da janela começamos a nos divertir. Se ouvia no megafone o Lacerda xingando quem ele imaginava estar à sua frente no meio do escuro. Ele achava que era o almirante Aragão, que não sei se era o próprio almirante Aragão ou alguém que fingia ser almirante Aragão, mas um militar à frente de militares legalistas. Ficaram mais de uma hora se xingando. A virilidade de um e de outro era posta em questão. E nós ouvindo aquele bate-boca. O golpista-mor Carlos Lacerda e, possivelmente, o almirante Aragão, que era o nosso almirante vermelho da vez. E nós, na janela, ouvindo o golpe transcorrendo. Ouvindo o confronto mudando de lado. Em certo momento, houve silêncio. O possível almirante Aragão tinha se retirado; o Lacerda também se retirou. Fomos dormir com a pulga atrás da orelha, mas ainda confiantes de que o dispositivo militar do general Assis Brasil estaria funcionando. Mas era o segundo sinal de que a coisa estava indo para o brejo”.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Roberto Requião, Djalma Bom, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
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