“Aldo chegou carregado, amparado por duas muletas humanas. Tinha o peito com feridas provocadas por queimaduras de cigarro. Por causa da tortura, não conseguia nem sentar direito.”
Assim Luiz Eduardo Greenhalgh conta ao TUTAMÉIA seu encontro com o dirigente do PCdoB Aldo Arantes, preso em dezembro de 1976 no episódio que ficou conhecido como Chacina da Lapa.
A defesa de Aldo foi um dos momentos marcantes de sua carreira como defensor de presos políticos –uma trajetória que começou quando ainda era estudante de direito e ficou sabendo que o também advogado e diretor de teatro Idibal Pivetta (1931-2023) havia sido preso pela ditadura.
Por causa da denúncia das torturas, teve um enfrentamento público com o então comandante do Segundo Exército, Dilermando Gomes Monteiro, que disse de Greenhalgh: “Mente o advogado. É mais subversivo do que seu cliente”.
Pois quem mentia era o general. Quando Arantes enfim foi levado à auditoria militar, o advogado pediu a ele, no final de seu depoimento, que abrisse a camisa. Apesar dos meses já passados, lá estavam as marcas da tortura.
Esse foi um dos casos lembrados na conversa com TUTAMÉIA pelo advogado, que tinha 15 anos quando houve o golpe militar. No dia exato, jogava bola num campinho perto de casa, no Tremembé, bairro da zona norte de São Paulo. Tudo normal, menos o fato de que, no meio da tarde, viu seu pai voltando para casa, ele que só costuma chegar ao final do dia.
“Ele chegou, ligou o rádio Transglobe e começou a procurar a BBC, buscando notícias. Depois, nos disse: ‘Isso é coisa dos americanos’.”
Vida que segue. Na faculdade de direito, anos depois, vota sempre com os grupos de esquerda e participa do movimento estudantil. Antes mesmo de se formar, atua como voluntário no escritório de Airton Soares, que estava na defesa de Pivetta.
“O contato com os presos políticos mudou a minha vida”, conta Greenhalgh ao TUTAMÉIA nesta entrevista realizada em 19 de março de 2024. Ele relata o dia em que se apresentou aos detentos do Pavilhão Cinco, na Casa de Detenção, como estagiário que iria acompanhar a defesa deles. “Não tinha o que falar. Pedi que eles contassem a história deles. Comecei a ficar impressionado. E fui me aprofundando nos casos, saber quais eram as torturas, quem eram os torturadores”.
Formado, seguiu a trilha. Numa madrugada, no início dos anos 1980, seu escritório foi metralhado em São Paulo por grupos de ultradireita –na época, fascistas incendiavam bancas de jornais e mandavam cartas-bomba para defensores da democracia; uma delas matou dona Lyda Monteiro, secretária da OAB do Rio.
Já a OAB de São Paulo, a quem Greenhalgh denunciou o ataque sofrido, deu como resposta: “Mas vocês defendem presos políticos….”
Defendia sim, assim como fazia um punhado de outros advogados, ativistas de direitos humanos, integrantes da Comissão Justiça e Paz, vários deles citados por Greenhalgh na entrevista ao TUTAMÉIA: “Éramos poucos, mas éramos da pá virada”, diz.
Atuando na defesa do então dirigente sindical Luiz Inácio Lula da Silva e outros líderes grevistas, descobriu que a sentença do julgamento que seria realizado em uma segunda-feira já estava pronta da sexta-feira anterior. A denúncia da tramoia envolveu uma espécie de “greve” dos acusados e advogados, que não compareceram ao julgamento arrumado. Houve a condenação, mas instâncias superiores acabaram dando razão aos advogados.
Um dos fundadores do PT, partido pelo qual foi quatro vezes eleito deputado federal, ele conta ao TUTAMÉIA sobre o trabalho de recolher informações sobre os desaparecidos no Araguaia e de responsabilizar o estado brasileiro por esses crimes da ditadura militar.
“A sentença transitou em julgado, mas até hoje o estado brasileiro não forneceu as informações, não disse onde os corpos forem enterrados”, aponta ele, que foi um dos fundadores do Comitê Brasileiro pela Anistia.
É uma questão que segue assombrando o país: “O governo Lula está, como diria Leonel Brizola, costeando o alambrado. Ele viu que, no dia 8 de janeiro, quase, quase… Se tivesse decretado a GLO, provavelmente ele estaria apeado do poder.”
E segue o advogado: “Costear o alambrado vai até certo ponto. A gente está costeando o alambrado desde 1988, na Constituinte. E costear o alambrado não tem sido bom. A gente viu o impeachment da Dilma, a prisão de Lua, a Lava Jato… Então vai chegar o momento em que a gente vai ter de deixar de costear o alambrado. Eu sugiro que sem ódio e sem medo, sem nenhum tipo de provocação, mas também sem recuo”.
O depoimento integra uma série de entrevistas sobre o golpe militar de 1964, que está completando sessenta anos. Com o mote “O que eu vi no dia do golpe”, TUTAMÉIA publica neste mês de março mais de duas dezenas de vídeos com personagens que vivenciaram aquele momento, como Almino Affonso, João Vicente Goulart, Anita Prestes, Frei Betto, Janio de Freitas, Luiz Felipe de Alencastro, Ladislau Dowbor, José Genoíno, Roberto Amaral, Guilherme Estrella, Sérgio Ferro e Rose Nogueira.
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